Blog do Fernando Rodrigues

Diretor da Polícia do Senado queria controlar grampos, diz ex-colega

Fernando Rodrigues

Policial legislativo aposentado relata ter sofrido pressão

Diretor da Polícia do Senado queria acesso a informações

Equipamentos não poderiam deter Lava Jato, diz ex-servidor

Depoimento inédito mostra como é a inteligência da Casa

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Ex-policial Jacinto participa de treinamento técnico nos Estados Unidos, em 2011

Jacinto Murowaniecki trabalhou como policial do Senado de 1995 e 2015. Ao Blog, disse ter sido pressionado pelo diretor da Polícia do Senado, Pedro Araújo Carvalho, para que informasse sobre o resultado de varreduras antigrampo. Jacinto disse que foi afastado da atividade em 2013, depois de discutir com Pedro Araújo.

As informações são do repórter do UOL André Shalders.

Pedro Araújo está preso na superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília desde a última 6ª feira (21.out). Ele foi detido durante a Operação Métis, deflagrada pela PF e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Delegados e procuradores suspeitam que policiais do Senado, coordenados por Pedro, agiram para tentar atrapalhar as investigações da Lava Jato. Leia aqui as íntegras da decisão judicial que autorizou a operação e do parecer do MPF.

Até 2013, Jacinto era o responsável pelas operações antigrampo e pela contrainteligência do Senado. Organizou a compra dos equipamentos necessários e coordenava as varreduras solicitadas pelos senadores.

No fim de 2013, ele e sua equipe foram afastados das varreduras. Segundo o ex-policial, isso ocorreu depois de uma discussão com Pedro Araújo porque o diretor da Polícia do Senado queria saber o resultado das checagens.

Quando descobria que havia ordem judicial para o grampo, Jacinto não relatava nada aos superiores.  Nem mesmo ao senador que solicitou a varredura. Era uma forma de se proteger contra pressões.

“Cheguei a ter uma discussão com o Pedrão [como Pedro Araújo é conhecido]. Ele disse que achava errado não ser informado sobre os resultados (…). Na maioria das vezes, eram gravadores que tinham sido jogados ou deixados por descuido mesmo. Quando eu ficava sabendo de alguma autorização [judicial], nem os senadores, nem o Pedrão nem ninguém ficava sabendo [do resultado da varredura]”,  disse Jacinto ao Blog.

Jacinto afirmou que as eventuais informações sobre autorizações judiciais eram obtidas de forma legal.

“Não sei se essa atitude minha acabou criando algum empecilho”, diz o ex-policial. “Mesmo que fosse o ministro da Justiça ele não teria esse direito [de saber sobre grampos]”, diz.

Em seu perfil na rede social LinkedIn, Jacinto anota: “Na data de 21/10/2016 a PF, cumprindo ordem judicial, prendeu o Diretor da Polícia do Senado e mais 3 agentes responsáveis pela contrainteligência. Teria eu sido removido para que tal Diretor pudesse agir livremente?”.

Para ele, é possível que o diretor da Polícia do Senado estivesse tentando conquistar a simpatia de Renan Calheiros.

“Se [Pedro] fez varreduras sem pedido formal, me parece mais uma impropriedade para angariar simpatia, algo para tentar se manter no cargo quando Renan [Calheiros] deixar a Presidência do Senado”, comentou. Calheiros terminará seu mandato como presidente do Senado em fevereiro de 2017.

Jacinto chegou a propor uma norma interna para regular a atividade de contrainteligência. A peça era seguida por Jacinto e sua equipe, mas nunca foi oficializada pelo Senado. Leia aqui a norma. Pouco depois da discussão com Pedro, Jacinto foi retirado da atividade. “Me disseram: ‘Vocês agora são agentes e vão fazer ronda. Entreguem os equipamentos na sala tal' ”, conta.

O ex-policial se aposentou no ano passado. Prestes a fazer 52 anos, explica que começou a contribuir com a Previdência aos 16.

EQUIPAMENTOS NÃO PODERIAM ATRAPALHAR LAVA JATO
O ex-policial diz que os equipamentos do Senado servem para detectar grampos locais instalados em telefones e as chamadas escutas ambientais. Esse tipo de procedimento não é usualmente adotado pela Justiça brasileira. Portanto, diz Jacinto, os equipamentos do Senado não poderiam interferir na Lava Jato.

“Um juiz nunca vai autorizar uma invasão de domicílio para instalar um grampo. Quem procede assim são agências de espionagem ou detetives particulares. As escutas oficiais são feitas nas operadoras [telefônicas], são indetectáveis.”

