Blog do Fernando Rodrigues

Delcídio foi de moto à Paulista e transgrediu regras de prisão domiciliar

Fernando Rodrigues

Usou Harley-Davidson do irmão no domingo, 13 de março

Ex-petista queria ver os atos de protesto contra o PT

“Uma maravilha a sensação de liberdade”, diz senador

Harley-Delcidio

Modelo de moto que Delcídio do Amaral usou para transgredir a regra de sua prisão domiciliar

“Essa moto tem 1.600 cilindradas. É uma coisa. Uma sensação incrível. Se a pessoa está na garupa e não se segura direito, cai para trás quando a gente arranca. Eu coloquei um capacete e fui à Paulista por volta de 2 da tarde de domingo [13.mar.2016]. Uma maravilha a sensação de liberdade. O clima ali era de Copa do Mundo. Acabou o governo”, diz o senador Delcídio do Amaral se referindo ao passeio que fez com a Harley-Davidson Fat Boy que está na garagem da casa em que se hospeda em São Paulo.

O ex-petista arriscou-se no dia 13 de março. Ele assinou um acordo com o Ministério Público ao sair da cadeia. Precisa cumprir regras de comportamento “equivalentes ao regime semiaberto domiciliar” por 1 ano e 6 meses.

Essa modalidade de restrição de liberdade o obriga ficar no Distrito Federal “enquanto estiver no exercício de mandato parlamentar”. Delcídio pediu e obteve do Senado uma licença médica. Está no momento em São Paulo, hospedado na casa de um irmão mais novo –o dono da moto Harley-Davidson, usada no último domingo.

Pelo acordo que firmou com a Procuradoria Geral da República, teria de ficar recolhido ao endereço informado, exceto para o seu tratamento médico.

Isso está explícito na cláusula 13 do acordo: “Recolhimento domiciliar em local definido, salvo para o exercício de atividade parlamentar (…). O recolhimento a que se refere o item anterior inclui os finais de semana e feriados (…) vedada a frequência, ainda que a título funcional, a locais de convívio social, tais como restaurantes, bares, casas de espetáculos”.

Eis uma imagem com esse trecho do acordo (clique para ampliar):

Delcidio-prisao-domiciliarA pena para quem descumpre um acordo como o firmado por Delcídio está descrita no artigo 118 da Lei 7.210, que estipula o seguinte:

“Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

(…) praticar fato definido como (…) falta grave”.

Se a lei for cumprida de maneira estrita, Delcídio “deverá ser ouvido previamente” para explicar porque foi passear de moto no último domingo, infringindo o acordo firmado com o Ministério Público. No limite, poderá voltar à cadeia.

CASSAÇÃO NO SENADO
Além da nova pendência com a lei por ter passeado de moto sem autorização, Delcídio também enfrenta um processo de cassação de seu mandato no Senado.

Ele é acusado de ter quebrado o decoro parlamentar ao ter oferecido vantagens para Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e réu da Lava Jato. Foi por essa razão que passou 87 dias preso.

Apesar das transgressões, o ex-petista tem esperança de ser absolvido. Acha que seu destemor ao contar as traficâncias de políticos envolvidos na roubalheira da Petrobras o tornam uma pessoa blindada. “Como vão ter coragem de me cassar se estou ajudando a desvendar tudo na Lava Jato?”, pergunta a seus interlocutores –mais de uma dezena de jornalistas com quem conversou nas últimas semanas.

Na realidade, Delcídio apenas oferece uma narrativa crível para fatos dos quais não tem uma única prova material. É uma espécie de ''Roberto Jefferson do Petrolão''.

Jefferson em 2005 contou de maneira efusiva o que foi o mensalão –a compra de políticos por meio de um estipêndio regular pago por agentes do governo da época. O então deputado também só oferecia uma boa narrativa dos fatos, mas nenhuma prova.

Depois da CPI do Mensalão e do julgamento no STF, Jefferson se deu mal. Perdeu o mandato e foi condenado a passar um tempo na cadeia.

Em suas conversas recentes, Delcídio mostra um certo descolamento da realidade. Acredita que pode ter um destino menos traumático do que o delator do mensalão. Enxerga-se quase como um herói que está mostrando a verdade e o Brasil vai absolvê-lo.

“Acho que o Delcídio está precisando de um auxílio psiquiátrico. Ele não está compreendendo a conjuntura em torno dele”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

“Eu já achava que a chance de o Delcídio não ser cassado era zero. Agora soube que ele ficou passeando de moto em São Paulo enquanto está em licença médica do Senado. É uma espécie de 'quebra do decoro do decoro'. Acho que a possibilidade de salvação dele passou a ser negativa”, sentencia Randolfe.

Nas suas dezenas de conversas com jornalistas depois de encerrar seus 87 dias preso e (segundo ele) 17kg mais magro (não aparenta), Delcídio sempre repetia uma frase que afirma ter pronunciado a senadores do PT que o procuraram na cadeia: ''Para Curitiba eu não vou''.

A expectativa de que não será algum dia transferido para a capital paranaense não tem aderência na realidade. O senador neste momento parece viver em negação sobre sua real condição. É quase impossível ele não ser cassado. Sem mandato, perderá vários privilégios (inclusive o salário). Ao passear de moto quando deveria estar recolhido a um endereço fixo, corre também o risco de voltar para cadeia. E o endereço será em Curitiba.

Pior ainda. Em uma de suas entrevistas pós-cadeia, Delcídio sugere que foi procurado por um ''tucano de alta plumagem'' dias antes de ter seu acordo de delação premiada homologado. Para quê? A pessoa teria interesse em interceder a favor do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que é um dos acusados por Delcídio.

E quem é esse tucano? ''Prefiro não revelar por enquanto''. Como essa informação não consta da delação premiada de Delcídio, isso significa que o ex-petista escondeu algo relevantíssimo da Justiça e dos procuradores que o interrogaram. Pode ser mais uma razão para ser detido. Em Curitiba.

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