Blog do Fernando Rodrigues

PT lança projeto para restringir delação premiada

Fernando Rodrigues

Ideia é só aceitar confissão quando delator estiver em liberdade

Segundo MP, 29% dos delatores da Lava Jato fizeram acordo presos

Vazamentos poderão ser punidos com até 4 anos de prisão

Autor, deputado Wadih Damous, tem relação próxima a Lula

Ministério da Justiça diz não ter posição formada sobre projeto

Tomaz Silva/Agência Brasil

Deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), autor do projeto de lei que altera a delação premiada

Num momento em que o governo está acuado por causa da delação premiada do senador Delcídio Amaral e pela condução coercitiva de Luiz Inácio Lula da Silva para depor na Polícia Federal, uma ideia surgiu no PT para conter o avanço da Operação Lava Jato: mudar a lei que regula a delação premiada.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ) apresentou um projeto para alterar a lei da delação premiada. A proposta já foi protocolada na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara e aguarda a nomeação das comissões para começar a tramitação.

Damous, 59 anos, é um dos deputados federais petistas que esteve à frente das estratégias jurídicas de contestação ao pedido de impeachment contra Dilma Rousseff em 2015. Ex-presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, ele também tem boa relação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das mudanças propostas por Damous é que a delação premiada só seja aceita quando o delator estiver em liberdade. Segundo o deputado, “a delação aproveita o abuso da prisão preventiva. Ou seja, prende-se para forçar a depoimento”.

A apuração é dos repórteres do UOL Gabriel Hirabahasi e Guilherme Moraes.

Segundo o Ministério Público Federal, a Operação Lava Jato já realizou 48 acordos de delação premiada. Dos 40 que já são públicos, 38 envolvem pessoas físicas e 2, pessoas jurídicas. Desses 38 acordos com pessoas físicas, apenas 11 (29%) foram fechados com o delator preso. O restante foi feito com os investigados em liberdade.

O deputado Wadih Damous declarou que os dados do MPF são “balela”. O petista afirmou que ''os grandes empresários, que são os principais delatores, estão todos presos quando delatam. Quem está em liberdade é esposa, filho, irmão”.

Dentre os 11 delatores presos, estão Nestor Cerveró (ex-diretor internacional da Petrobras), Fernando “Baiano” (que seria o operador financeiro do esquema), Fernando Moura (empresário ligado ao grupo de José Dirceu), Milton Pascowitch (operador da Engevix), Paulo Roberto Costa (ex-diretor de abastecimento da Petrobras) e o doleiro Alberto Youssef.

Há divergência entre os principais partidos sobre o projeto de Damous e sobre a atual lei da delação.

Leonardo Picciani (PMDB-RJ), líder do partido na Câmara, afirmou que a delação premiada precisa ser ''aperfeiçoada''. Disse que a proposta deve ser discutida no plenário, protegendo o direito da ampla defesa.

Afonso Florence (PT-BA) declarou que o partido apoiará o projeto do colega de bancada. O líder petista na Câmara afirmou que o projeto contempla mudanças necessárias na atual lei que define a delação premiada. Sobre o item do projeto que determina que o delator esteja respondendo ao processo em liberdade, disse que é fundamental a prisão não ser utilizada como meio para conseguir a colaboração. “Não importa se é só em 1% dos casos que o delator está preso. Isso não torna o fato certo. A delação não pode ser obtida por coação”, afirmou.

Antonio Imbassahy (PSDB-BA) afirmou que é contra o projeto. O líder do partido na Câmara disse que “é uma tentativa de inviabilizar a delação premiada”. Para o deputado, a atual lei é “ótima” e não precisa de alterações no momento. Segundo Imbassahy, o PSDB se posicionará contrário à proposta do deputado Damous.

Pauderney Avelino (DEM-AM) também declarou ser contra o projeto. Segundo Avelino, líder do DEM, “não há tortura” na delação premiada. É um tipo de acordo estabelecido pela lei para que o delator passe uma informação e receba, em troca, um benefício, como uma redução de pena. “Se não há esse instrumento [a prisão], o delator não tem por que colaborar”, afirmou. O deputado disse que a atual lei que prevê a delação é boa e está produzindo efeitos.

Rogério Rosso (PSD-DF), líder do partido na Câmara, declarou que esse tópico do projeto é “sensível”. Segundo Rosso, “nem sempre o fato de o acusado estar preso significa que ele está sendo coagido”.

O projeto de lei foi apresentado no momento em que a Operação Lava Jato fecha o cerco ao PT. João Santana, marqueteiro das campanhas de Dilma (2010 e 2014) e Lula (2008), foi preso no dia 23.fev. As investigações em relação ao sítio em Atibaia e o tríplex no Guarujá também aproximam as propriedades ao ex-presidente Lula.

