Blog do Fernando Rodrigues

Denunciante? Ladrão? Herói? A fonte dos dados que balançaram o HSBC

Fernando Rodrigues

icij

A longa e estranha jornada de Hervé Falciani, de especialista em tecnologia bancária a fugitivo encarcerado e porta-voz de denunciantes

Leia o texto original do ICIJ, em inglês

Por Martha M. Hamilton

Eles quase o pegaram. Em 22.dez.2008, policiais suíços prenderam Hervé Falciani, então com 36 anos e especialista em sistemas de computador suspeito de roubar dados do HSBC Private Bank da Suíça, seu empregador, e tentar vendê-los a bancos no Líbano. A polícia apreendeu seu computador, fez buscas em sua casa em Genebra e o interrogou por horas.

Falciani

Hervé Falciani

A polícia o liberou sob a condição de que Falciani retornaria no dia seguinte para continuar o interrogatório.

E ele não retornou. Falciani alugou um carro, pegou sua mulher e filha e dirigiu direto para a França. Lá, começou a fazer o download de grandes quantidades de dados do HSBC que havia guardado em servidores remotos e estavam provocando caos para pessoas ricas de todo o mundo que utilizavam contas em paraísos fiscais para esconder dinheiro. Havia nomes de clientes e anotações das conversas do banco com eles.

O dia da fuga foi o ponto de inflexão em uma longa e estranha jornada de Falciani, que vem mudando de país para país, esquivando-se de autoridades suíças –e possivelmente de criminosos que o perseguem.

Ele se apresenta como um denunciante e atraiu grande atenção da mídia. Até tentou, sem sucesso, candidatar-se ao Parlamento Europeu. Já usou identidades falsas, vestiu disfarces e apareceu em público com guarda-costas. Foi preso e acusado. A promotoria suíça acusou Falciani de roubo de dados do HSBC, argumentando que seu objeto era “ganhar dinheiro”.

GENEBRA
Tudo começou em 2006, quando Falciani, que tem cidadania francesa e italiana, foi transferido do HSBC de Mônaco para o HSBC de Genebra. Lá, segundo conta, ele tentaria melhorar a supervisão das atividades do banco e proteção de dados dos clientes. Mas, ele diz, encontrou resistência.

Falciani diz que ajudou a criar sistemas em Mônaco “que permitiam descobrir atividades fraudulentas de alguém que era acusado de crimes” e que ele pretendia fazer o mesmo na Suíça. “Trabalhei com colegas em um grupo chamado ‘mude o banco’, mas estávamos contra outro grupo chamado ‘administre o banco’, que queria fazer as coisas sem ser monitorado”, disse em depoimento na França em junho de 2013.

Falciani afirmou ter alertado diretores do banco sobre problemas no sistema de dados. Mas uma investigação na Suíça afirma que isso não foi confirmado por ninguém do HSBC e nem por provas documentais.

Para as autoridades suíças, Falciani roubou os dados e tentou lucrar com eles, primeiro os oferecendo a bancos no Líbano e depois a autoridades de outros países.

LÍBANO
Em fevereiro de 2008, Falciani foi ao Líbano com Georgina Mikhael, com quem ele havia trabalhado no HSBC e havia o ajudado a criar uma empresa chamada Palorva. Essa firma, em seu site, dizia que poderia ajudar os bancos a atrair clientes ricos mediante pesquisa de dados.

Juntos, ele contataram diversos bancos com filiais no Líbano e teriam oferecido venda de dados, sem responder como os teriam obtido. A iniciativa deflagrou um alerta. Um dos bancos divulgou uma nota no site da Associação dos Bancos Suíços informando que alguém estava tentando vender “dados de clientes de vários bancos suíços”. A Promotoria da Suíça leu o aviso e abriu uma investigação.

Após voltarem do Líbano, Falciani e Mikhael entraram em contato por e-mail com autoridades tributárias europeias oferecendo “a lista de clientes de um dos maiores bancos de administração de fortunas”. Segundo reportou o “The Wall Street Journal”, o e-mail enviado às autoridades não pedia dinheiro.

Em 20.jan.2009, a Promotoria de Nice, respondendo a um pedido suíço, autorizou uma busca na casa do pai de Falciani, onde ele estava morando. Falciani afirmou à polícia de Nice que a busca envolvia dados “relevantes para a França” e a Promotoria decidiu não enviar o material apreendido para as autoridades suíças.

DADOS
A França começou então a trabalhar no grande volume de dados entregue por Falciani (aproximadamente 600 arquivos somando cerca de 100 gigabytes), para organizá-los de forma legível, com ajuda do próprio denunciante.

Terminada a organização dos dados, autoridade francesas começaram a compartilhar listas menores com outros países europeus, incluindo Grã-Bretanha, Itália, Espanha, Bélgica e Grécia, onde haveria clientes do HSBC que poderiam estar devendo impostos.

Em 1.jul.2012, após ter escapado de outra tentativa de prisão feita por autoridades suíças, Falciani foi detido em Barcelona e mantido preso por 5 meses e meio sob um mandado de prisão suíça. Ele foi solto em 18.dez.2012, após a Justiça espanhola concluir que ele estava colaborando com autoridades europeias em investigações fiscais e demonstrando uma atitude positiva.

PORTA-VOZ DE DENUNCIANTES
Na versão de Falciani, ele é parte James Bond, fugindo de oponentes poderosos e cooperando com agências de inteligência, parte um idealista frustrado, chocado pela realidade ele encontrou no banco onde ele já foi funcionário. É uma história que ele conta com frequência, apesar de nem sempre de forma consistente.

Hoje, Falciani se apresenta como um porta-voz de todos os denunciantes. Em 2014, ele apareceu mais à vontade, indo a reuniões de scooter. Foi contratado durante um período pelo Instituto Francês para Pesquisa em Ciência da Computação e Automação. Recentemente, disse ao “Le Monde” que estava desempregado, fazendo trabalhos de curto prazo.

Ele também está envolvido em uma ONG que tenta criar uma plataforma para tornar mais fácil e seguro que denunciantes falem. (O diretor do ICIJ Gerard Ryle é um dos 5 diretores dessa ONG, registrada na França).

“Não sou um cavaleiro branco, mas há algo belo e estimulante em estabelecer a verdade. Isso o faz continuar durante os períodos ruins”, disse. “Não tenho que me preocupar sobre uma aposentadoria eu não terei. Posso me preocupar com algo a mais: somos úteis”.

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