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Arquivo : Caderneta de Poupança

Análise: O debate atrasado sobre o FGTS
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Fernando Rodrigues

É curioso que nesse debate sobre a remuneração das contas do FGTS não apareça ninguém falando o que talvez fosse mais premente:

1) por que é necessário que o trabalhador seja tutelado pelo governo para fazer uma poupança forçada (o FGTS) para o momento de uma demissão imotivada?

2) por que não sugerir, simplesmente, que todos os trabalhadores com registro em Carteira de Trabalho tenham um aumento linear de 8% e acabar com o FGTS?
[contexto: as empresas recolhem mensalmente o equivalente a 8% sobre o salário de cada um de seus trabalhadores contratados com registro na CTPS e depositam esse dinheiro em contas compulsoriamente abertas em agências da CEF]

E como seria a proteção no caso de demissão imotivada? Essa é uma outra grande discussão que não deveria ser encapsulada no raciocínio pré-capitalista que vigora no Brasil. Mas para os que desejam manter o “status quo” inspirado na herança do getulismo, a solução é simples. Mesmo com o fim do FGTS, bastaria um sistema equivalente ao atual, no qual a empresa paga 40% do saldo do fundo de garantia ao trabalhador demitido –é fácil calcular quanto seria o FGTS e pagar a multa.

A diferença é que sem o FGTS cada trabalhador teria, a partir dessa mudança, o dinheiro (8% a mais em seu salário). Poderia aplicar onde bem desejasse.

Seria bom fazer uma pesquisa com trabalhadores empregados via CLT: você prefere que a sua empresa deposite os 8% de seu salário na conta do FGTS ou que pague esse dinheiro diretamente a você, mensalmente?

Os adeptos do dirigismo estatal poderão reclamar: sem o FGTS vai cair a taxa de poupança do país. Mas qual é a vantagem de ter um nível de poupança mantido artificialmente por meio de uma aplicação compulsória absurda como o FGTS, cujo rendimento é de 3% ao ano?

O governo também usa um sofisma demencial nesse caso. Afirma que o sistema de financiamento de imóveis seria implodido com o aumento da remuneração do FGTS. Acabar com o FGTS, então, nem pensar.

Trata-se então de fazer uma pergunta: será que todos os trabalhadores desejam ajudar a financiar o mercado imobiliário?

Mesmo os partidos ditos liberais (sic), como o Democratas, evitam fazer esse debate.

O relator do projeto de aumento da remuneração do FGTS é Rodrigo Maia, do Democratas do Rio de Janeiro. O esforço do deputado Maia consiste apenas em encontrar uma fórmula para melhorar a remuneração do FGTS.

Esse debate é velho. Volta e meia aparece um ou outro deputado falando sobre a necessidade de equiparar o nível de remuneração do FGTS ao da Caderneta de Poupança (cerca de 6% ao ano). Esse é outro raciocínio regressivo dos políticos ditos liberais no Brasil.

Qual é o país desenvolvido no mundo capitalista que tem uma modalidade de aplicação financeira estatal que garante uma remuneração mínima? A Poupança é simplesmente um dos motores da inflação inercial do Brasil.

Agora, só para atrapalhar o governo, os liberais (sic) querem estender ao FGTS a remuneração da Caderneta de Poupança. Ou seja, desejam tornar ainda mais difícil acabar com a correção monetária, essa anomalia do capitalismo rastaquera nacional.

No fundo, a oposição tenta agir como oposição. Pensa que é oposição. Mas não sabe como é típica.

Debate real sobre as inconsistências da economia brasileira simplesmente inexiste no momento.

p.s. (19.ago.2015): os chamados direitos trabalhistas no Brasil foram agrupados na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943), herança de Getúlio Vargas. Outros penduricalhos foram criados ao longo do tempo. Um deles foi o FGTS, na lei 5107, de 1966  (durante a ditadura militar). Mas o FGTS simplesmente substituiu a chamada “estabilidade decenal”, criada com a CLT para dar estabilidade aos funcionários com mais de 10 anos no mesmo emprego. Com menos de 10 anos no mesmo trabalho, quem era demitido teria de receber “1 mês de remuneração por ano de serviço”. As empresas então começaram a provisionar recursos para o caso de demissões. O FGTS foi decorrente dessa herança getulista. Havia uma situação de fato (as empresas tendo de economizar para poder demitir) que foi formalizada em lei: uma parcela 8% do salários dos trabalhadores passou a ser compulsoriamente recolhida para um fundo administrado pelo governo.
Essa série de regras da CLT teve o mérito de civilizar (à força e de maneira artificial) a relação entre capital e trabalho no Brasil –numa época em que a economia era ainda mais rudimentar do que nos tempos atuais. Ao longo do tempo, entretanto, o efeito maior foi o de estimular o trabalho informal (completamente sem regras) e inibir a criação de novos postos de trabalho com “carteira assinada” –sobretudo em tempos de crise e em empresas de pequeno e de médio porte. Em certa medida, inoculou-se também na iniciativa privada o desprezo pelos conceitos de meritocracia, muito presente em amplos setores do serviço público –se todos os “direitos” são regulados em lei, por que o trabalhador deve se esforçar para ter um desempenho melhor?
No caso do FGTS, o efeito mais nefando é o de tutelar o trabalhador, com o confisco de 8% do salário para que o governo defina como aplicar e remunerar esse dinheiro.
Para o trabalhador interessam, a rigor, duas coisas: 1) ter o direito sobre como investir 100% de seu salário e 2) ter alguma garantia para o caso de demissão imotivada. Nas duas situações, numa economia mais livre, não faz sentido o Estado tomar conta do dinheiro.
Se o Senado vier a aprovar o que já passou na Câmara (dar ao saldo FGTS a mesma remuneração da Poupança), talvez nunca mais seja possível ter uma discussão adulta e madura a respeito desse dispositivo anacrônico que é o Fundo de Garantia. Os que são a favor do FGTS vão viver no autoengano de agora receber “um rendimento melhor, igual ao da Poupança”, como a maioria dos deputados falava ontem à noite no plenário da Câmara.

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