Blog do Fernando Rodrigues

Análise: o problema do governo Dilma está dentro do governo Dilma

Fernando Rodrigues

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Dilma ao lado de apoiadores do Mais Médicos, num momento de autoengano no Planalto (4.ago.2015)

Base aliada ao Planalto está desconjuntada e sem comando

PT e seus líderes seguem atacando a política de Joaquim Levy

Mal começou o segundo semestre legislativo no Congresso e o Palácio do Planalto já tomou algumas chapuletadas.

O mais cômodo (e errado) neste momento é colocar a culpa no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que anunciou ter rompido (“do ponto de vista pessoal”) com o governo Dilma.

Outro erro é achar que no Senado a responsabilidade é toda de Renan Calheiros (PMDB-AL), que comanda aquela Casa.

Cunha e Renan estão sob investigação por suspeita de envolvimento com as traficâncias da Lava Jato. Só crescem politicamente por causa da inanição do governo.

Também seria tapar o sol com a peneira culpar fatores externos pela crise econômica. Vários países que tomaram as medidas corretas nos últimos anos já estão em situação mais encaixada do que o Brasil no pós-Lehman Brothers (2008-09).

O problema do governo Dilma está dentro do próprio governo Dilma.

A presidente tem se arriscado a aparecer mais. A viajar mais e a falar mais em eventos públicos montados para que seja aplaudida por plateias amigas. Só faz isso dentro das câmaras hiperbáricas e megacontroladas pelo aparato estatal.

Nesta semana, por exemplo, Dilma deve conceder uma entrevista sobre as Olimpíadas 2016. Será para a imprensa brasileira? Haverá liberdade para perguntas? Não, nada disso. A entrevista será via e-mail e apenas para um site de internet… na China. Isso mesmo, na China.

É quase tudo postiço nessa nova pegada de aparições públicas da presidente.

Essa estratégia só dá certo (às vezes) quando tudo já estava dando certo antes. Agora, serve para encapsular a presidente num mundo dos sonhos e distante da realidade.

Ontem (4.ago.2015), terça-feira, o Planalto organizou uma daquelas “photo-ops” corriqueiras para tentar uma “mídia positiva”. Celebrava-se o aniversário de 2 anos do programa Mais Médicos. Ficou lotado o mezanino do primeiro andar (que nas teclas dos elevadores do Planalto é tratado como “2º andar”). Além das chatices dos discursos oficiais (ressuscitaram até o veterano Maguito Vilela; por favor, expliquem-me depois o que foi aquilo…), teve também uma jovem relatando sua história pessoal de ter conseguido se formar em medicina. Emoção no ar. Silêncio. A plateia começou um “olê, olê, olá, Dilmá, Dilmááá”.

Será que Dilma Rousseff dimensiona de maneira correta essas manifestações de apoio (sic)? Será que ela sabe que nas calçadas dos centros urbanos possivelmente seria vaiada –pois sua popularidade está abaixo de 10%?

Então, para que servem essas cerimônias?

Alguém poderia dizer: essas cerimônias não servem para nada.

Só que não. Servem, sim.

O governo perde preciosos tempo e energia.

Enquanto Dilma estava sendo aplaudida dentro de sua casa, a poucos metros dali maquinava-se a primeira derrota governista dentro do Congresso neste semestre legislativo.

No início da noite de ontem, o governo não foi capaz de adiar por algum tempo uma proposta de emenda constitucional que visa a vincular salários de advogados da União, procuradores estaduais e de delegados de polícia a 90,25% dos vencimentos de ministros do STF. Um desastre para o ajuste fiscal.

Pode até ser que essa emenda nunca venha a ser realmente aprovada em definitivo. Mas o estrago político está feito: mais uma vez foi provado como o governo é frágil.

Por ingenuidade ou ignorância seria possível atribuir a derrota de ontem a bruxarias supostamente perpetradas por Eduardo Cunha. É preciso um ato de fé para acreditar nessa teoria. Até porque esse raciocínio teria de ser atrelado a uma outra crença: o adversário (Eduardo Cunha) seria tão forte que não haveria meios de derrotá-lo. Nem o governo acredita nisso.

A seleção brasileira de futebol perdeu por 7 a 1 para a da Alemanha porque era fraca. É claro que havia méritos (muitos) nos jogadores alemães. Mas a mediocridade brasileira foi a alavanca principal para o mineiraço de 2014.

Agora, na política, é a mesma coisa.