Jacinto também tem dúvidas sobre a necessidade da operação. “Só espero que isso [a operação Métis] não afete o espírito de corpo dos policiais do Senado. O pessoal é muito esforçado, veste a camisa. (…) Fico imaginando como o ministro da Justiça iria agir se uma ordem judicial igual for dirigida à PF. E como seus policiais reagiriam. Para mim, em algum ponto dessa operação faltou bom senso”, diz ele.

Para o ex-policial, os equipamentos deixaram de ser confiáveis, após serem manuseados por pessoas de fora da Polícia do Senado.

CONTRAESPIONAGEM NO SENADO COMEÇOU COM ACM
O Senado começou a fazer atividades de contrainteligência em 1999, no mandato (1997-2001) do então presidente da Casa, Antônio Carlos Magalhães, o ACM. Na época, o objetivo era proteger informações relativas ao Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).

Por ordem de ACM, Jacinto organizou a compra dos materiais e softwares necessários. Ele também desenvolveu os procedimentos para as atividades de contrainteligência. Coordenou os projetos para a compra de outros equipamentos de segurança do Senado, como câmeras de vigilância e armas de choque (tasers).

“A população não imagina que a falta desses equipamentos pode custar bilhões à sociedade. O Senado também trabalha com informações valiosíssimas”, diz Jacinto.

O QUE SÃO OS EQUIPAMENTOS E COMO FUNCIONAM
O Senado possui hoje um verdadeiro arsenal de equipamentos de contrainteligência. A última leva, adquirida em 2015, é fruto de um projeto de 2011, elaborado por Jacinto. A maioria dos equipamentos é de fabricação norte-americana.

Os principais são os seguintes:

Oscor Green: é conhecido tecnicamente como correlacionador espectral. É uma espécie de “rádio” que busca frequências no ambiente. A varredura começa em uma frequência muito baixa e vai até uma muito alta. O objetivo é encontrar emissões de ondas de rádio saindo do ambiente que é alvo da varredura. É o sucessor do Oscor 5000, o primeiro equipamento do tipo adquirido pelo Senado.

Orion: trata-se de um detector de junções não-lineares. Assim como o Oscor, busca ondas de rádio. O equipamento emite frequências de rádio em um intervalo amplo. Se houver outro equipamento no mesmo ambiente emitindo a mesma frequência (uma escuta, por exemplo), ele será detectado. O Orion permite identificar a origem física do sinal de rádio. Por isso, é conhecido no jargão policial como “vassoura”. É do mesmo fabricante do Oscor Green.

Talan: detector de grampos telefônicos. O nome é um acrônimo para Telephone and Line Analyzer. Detecta interferências locais numa linha telefônica ou uma escuta instalada fisicamente em um telefone. Não é capaz, porém, de detectar um vazamento de informações feito por uma operadora de telefonia.

Sonda boroscópica: Câmera de vídeo. Funciona como um “cateter” e pode ser introduzido dentro de paredes, fiações ou tubulações de prédios. Serve para encontrar escutas instaladas nestes locais.

OUTRO LADO
Na última 6ª feira, Renan Calheiros divulgou uma nota pública em que defende a atuação da Polícia Legislativa. Calheiros diz que todos os procedimentos obedeceram a Constituição, as leis e o regulamento interno do Senado.

Eis a íntegra da nota do Senado:

“A direção do Senado Federal tomou conhecimento na manhã desta sexta-feira (21) das diligências no âmbito da Polícia Legislativa. O Senado designou advogados do próprio órgão para acompanhar todos os procedimentos até a conclusão das investigações.

Convém reiterar que Polícia Legislativa exerce suas atividades dentro do que preceitua a Constituição, as normas legais e o regulamento administrativo do Senado Federal.

Atividades como varredura de escutas ambientais restringem-se a detecção de grampos ilegais (Regulamento administrativo do Senado Federal Parte II Parágrafo 3, inciso IV), sendo impossível, por falta de previsão legal e impossibilidades técnicas, diagnosticar quaisquer outros tipos de monitoramentos que, como se sabe, são feitos nas operadoras telefônicas.

Como de hábito, o Senado Federal manterá postura colaborativa e aguardará as investigações para quaisquer providências futuras.

As instituições, assim como o Senado Federal, devem guardar os limites de suas atribuições legais. Valores absolutos e sagrados do estado democrático de direito, como a independência dos poderes, as garantias individuais e coletivas, liberdade de expressão e a presunção da inocência precisam ser reiterados”.

O Blog não conseguiu contato com a defesa de Pedro Araújo, que permanece detido até a publicação deste post.

O policial legislativo Everton Taborda, também detido na operação Métis, divulgou nota sobre o ocorrido. No texto, ele afirma jamais ter agido “em benefício de qualquer investigado da Operação Lava Jato, tampouco criou embaraços às ações da Polícia Federal”, diz o texto. “Pelo contrário, Everton Taborda guarda respeito pela Operação e faz votos pela sua continuidade e êxito”. Leia aqui a íntegra da nota.

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