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Arquivo : House of Cards

4ª temporada de House of Cards estreia em 4.mar.2016
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Fernando Rodrigues

Frank Underwood já está em campanha para a Casa Branca

Assista aqui à “propaganda eleitoral” divulgada pela Netflix

Personagem da série tem sido comparada a Eduardo Cunha

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Frank Underwood (Kevin Spacey) em campanha eleitoral para 2016

A Netflix anunciou que a 4ª temporada da série “House of Cards” estreia em 4 de março de 2016, uma sexta-feira. Serão 13 novos episódios, colocados à disposição do público todos de uma só vez.

Tudo indica que nessa época pode estar em tramitação no Congresso, aqui no Brasil, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

“House of Cards” conta a história de Frank Underwood (interpretado por Kevin Spacey). Ele é um político inescrupuloso que faz o que pode para chegar ao poder.

Underwood foi algumas vezes no Brasil comparado ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em “House of Cards”, entretanto, a personagem de Kevin Spacey ascendeu na carreira sendo vice-presidente e conspirando para derrubar o titular e assim comandar a Casa Branca.

Até agora, foram poucas as comparações entre Frank Underwood e Michel Temer, vice-presidente brasileiro.

Eis o “teaser” da 4ª temporada, na forma de um comercial de campanha no qual Frank Underwood aparece dizendo: “Eu estou apenas começando”. Vale ver. Só 30 segundos:

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Decisão de Renan sobre CPI dá tempo para oposição repensar a estratégia
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Fernando Rodrigues

mas governo também ganha oxigênio para tentar reagrupar seus aliados no Congresso

Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou nesta quarta-feira (2.abr.2014) que a decisão final sobre a CPI da Petrobras ficará com a Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Foi uma saída política. Renan atuou em várias frentes.

Primeiro, ajudou ao governo porque a CPI da Petrobras continua não instalada. O Palácio do Planalto terá um pouco de oxigênio para trabalhar seus aliados no Congresso. Apresentar algum fiapo de investigação para tentar convencer alguns de que está tomando providências. Enfim, a presidente Dilma Rousseff e sua equipe terão um pouco de espaço para trabalhar politicamente.

Segundo, Renan não desagradou totalmente a oposição (apesar dos discursos em contrário), porque sinalizou que pode haver uma CPI mais adiante. No fundo, está mais ou menos claro que a investigação é viável. Agora, será apenas uma questão de formatação dessa eventual CPI.

Por fim, em terceiro lugar, mas talvez mais importante, Renan deu um pouco de tempo para que a oposição ganhe espaço na mídia reclamando alguns dias ou semanas –afinal, a CCJ só analisará o tema na semana que vem. A oposição também poderá refletir se a estratégia de uma “CPI do fim do mundo” (a única que será possível instalar), investigando tudo, serve aos interesses eleitorais de quem pretende chegar ao Palácio do Planalto.

É muito simples o cenário atual. Não se trata aqui de um jogo simples de gente “do bem” contra gente “do mal” debatendo se um ato de corrupção ou incompetência na Petrobras deve ser investigado. Isso é o que menos interessa à maioria dos senadores (há exceções, claro).

O que está acontecendo é um jogo político clássico de um ano eleitoral.

Com muita razão, a oposição decidiu que precisaria propor uma ampla investigação da Petrobras, sobretudo porque a estatal comprou uma refinaria nos Estados Unidos com um prejuízo na casa de US$ 1 bilhão. Pior ainda, a presidente da República admitiu que aprovou a operação sem saber direito do que se tratava e passou vários anos sem tomar uma providência a respeito.

Muito bem. É dever da oposição pedir tal tipo de investigação. Mas no Brasil é sempre necessário qualificar de maneira correta quem é (ou pode ser) oposição para valer. No caso, os pontas-de-lança a favor da CPI da Petrobras são o ex-governador por 8 anos de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, e o governador também por 8 anos de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB.

Seria muita ingenuidade supor que dois governadores de Estado, que pertencem ao establishment político brasileiro e são integrantes da elite mais estabelecida na história recente, possam propor investigar apenas uma estatal do governo federal. O jogo da política não é assim tão maniqueísta. Há estatais com problemas em todas as partes no Brasil. Por que não são investigadas? Porque o governo federal e dezenas de governos estaduais não têm interesse nisso.