Basta observar como algumas bancadas “governistas” (sic) se comportaram na votação ontem à noite na Câmara:

PSD: 32 presentes e 24 traidores (75%)
PTB: 23 presentes e 16 traidores (70%)
PP: 32 presentes e 21 traidores (66%)
PRB: 14 presentes e 8 traidores (57%)
PR: 30 presentes e 11 traidores (37%)
PMDB: 60 presentes e 18 traidores (30%)

O PT, é bem verdade, colaborou colocando 58 deputados na sessão. Desses, 3 votaram contra o Planalto (taxa de traição de 5%). Mas um dos desgarrados foi o gaúcho Marco Maia, ex-presidente da Câmara.

Essa cacetada na cabeça do Planalto se deu cerca de 24 horas depois de Dilma ter aberto as portas do Palácio da Alvorada para um regabofe com 80 pessoas, na segunda-feira (3.ago.2015) –inclusive com a presença dos líderes de todos os 19 partidos supostamente aliados ao governo na Câmara e no Senado.

A presidente deu de comer aos políticos na segunda-feira à noite. Na noite seguinte, foi jantada politicamente.

Há claramente um erro na engenharia usada pelo governo no meio da atual bagunça política e incerteza econômica.

Lula vive recomendando a Dilma que viaje mais e fale mais sobre os projetos positivos do governo. Ocorre que desejar que a presidente assuma um papel de liderança, que “ocupe a cadeira da rainha no imaginário do brasileiro”, como diz o marqueteiro João Santana, seria o mesmo que esperar que Hulk tivesse se transformado num supercraque para reverter sozinho os 7 a 1.

Hulk, sozinho, não tinha como fazer nada.

Dilma está sozinha –e muitas vezes boicotada pelos seus próprios soldados.

Um dos caminhos mais viáveis seria vender esperança e segurança a respeito da condução da economia. Mostrar a luz no fim do túnel.

Mas quem dinamitou essa estratégia foram Lula e o PT. Esbaldaram-se criticando a política econômica adotada por Joaquim Levy, ministro da Fazenda.

Foram tantas as críticas e tamanha a virulência que hoje quase ninguém dá pelota para o que dizem os petistas a respeito da economia. A cada crítica é como a Alemanha fazendo mais um gol. Ah, “o PT criticou a política econômica”. OK, “gol da Alemanha”.

Tome-se a curiosa nota oficial da direção do PT, emitida ontem (4.ago.2015), para comentar (de maneira transversal) a prisão de José Dirceu.

Esse documento petista é um clássico instantâneo. Não só pela ambiguidade pusilânime com que tratou José Dirceu, o “guerreiro do povo brasileiro” –a forma como o petista é conhecido por parte da militância.

O que chama a atenção é um parágrafo perdido no meio do documento (aqui, a íntegra) e que não foi destacado pela mídia tradicional. Ei-lo:

Doc-PT-04ago2015

Reprodução de trecho de documento oficial do PT divulgado em 4.ago.2014

Como se observa, o partido da presidente da República continua, repetidamente, a malhar a política econômica defendida por Dilma Rousseff. Sobram estilhaços também para Joaquim Levy, um ministro da Fazenda cada vez mais manietado politicamente e com credibilidade em queda livre.

“É preciso reorientar a política econômica”, disse o PT em sua nota oficial. “É fundamental reverter a política de juros” e “urge taxar as grandes fortunas, os excessivos ganhos dos rentistas”, recomendaram os petistas.

Ontem também, o think tank petista, a Fundação Perseu Abramo, foi na mesma linha. Colocou em seu site uma análise perfurocortante sobre a condução da economia. Sem queda dos juros, “não é possível vislumbrar recuperação”, opinou a FPA.

É curioso que o PT e a Fundação Perseu Abramo falem como se a política econômica se desse por geração espontânea. Atacam um “sujeito oculto”. O partido nunca escreve em suas notas algo como “a política econômica de Dilma Rousseff está errada”. Muito de vez em quando aparece alguém citando Joaquim Levy de forma derrogatória.

A atitude faz lembrar a frase de Lenin, que uma vez afirmou que o “esquerdismo é doença infantil do comunismo”. No caso, o PT atacando o seu próprio governo é a enfermidade infantil que drena suas próprias energias.

Ao detonar Dilma Rousseff, o PT cava mais fundo o buraco no qual o partido se encontra (aliás, junto com muitas outras agremiações políticas).

Como o PT está no governo, como o governo é Dilma e Dilma é o PT, chega-se ao diagnóstico mais dramático do atual desarranjo: o alto grau de imprevisibilidade que acompanha a conjuntura política em Brasília.

O PT, Dilma e seu governo não têm a menor ideia de como atuar de maneira coesa. Nem de como sair do labirinto em que se encontram.

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