Por causa desse momento, alguns líderes acreditam que pode haver dificuldade na aprovação do projeto. Imbassahy disse que o projeto tem pequenas chances de aprovação. Afirmou que a proposta inviabiliza a delação e isso “vai contra o interesse da sociedade”.

Rosso afirmou que não se trata de uma matéria fácil. Segundo o deputado do PSD, seria difícil aprová-la na Câmara. Weverton Rocha (PDT-MA) disse que “o momento não é apropriado”. Para o líder do PDT, o projeto precisa “amadurecer”. A proposta ainda passa pelas comissões permanentes.

Picciani e Florence, líderes de partidos governistas, disseram que ainda é cedo para avaliar se o projeto será aprovado. A proposta pode ser alterada pelas comissões.

VAZAMENTO E EXPOSIÇÃO
O deputado Florence disse que o vazamento da delação é prejudicial tanto para as investigações quanto para envolvidos injustamente. “A delação divulgada e não confirmada ainda causa danos. Se o sujeito for citado mas considerado inocente posteriormente, tem sua reputação estragada do mesmo jeito”, afirmou.

Esses são dois outros pontos do projeto de Damous: 1) punição para quem vazar o conteúdo da delação premiada durante o processo; e 2) nomes citados que não sejam alvo da investigação não podem ser divulgados. “O vazamento é condenável”, disse Imbassahy. “Mas entre vazar e coibir a delação, na relação custo-benefício é melhor vazar”.

“Embora as leis estabeleçam a proibição do vazamento, não há sanção”, afirma Damous. Se o projeto for aprovado conforme proposto pelo deputado, o vazamento será considerado crime punível com pena de 1 a 4 anos.

No PDT, a proposta é vista como uma evolução. O líder do partido, Weverton Rocha, afirmou que a principal melhoria que o projeto oferece à atual lei é a possibilidade de garantir o sigilo da informação até que ela seja provada. “Estamos vivendo um momento em que você já é condenado na denúncia. Não se espera o julgamento”, disse.

O deputado Pauderney Avelino afirmou que, embora o processo seja público, o vazamento ''clandestino'' dos depoimentos atrapalha a investigação. É um único ponto do projeto com o qual o líder do DEM concorda. ''Um item como esse poderíamos aprovar. Mas não o projeto como um todo'', disse.

A tipificação não é necessária para o líder do PSD, Rogério Rosso. Criar regras em relação à divulgação do material, como quais materiais e quando poderiam ser divulgados, seria mais efetivo, afirmou.

Para o deputado Rosso, o trecho mais importante do projeto é o que impede a divulgação de nomes citados no depoimento mas que não são alvos da investigação. O líder do PSD afirmou que a “exposição pode fazer com que uma pessoa fique estigmatizada”. Disse que o projeto “pode ser considerado um avanço”.

O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), afirmou que a punição ao vazamento consitui “um passo importante, já que aumenta a proteção a algo indispensável nas investigações policiais: o sigilo”.

O deputado Picciani também disse que a divulgação do depoimento antes da homologação judicial atrapalha a investigação. Ele declarou que às vezes há um ''vazamento seletivo'' das informações. ''Ou se preserva o sigilo ou abre-se tudo de uma vez. Torna-se todo o processo público'', disse o líder peemedebista. Na sua avaliação, a punição poderá evitar a divulgação ilegal, mas afirmou que é necessário um debate maior sobre o tema para decidir se a pena é razoável.

Paulo Pimenta (PT-RS), companheiro de partido de Damous, disse que o projeto ''não é algo que vai servir apenas para a Lava Jato, mas para a Justiça como um todo''. O petista afirmou que o vazamento do conteúdo das delações é visto com ''naturalidade'' e isso precisa ser corrigido. Declarou que a tipificação é necessária.

“DELAÇÃO NÃO É PROVA”
Sobre o atual modelo do acordo, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos opositores ao governo dentro do partido, afirmou que a troca do depoimento pela liberdade permite falso testemunho em alguns casos. “Delação premiada não é prova. Tem que vir acompanhada da comprovação”, disse. O deputado concorda com a proposta e declarou que ''o projeto é corajoso e merece ser debatido no plenário''.

Petistas também repetem a frase de que “delação não é prova”. Segundo Florence, o projeto de Damous  “dá mais precisão à investigação” pois determina que os depoimentos em acordo não são evidências. “É o ônus da prova”, disse.

Weverton Rocha declarou que é preciso ter cuidado com os depoimentos, já que “são dados por um acusado em uma ação”. Mesmo assim, o líder do PDT afirmou que o partido defende a manutenção da delação premiada, já que ela permite dar caminho à investigação. “Se não houver início, não terá um meio”, disse.

O Ministério da Justiça afirmou que, como o projeto ainda está em fase inicial, não vai se manifestar a respeito do tema.

Por sua proximidade a Lula, o deputado Wadih Damous teve seu nome cogitado para substituir José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça. Ele é um dos principais críticos à forma como a Operação Lava Jato é conduzida.

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