Blog do Fernando Rodrigues

Silêncio de Dilma e de ministros tem a ver imprevisibilidade da Lava Jato

Fernando Rodrigues

Brasília-DF 28-07-2015 Brasília/DF Lula Marques/ agência PT. Presidenta , Dilma participa do Encontro de trabalho - Pronatec Jovem Aprendiz na micro e pequena empresa

Dilma Rousseff, que continuará com estratégia de receber políticos para reuniões semanais

Planalto espera mais definição sobre acusados

Governo sabe que equilíbrio político ainda é frágil

O silêncio público da presidente da República e de seus ministros na noite de domingo (16.ago.2015) se deu por uma razão muito simples. É melhor passar por ausente num dia como ontem do que cometer erros quase irreparáveis por conta de declarações feitas no escuro.

Se ministros aparecessem para falar em frente a câmeras de TV certamente seriam confrontados não só sobre as manifestações de protesto em todo o país. Teriam também de falar sobre a parceria reforçada entre o governo e o PMDB. Ficariam obrigados a comentar como o Planalto reagia aos ataques contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) durante os atos. E também interpretar algo sobre a presença ubíqua de Lula em cartazes de protesto em todo o país, inclusive no Nordeste.

Em condições normais de temperatura e pressão, um ministro poderia aparecer em público para defender o governo, Lula, Renan e quem mais fosse aliado do Planalto. Agora, ficou difícil.

E se nos próximos dias aparece algum indício mais substantivo da participação de Lula nos esquemas revelados pela Lava Jato? E se Renan acabar mesmo denunciado nesse mesmo processo? Diante desse cenário intangível, o Planalto optou por conversas de bastidores em vez colocar ministros falando para as emissoras de TV na noite de domingo.

FATOR EDUARDO CUNHA
Outro aspecto que tem sido tratado com muito cuidado pelo governo é a situação de alta instabilidade e possível combustão política dentro da Câmara dos Deputados. Há informações em profusão em Brasília a respeito da iminente apresentação de uma denúncia formal contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no caso da Lava Jato.

Essa denúncia pode “mudar o jogo” (embora não se saiba em qual direção).

Algumas reportagens já dão conta que a denúncia do procurador-geral, Rodrigo Janot, contra Cunha será formulada nesta semana. Também se sabe que o Ministério Público prefere fazer tal denúncia se tiver mesmo coletado provas materiais duras contra o presidente da Câmara.

É comum ouvir em Brasília que “Eduardo Cunha é muito forte e tem uma bancada fiel a ele de mais de 100 deputados”. É verdade. Mas outros políticos mais experientes e mais fortes do que Cunha tiveram de se render aos fatos e deixar cargos de comando no Congresso quando surgiram fatos que se sobrepuseram à realidade. A lista é longa. Para citar 3 bem conhecidos: Jader Barbalho, Antonio Carlos Magalhães e Renan Calheiros.

Há também o episódio conhecido de Severino Cavalcanti, que presidiu há Câmara há 10 anos e era muito popular com o chamado “baixo clero” da Casa (aquela massa de 350 a 400 deputados desconhecidos, um grupo que faz a maioria em qualquer votação). Acusado de corrupção, Severino resistiu o quanto pôde. Quando apareceu uma prova material contundente (um cheque), não teve como ficar na cadeira. Renunciou.

Não são públicos (nem se sabe se existem) os elementos de prova que podem eventualmente incriminar Eduardo Cunha. É necessário esperar. Ele tampouco será condenado apenas por causa da apresentação de uma denúncia. É um político disciplinado e muito determinado. Mas terá condições de presidir a Câmara se tiver sobre si provas materiais fortes e incisivas? O tempo dirá.

Se Cunha tiver de deixar o cargo por força das circunstâncias, abre-se uma vaga de importância capital na atual crise: o terceiro cargo na hierarquia da República. Quem ocupará essa vacância? Uma nova eleição terá de ser realizada entre os deputados –e, em tese, deve ser alguém do PMDB, que detém a maior bancada na Câmara.

Com tudo isso considerado, o Planalto tem ficado em silêncio obsequioso –como ontem à noite, pois cada vez será mais confrontado com essa realidade incômoda. Nos bastidores, por óbvio, correm soltas as articulações para saber quem seria um eventual sucessor de Cunha no comando da Câmara.

ASPECTOS TANGÍVEIS E INTANGÍVEIS
Na análise da conjuntura atual, há muito mais aspectos imprevisíveis do que previsíveis. A única certeza que o governo considera ter no momento é a que seria correta a estratégia adotada por Dilma Rousseff nas últimas duas semanas.

A presidente tem feito muitas reuniões com todos os atores que possam ter alguma influência para fazer esfriar o clima a favor de um processo de impeachment. Nas últimas duas semanas, a petista fez o seguinte:

Reuniu-se com todos os governadores de Estado. Fez vários jantares no Alvorada para encontrar-se com grupos de deputados federais, senadores e magistrados de tribunais superiores (inclusive do STF). Recebeu sindicalistas dentro do Planalto. Foi até o estádio Mané Garrincha discursar para margaridas (trabalhadoras rurais). Hoje (17.ago.2015) à noite, de novo, abrem-se as portas do Alvorada para a entrada de deputados que farão novo convescote político com Dilma.

Nesta semana, Dilma fará o possível para parecer presidencial e sólida na cadeira. Recebe a chanceler alemã Angela Merkel (4a e 5a feiras) e terá encontros separados com grandes empresários.

E como cereja do bolo, continuará a apoiar a tal “Agenda Brasil”. A pauta com propostas liberais e antagônicas ao que defende o PT foi abraçada por Dilma “con gusto”. Deve avançar nas próximas semanas.

É uma estratégia que se presta a dois objetivos. Primeiro, mudar a embocadura do noticiário (quase sempre sobre recessão econômica e corrupção). Segundo, sinalizar para o establishment que pode ser mais seguro manter o atual governo para tocar algumas reformas liberais do que mudar tudo e correr o risco de uma paralisia ainda maior do que a atual.

ESQUIZOFRENIA E A TEORIA DO VIOLINO
Dilma está sendo acusada de conduzir uma agenda esquizofrênica: convida sindicalistas para ir ao Palácio do Planalto xingar –na sua frente– seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Para completar, está incorporando a “Agenda Brasil” –que consegue ser ainda mais liberalizante (do ponto de vista econômico) do que as ideias do próprio Levy.

Por algum motivo que os cientistas políticos e historiadores ainda vão descobrir, coerência não é um valor que esteja no topo da lista dos brasileiros quando analisam e julgam um governante. A incoerência e a ambiguidade no campo econômico parecem facilmente perdoadas pelos eleitores.

Fernando Henrique Cardoso governou o Brasil por 8 anos (1995-2002) e conviveu intensamente com essas incongruências em seu governo. De um lado, tinha o grupo liderado por Pedro Malan (na Fazenda) defendendo uma cartilha mais ortodoxa. Do outro, o tucano José Serra dinamitando todos os dias a política de Malan.

Depois, Lula também teve algo semelhante. Enquanto os conservadores Antonio Palocci e Henrique Meirelles defendiam rigidez fiscal, outro grupo comandado por José Dirceu e Luiz Gushiken pediam mais gastos públicos e uma defesa maior do Estado.

Na realidade, o ponto fora da curva havia sido Dilma. Fez um governo muito mais esquerdista do que FHC e Lula. Agora, ao abraçar a “Agenda Brasil”, faz valer mais uma vez a máxima segundo a qual o poder no Brasil é como um violino –toma-se com a esquerda e toca-se com a direita.

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