Blog do Fernando Rodrigues

Disney usa empresa em paraíso fiscal para manobra que reduz imposto

Fernando Rodrigues

Vazamento de papéis sigilosos indica prática realizada a partir de Luxemburgo

Koch Industries, Skype e outras 32 empresas também se beneficiariam da estratégia

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

A The Walt Disney Company, conglomerado norte-americano proprietário de estúdios de cinema, canais de televisão e parques temáticos, tem empresas no paraíso fiscal de Luxemburgo que podem ser utilizadas para reduzir o imposto devido nos Estados Unidos.

A manobra foi revelada por um vazamento de papéis confidenciais obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), ONG com sede em Washington.

Em novembro, o ICIJ já havia divulgado que empresas multinacionais como Pepsi, Ikea e FedEx e os bancos brasileiros Bradesco e Itaú-Unibanco fizeram uso do mesmo artifício. O caso ficou conhecido como “Lux Leaks”.

O ICIJ recebeu o novo lote de documentos após a primeira séria de reportagens. Além da Disney, estão na lista divulgada nesta 3ª feira (9.dez.2014) a Koch Industries, segunda maior empresa de capital fechado dos EUA, a gigante de telefonia por internet Skype e outras 32 companhias. As manobras teriam sido realizadas entre 2003 e 2011.

As repórteres Alison Fitzgerald e Marina Walker Guevara, do ICIJ, relatam que a Disney e a Koch foram instruídas pela consultoria Ernst & Young a registrar algumas de suas empresas em Luxemburgo e a criar companhias financeiras internas, como se fossem bancos próprios.

Essa é uma das estratégias utilizadas por empresas multinacionais para enviar parte de seus lucros a Luxemburgo. O banco interno sediado no paraíso fiscal concede empréstimos a filiais em outros países, como França ou Alemanha, e recebe de volta o pagamento de juros. Por meio desse canal, o lucro é transferido a baixa tributação, inferior a 1% em alguns casos.

Segundo o ICIJ, é impossível determinar quanto a Disney e a Koch teriam economizado em pagamento de impostos nos EUA sem acessar o imposto de renda declarado ao governo norte-americano, protegido sob sigilo.

As regras de Luxemburgo são legais dentro do país, mas podem ser contestadas por outras autoridades se houver entendimento de que elas reduzem o pagamento do imposto devido nos locais de origem.

Outra maneira de as companhias enviarem seus lucros para Luxemburgo é registrar suas marcas e patentes em uma subsidiária no paraíso fiscal e fazer as filiais instaladas ao redor do mundo pagarem royalties pelo seu uso.

Segundo Fitzgerald e Guevara, a estratégia utilizada pela Disney segue um roteiro de 34 etapas proposto em outubro de 2008 pela Ernst & Young. A movimentação contábil confere à Disney a capacidade de retirar seu lucro de países com tributação pesada, como França e Alemanha.

A peça-chave dessa estrutura é uma empresa financeira da Disney chamada Wedco Participations SCA, sediada em Luxemburgo. Essa empresa concede empréstimos às outras subsidiárias a alta taxas, extraindo o lucro na forma de pagamento de juros. Segundo os documentos obtidos pelo ICIJ, a Wedco registrou em 4 anos lucro de € 1 bilhão e pagou € 2,8 milhões em impostos, taxa menor que 1%.

Em duas transações, a Wedco emprestou € 75 milhões para a subsidiária francesa da Disney e recebeu mais de € 16 milhões em juros, o que pode ter permitido reduzir o pagamento de impostos na França.

A Wedco e outras duas empresas da Disney criadas em Luxemburgo sob orientação da Ernst & Young registraram mais de € 2,8 bilhões de lucros entre 2009 e setembro de 2013, apesar de terem somente um funcionário. As 3 firmas estão instaladas em um edifício residencial.

Um repórter do ICIJ foi à sede da Wedco. Lá, um homem se identificou como diretor das companhias, mas se recusou a informar seu nome. “Nós utilizamos um apartamento espaçoso no quarto andar como escritório. Não é necessário muitos funcionários, uma pessoa qualificada com dedicação integral pode administrar essas empresas”, disse.

Zenia Mucha, porta-voz da Disney nos EUA, afirma que a empresa paga globalmente uma taxa média de 35% em impostos. “Nós administramos nossos deveres fiscais responsavelmente e buscamos cumprir integralmente todas as leis aplicáveis. Suas afirmações não estão baseadas em uma compreensão correta da nossa posição fiscal no mundo”, afirmou Mucha ao ICIJ. Ela se recusou a responder a várias questões detalhadas e não especificou o que ela considerava incorreto.

Fitzgerald e Guevara apontam que não está claro se a Disney chegou a enviar lucros registrados em Luxemburgo para os EUA, onde ele seria taxado em 35%.

Koch
A Koch Industries utilizou estratégia semelhante em benefício de sua subsidiária Invista BV, que produz fibras da marca Lycra, segundo os documentos obtidos pelo ICIJ. O guia que orientou a empresa, também preparado pela Ernst & Young, estabelece 26 passos para reestruturar a Invista e centralizar seu fluxo financeiro em Luxemburgo.

Como a Disney, a Koch também montou um banco interno, chamado Arteva Europe S.à.r.l,, para administrar o fluxo financeiro de sua operação europeia. De 2010 a 2013, a Arteva registrou lucro de US$ 269 milhões e pagou US$ 6,4 milhões de impostos. A taxa anual mais alta aplicada foi de 4,15%.

Indagado pelo ICIJ, Rob Tappan, diretor de relações externas da Koch, afirmou que “como todas as empresas Koch, a Invista conduz seus negócios de forma legal e paga seus impostos de acordo com as leis aplicáveis”. A Koch não respondeu a perguntas detalhadas sobre sua operação em Luxemburgo.

A Disney e a Koch podem estar de beneficiando de uma brecha no código tributário dos EUA que permite que elas peçam ao governo que ignore as várias subsidiárias e considere apenas a filial estrangeira principal na hora de auferir os tributos. Isso livra as subsidiárias de pagarem impostos aos EUA sempre que o dinheiro fluir de uma para outra.

Em 2009, o presidente Barack Obama incluiu um projeto para fechar essa brecha em uma lista de modificações fiscais que ele desejava implementar. O governo dos EUA estima que proibir essa prática resultaria em arrecadação extra de US$ 86 bilhões em 10 anos. Companhias privadas fizeram forte lobby contrário à modificação e a proposta foi abandonada em menos de 1 ano.

Reação
Após o primeiro lote de vazamentos do “Lux Leaks”, Jean-Claude Juncker, novo presidente da Comissão Europeia, que era primeiro ministro de Luxemburgo quando muitas dessas políticas fiscais controversas foram criadas, disse que elas eram legítimas, mas admitiu que o sistema “não estava sempre alinhado com a justiça tributária” e pode ter aberto brechas “em padrões éticos e morais”.

Margrethe Vestager, comissária da União Europeia para a Concorrência, disse que sua equipe analisará as práticas fiscais reveladas pelo ICIJ. “Vamos examinar e avaliar se isso irá ou não resultar na abertura de novas investigações”, afirmou.

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