Ao ser encurralado pela iminência da CPI da Petrobras, o governo federal reagiu dizendo que investigaria também possíveis irregularidades de administrações do PSDB e do PSB nos Estados. É péssimo para o Brasil que os políticos se anulem dessa forma –mas é da regra da política. Jogo jogado.

No Brasil, oposição com autoridade para propor investigações sobre qualquer coisa, sem temer uma revanche, só se encontra nos pequenos partidos de esquerda que nunca chegaram ao poder, como PSOL ou PSTU. Assim como o PT também foi um dia de oposição e defendia CPIs de manhã, de tarde e de noite. Agora, não mais.

Infelizmente, quando quem está no governo federal é o PT e quem está na oposição é o PSDB, os riscos para os partidos são sempre muito maiores do que o benefício para o Estado. Esse cenário também pode ser visto com lente invertida em São Paulo, onde o PSDB está no governo estadual e o PT faz o papel de oposição.

No final, a decisão de Renan Calheiros de postergar o desfecho desta novela foi uma obra muito bem elaborada de engenharia política, “a la Frank Underwood”, do seriado “House of Cards”. A oposição terá tempo para continuar a faturar um pouco mais nos noticiários da TV. Como já fez Aécio Neves reclamando no plenário do Senado e posando para as lentes das câmeras.

Mas Aécio Neves sabe que o controle de danos será duro numa CPI da Petrobras que também investigue negócios suspeitos relacionados ao PSDB. O mesmo vale para Eduardo Campos e o PSB.

Em resumo, daqui a uma semana uma ampla CPI poderá ser instalada. Talvez até demore um pouco mais, pois a decisão da CCJ pode ter de ser submetida ao plenário do Senado. Só que todos os lados envolvidos já terão desidratado bastante os seus ímpetos. Para o prejuízo do Brasil –que não verá uma investigação para valer– e para o benefício dos políticos que disputam cargos na eleição de outubro.

Simples assim.

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House of Cards massacra o jornalismo
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Fernando Rodrigues

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Na segunda temporada, série da Netflix expõe as fragilidades da mídia

Repórteres e analistas são pouco informados sobre o que se passa na política

ATENÇÃO: “SPOILERS” NESTE TEXTO!

LEIA SÓ ATÉ A METADE, NA PRÓXIMA MARCAÇÃO VERMELHA

A Netflix coloca no ar nesta sexta-feira (14.fev.2014) a segunda temporada de “House of Cards”, possivelmente a série de TV que mais bem retratou até hoje a crueza da vida política de uma grande capital, no caso, Washington, D.C.

De quebra, uma revolução midiática: “House of Cards” foi o primeiro produto de grande qualidade, consumindo milhões de dólares e elenco estelar, feito apenas para ser transmitido via streaming, com todos os episódios da temporada sendo liberados num mesmo dia no planeta inteiro.

O Blog assistiu sob embargo os 4 primeiros dos 13 episódios. Nesta segunda temporada, um subtema ganha destaque de forma cruel: como os jornais e os jornalistas são desinformados sobre política. Ou como é desigual a relação entre fonte (os políticos) e a mídia (os repórteres), estes últimos sempre subjugados e em posição inferior. Pior ainda: como alguns jornalistas se consideram poderosos e no fundo aparecem de forma patética em “House of Cards”, completamente sem saber o que se passa de fato.

“House of Cards” é protagonizada por Kevin Spacey (de “Beleza Americana” e há muitos anos em Londres encenando Shakespeare). Na série da Netflix, ele é o deputado federal Frank Underwood, um democrata da Carolina do Sul. Implacável nos métodos, passa sobre a cabeça de quem for necessário para conseguir seu objetivo –mais poder.

Como explica Underwood em um de seus monólogos olhando para a câmera, ele despreza as pessoas que se interessam muito e apenas por dinheiro. Dinheiro acaba. O poder, não. Poder é para sempre, afirma o deputado.

Na primeira temporada, Underwood destruiu a reputação de um colega que era autoridade na área da educação, manobrou para indicar a Secretária de Estado (equivalente a ministro das Relações Exteriores no Brasil, mas com muito mais poder) e terminou 2013 pronto para ser nomeado vice-presidente da República.

Nos EUA, quando o cargo fica vago, o presidente indica alguém e o Senado ratifica. Daí a frase pronunciada (presente no trailer desta segunda temporada) por Underwood ao tomar posse. Incorporando o seu “Ricardo 3º mode”, ele olha para a câmera diz, cínico: “A um passo da Vice-Presidência e nenhum voto recebido em meu nome… A democracia é tão superestimada”.

