Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Gabriel García Márquez

García Márquez escrevia das 9h às 15h, sempre em um Mac
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Fernando Rodrigues

processo de criação incluía imprimir o texto em papel para corrigir à noite ou na manhã seguinte

escritor não gostava de consultar pessoas sobre seus textos: “Te meten cosas en la cabeza”

Em setembro de 2003, fui receber um prêmio como finalista de jornalismo em internet da FNPI (Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano), em Monterrey, no México.

entrega do prêmio FNPI (Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano), em Monterrey, no México

entrega do prêmio FNPI (Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano), em Monterrey, no México

Melhor do que o prêmio foi conhecer e conviver por dois dias com Gabriel García Márquez, o idealizador da FNPI. Numa das várias conversas informais que tivemos ao longo do evento em Monterrey, ele falou sobre como e quando escrevia. No final desse bate-papo específico, resolvi redigir algumas anotações. Guardei tudo. Reproduzo a seguir essas notas (com algumas observações entre colchetes e em itálico). Eis que ouvi do autor de “Cem anos de solidão” e de “Amor nos tempos do cólera”:

“Escrevo em um computador há quase 20 anos [estávamos em 2003!]. Em um Macintosh. Sempre. Tentei uma vez usar um PC, mas não me dei bem. Continuo com o Macintosh. Com tela bem grande. Tudo o que eu escrevo é em computador. Arquivo todos os dias em disquete [quem não souber o que é um disquete, o Google está aí para ajudar]. Ao final do dia, salvo o arquivo com números –1, 2, 3, 4, 5 etc. Assim sempre sei qual versão do texto é. Imprimo no final do dia e corrijo à noite ou pela manhã, ainda na cama, antes de escovar os dentes ou de tomar café”.

“Leio os jornais na internet. Começo pelos colombianos, os mexicanos e os principais dos Estados Unidos. Quando vejo que o mundo continua a existir, vou para o computador escrever. Não respiro das 9h às 3h da tarde, quando me chamam para almoçar. Não escrevo nem uso o computador depois disso. Não consulto quase ninguém sobre o que escrevo. “Te meten cosas en la cabeza” [anotei essa frase em espanhol mesmo, porque me pareceu melhor à época e me fazia lembrar da entonação do escritor ao falar]”.

“Mostro os textos apenas para alguns amigos leitores. Hoje, foi a primeira vez que vi como pode vir a ser a internet [era o dia 3 de setembro, e os vencedores do prêmio FNPI tinham feito uma exposição sobre seus trabalhos]. O problema desse tipo de jornalismo é o mesmo de sempre: a veracidade dos fatos”.

[Já ouviu falar ou usou o Google?, perguntei]. “Não, não conheço. Não sei o que é”.

Nessa conversa, García Márquez (a quem todos os presentes chamavam de “Gabo”, com uma intimidade às vezes postiça) estava com um blazer xadrez, em tom amarelo. Tinha um curativo do tipo band-aid ostensivo no pescoço. Seus cabelos eram ralos, despenteados e grisalhos. Sua aparência geral era a de alguém que havia sido mais gordo no passado. Parecia ter passado por um processo de emagrecimento. Havia uma certa flacidez no rosto. Usava óculos e bigode.

Na noite em que foram finalmente entregues os prêmios, García Márquez foi com todos os jornalistas festejar. Atencioso. Houve um jantar e depois fomos todos a um local onde se dançou muito. Ele também.

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