Blog do Fernando Rodrigues

Pacote anticorrupção vai enxugar gelo, diz cientista político

Fernando Rodrigues

Alberto Carlos Almeida diz que propostas do MPF não atacam a fonte da corrupção

Para diretor do Instituto Análise, sistema jurídico é ''inquisitorial'' e não ''acusatório''

Projeto que tramita na Câmara destruiria elite política, mas não alteraria sistema

Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, esteve em audiência da comissão especial da Câmara

As 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal não atacam a fonte do problema. Esse é o entendimento de Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise, uma empresa privada de consultoria e pesquisa.

O cientista político foi um dos convidados da audiência desta 3ª feira (23.ago.2016) na comissão especial que analisa o projeto anticorrupção na Câmara.

Em entrevista à repórter Gabriela Caesar, do UOL, Almeida afirma que a raiz da corrupção no país é a pressão por cargos e recursos financeiros. Para ele, essa demanda seria menor se a representação partidária estivesse menos fragmentada.

''A cada 20 anos você vai destruir uma elite política. Mas o sistema político vai continuar funcionando do mesmo jeito'', disse.

O cientista político criticou ainda a falta de disputa interna nas legendas para definir quem deve concorrer nas eleições.

''A fraqueza da Dilma, do ponto político e decisório, tem a ver com o fato de ela não ter sido escolhida por dentro de uma vida partidária pujante e sim por uma pessoa só. Foi uma pessoa só que escolheu a Dilma, o ex-presidente Lula.''

A seguir, trechos da entrevista de Alberto Carlos Almeida ao Blog:

Blog – Quais mudanças devem resultar do projeto anticorrupção, proposto pelo Ministério Público Federal e discutido na comissão especial?
São propostas que vão enxugar gelo porque não atacam a fonte da corrupção, que é a pressão por acesso a cargos, por poder de nomear, regular e ter acesso a recursos financeiros. Por que você tem que nomear um monte de cargos? Porque, ao nomear, você troca voto. Eu te ponho como diretor de posto de saúde se você me trouxer não sei quantos votos. E tudo isso é individualizado. Se fosse ou no partido ou num distrito pequeno, com poucos candidatos, você diminuiria a pressão por cargos, nomeação e a pressão por busca de recursos, que é a fonte de corrupção. O projeto não ataca isso. A fonte da corrupção continuará presente.

Não há nada de positivo no pacote do Ministério Público?
O projeto não ataca a legitimidade do nosso sistema jurídico, que é inquisitorial e não acusatório. Em vez de o acusador provar a sua culpa é o acusado que tem de provar a inocência. O nosso sistema busca a verdade real. A confissão é a prova mãe do crime. E toda a ideia de legitimidade do sistema jurídico tem a ver com o motivo pelo qual você quer punir alguém. Você não quer punir para se vingar. Você quer punir para que internalizem a regra. As pessoas só internalizam a regra se elas considerarem o julgamento legítimo. Você tem vários elementos no nosso sistema jurídico que permitem ao réu se considerar um sujeito perseguido.

Qual será a mudança com a aprovação do projeto anticorrupção?
Ele [o projeto anticorrupção] simplesmente torna mais fácil prender alguém se tiver algum indício. O sistema jurídico continua ilegítimo e a fonte da corrupção, presente. É punitivo e não muda a legitimidade da punição. É algo inócuo. A cada 20 anos, você vai destruir uma elite política. Mas o sistema político vai continuar funcionando do mesmo jeito.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara começou a discutir recentemente o fim do foro privilegiado. Como o sr. se posiciona sobre o assunto?
Eu sou contra o foro privilegiado. O mundo político no Brasil é um mundo muito aristocrático. Quando você desembarca em Brasília ou mesmo em outras cidades, você vê uma quantidade imensa de cargos oficiais. Isso tudo, a meu ver, é herança de uma sociedade hierárquica, autoritária. Não deve haver nenhum tipo de foro privilegiado. O Supremo tem de ser muito mais um tribunal constitucional do que qualquer outra coisa e não julgar processo penal de políticos.

Há mudanças eleitorais que precisam ser feitas já para as eleições de 2018?
Ter muitos partidos no Brasil faz com que cada partido tenha o seu cacique em vez de as lideranças estarem dentro de um mesmo partido. Se o Brasil passasse a ter 5 partidos, o efeito seria muito benéfico. Com o passar do tempo, o político daquele partido que fracassasse seria pressionado a sair do cargo porque tem uma fila maior. Agora não tem fila. Se você não está satisfeito, vai e funda o seu. A facilidade de criar partidos, ter acesso a recursos, a tempo de TV e a fundo partidário deixa a vida partidária mais fraca.

Se nós tivéssemos 5 partidos, 1 desses seria o PT. Quando o Lula disse que queria indicar a Dilma, a pressão interna seria imensa. Estaria todo mundo congestionado dentro daquele partido. A disputa seria muito maior.

A fraqueza da Dilma, do ponto político e decisório, tem a ver com o fato de ela não ter sido escolhida por dentro de uma vida partidária pujante e sim por uma pessoa só. Foi uma pessoa só que escolheu a Dilma, o ex-presidente Lula. Se tivesse havido uma disputa interna no partido, dificilmente ela teria ganhado. Talvez nem sequer teria sido candidata. E o destino do país teria sido outro.

O recall político, quando a população tem o direito de revogar o mandato de um político, seria viável no Brasil?
O nosso sistema político é muito criticado. Mas ele não é ruim. Temos eleições a cada 2 anos. É um recall político indireto. Se você tivesse uma vida partidária mais sólida, com 5 partidos, esse recado ficaria mais claro. Nas últimas eleições, não foram os maiores partidos brasileiros que cresceram. É um recado que tem a ver com a fragmentação política. Talvez isso ocorra nessa eleição municipal. Os demais partidos, que não os principais, talvez venham a crescer. Isso vai tornar ainda mais difícil uma reforma para diminuir o número de partidos.

A reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pode ser a salvação do PT?
Ele [Fernando Haddad] não tem a menor chance de ser reeleito. Todo mundo conhece a avaliação ótimo/bom dele e é baixíssima. Pode até ser que o Haddad não vá para o 2º turno. Se for, ele perde. Eu falo isso com um elevado grau de probabilidade. Ele vai virar um case internacional se ele ganhar com essa popularidade. Não ganha, não ganha. É impossível.

Quais são os principais impactos da proibição de doações empresariais nas eleições?
A proibição de doações de empresas tende a tornar a campanha mais ilegal por causa do caixa 2 e do financiamento via crime. E também deixa a eleição mais concentrada naquele que já tem recursos, seja porque ele é rico, seja porque tem acesso à máquina pública.

Sou a favor de se aprovar uma legislação que limite muito o uso da máquina em caso de eleição para o Executivo. É curioso que tenham ignorado essa possibilidade.

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