Blog do Fernando Rodrigues

Marina Silva: “o abuso no poder”

Fernando Rodrigues

O Blog traz um artigo da líder da Rede Sustentabilidade Marina Silva

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene em homenagem ao Dia do Índio, comemorado em 19 de Abril. Desde terça-feira (14), quando deram início ao Acampamento Terra Livre, as lideranças indígenas cumprem agenda no Parlamento onde apresentam suas reivindicações. ex-senadora e ambientalista, Marina Silva. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Marina Silva, líder da Rede Sustentabilidade

Por iniciativa de parlamentares incomodados pelas investigações da Operação Lava-Jato, abriu-se no Congresso Nacional um debate sobre abuso de poder e de autoridade. Minha caracterização do que vem a ser esse abuso é rápida e baseada em exemplos.

Este artigo de opinião foi originalmente publicado no Poder360

Um grupo de parlamentares tem a ousadia de querer introduzir, num projeto de iniciativa popular que institucionaliza o combate à corrupção, uma emenda que dá anistia ao crime eleitoral de caixa dois. O presidente do Senado, investigado pela polícia, mobiliza o Poder Legislativo para tolher os poderes da Justiça. O constitucionalista presidente da República procura justificativas para apoiar, no Congresso, tais ações que visam salvar a si mesmo e aos seus. Forma-se uma força tarefa, com partidos e partidários da oposição e da situação, uns operando diretamente, outros por omissão, para desmoralizar, enfraquecer e, por fim, desmontar a Lava-Jato. Abuso de poder e de autoridade é um assunto muito sério para ser usado como uma tentativa de safar-se.

A sociedade acompanha os esforços do Ministério Público e da Polícia Federal que proporcionam coerência a uma justiça que não se intimida. A expectativa e o apoio à Justiça é a continuidade de um desejo manifestado nas ruas. Desde 2013, milhões de brasileiros se manifestam em grandes mobilizações que se autoconvocam à revelia de organizações partidárias ou sindicais e de seus velhos líderes, carismáticos ou burocráticos. Os que tentaram a aventura oportunista de surfar a grande onda, hoje lutam para salvar-se do afogamento. A tudo e todos que representam um poder que se demonstrou ilegítimo, a sociedade desautorizou com o velho refrão musical: “você abusou”.

Infelizmente, a insurgência das ruas não foi respondida senão com mais abuso: contra a lei, contra o povo, contra a justiça e a polícia, até mesmo contra os fatos, a realidade e o bom-senso. A situação política do Brasil tornou-se tão absurda, que parece não existir mais poder ou autoridade, somente o abuso. Nossa salvaguarda são as instituições, que vêm se consolidando desde a retomada da democracia e – graças a Deus e à Constituição cidadã de 88 – insistem em funcionar.

Como se pode pretender varrer para debaixo dos tapetes verde e azul do Congresso o Petrolão, as fraudes nos fundos de pensão, dos empréstimos consignados, dos propinodutos, de Belo Monte, das suspeitas envolvendo dois ex-governadores do Rio de Janeiro, dos crimes de corrupção confessados por empreiteiros, diretores, doleiros e marqueteiros, do crime de caixa dois, de todo esse resíduo tóxico do abuso de poder e autoridade que escorre a céu aberto pelo Brasil? Como podem tantos operadores da política, usando os cargos que ocupam na República, diante dos olhos da nação indignada, desprezarem os pesos e medidas da Lei e da ética e demonstrarem tamanho apego a esse objeto de prazer em que se tornou o poder?

Que a sociedade não tenha todas as respostas é típico destes tempos difíceis que vivemos. Nossa esperança, entretanto, persiste nas perguntas boas e incômodas. Mantendo nossas perguntas brasileiras e indignadas, tomo ainda emprestada a indagação de Adolfo Guggenbuhl-Craig, para quem, em um país democrático, a pergunta é como criar mecanismos legítimos, que possam impedir o avanço da psicopatia política. Sua sugestão é que talvez a melhor resposta consista em fazer com que o poder disponível nas mais altas posições administrativas fique tão reduzido que não chegue “a atrair os psicopatas”. Não deixa de ser uma boa pergunta e uma boa indicação de resposta.

É exatamente isso que venho tentando dizer quando repito que a Lava-Jato pode estar fazendo uma espécie de reforma política na prática. Isso será possível se, além de desmontar as estruturas corruptas, conseguirmos institucionalizar o combate contínuo à corrupção aprovando – sem “jabuti”, é claro – a emenda das dez medidas.

A sociedade terá retirado um pouco de poder daqueles que dele abusam. Em terreno tão difícil, será, sem dúvida, um importante passo à frente.

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