Eis o trailer:

No meio de todas as suas manobras na primeira temporada, Underwood ainda encontrou tempo para matar –isso mesmo, matar– o deputado Peter Russo que atrapalhava o seu caminho. Agora, haverá pelo menos mais uma morte.

A segunda temporada é soturna. Tem cenas mais escuras do que a primeira. Essa é a impressão depois de assistir aos 4 primeiros episódios, todos lúgubres e aflitivos. Underwood está lá. Também está sua mulher, a inefável Claire (a excelente atriz Robin Wright). E todas as maquinações dentro do Congresso e da Casa Branca para favorecer um grande milionário na área de energia, tentar emplacar o novo líder da maioria e aprovar um plano de reforma previdenciária reduzindo a idade mínima de aposentadoria.

Esses temas remetem também à política praticada em várias democracias representativas ocidentais que copiam o modelo dos EUA –ou tentam copiar, como o Brasil.

Mas o que me chamou a atenção foram as relações fonte-jornalista. Já na primeira temporada, o deputado Frank Underwood escolhe uma repórter iniciante no principal jornal da capital dos EUA para ser o seu canal privilegiado de vazamentos. Trata-se de Zoe Barnes, interpretada por Kate Mara.

Nos episódios de 2013, Zoe Barnes já demonstra algumas fraquezas éticas. Vai para a cama e faz sexo com o deputado. Permite a ele, numa prova de que é uma repórter confiável, fotografá-la nua depois de terem transado. Essas imagens reaparecem agora nos episódios de 2014, de maneira assustadora.

RACHEL MADDOW
No início do segundo episódio desta segunda temporada, Frank Underwood toma posse como vice-presidente dos EUA. Enquanto se prepara para cerimônia dando um nó na gravata, uma TV está sintonizada na comentarista Rachel Maddow , da MSNBC, o canal a cabo mais identificado com os democratas. Ela tem mais de 2.8 milhões de seguidores no Twitter.

Maddow aparece como ela própria. Dá ainda mais verossimilhança à série. Em 2013 outros jornalistas e analistas políticos também apareceram representando a si mesmos –Soledad O’Brien (da CNN), Bill Maher (HBO) e George Stephanopoulos (ABC), entre outros.

Desta vez a aparição de Maddow é constrangedora. Ao assistir fiquei me perguntando: por que uma jornalista de prestígio como ela aceitaria ser mostrada nessas condições, quase como uma tonta?

Frank Underwood manobrou o presidente da República para virar vice-presidente. Conseguiu escolher a dedo uma deputada novata para ficar no lugar que fora dele como líder da maioria na Câmara. Tem nas mãos também um magnata amigo da Casa Branca. Enfim, trata-se de alguém que manda em Washington.

Não obstante, Rachel Maddow analisa a nomeação da seguinte forma: “… Não é a escolha mais inspiradora para vice-presidente, certo? Quer dizer… Um respeitado operador, pragmático… Mas vamos admitir, provavelmente […] só um esquentador de cadeira até 2016”.

A análise é obtusa. Errada. Maddow representando a si própria demonstra que não conhece talvez o poder do político mais influente na administração federal. Não faz menção à guerra de bastidores vencida pelo novo vice-presidente. Enfim, para quem assiste a “House of Cards”, a comentarista da MSNBC surge cometendo o pior pecado de um jornalista: ser desinformado.

Por outro lado, é até louvável que Maddow tenha participado como ela própria no seriado, de forma magnânima, mostrando uma vulnerabilidade desalentadora da mídia. Não deixa de ser um alerta para quando assistimos aos “talking heads” politólogos na TV todas as noites. Nos EUA o mesmo aqui no Brasil.

Mas o problema maior da relação entre fonte e jornalista está entre Frank Underwood e Zoe Barnes.

ATENÇÃO, MAIS SPOILERS! MUITOS
Se você não quer saber o que se passa, PARE AQUI! Fuja das redes sociais e nunca nem pense em digitar “House of Cards” num buscador. Assista antes aos episódios da segunda temporada.

Quando a série terminou em 2013, Zoe Barnes estava perto de descobrir se Frank Underwood matou uma pessoa –o deputado federal Peter Russo que estava atrapalhando a vida do protagonista da série.

No início desta segunda temporada, Zoe avança um pouco na apuração com a ajuda de seu novo namorado, o repórter Lucas Goodwin, um editor do jornal “The Washington Herald” (uma referência direta ao “Washington Post”), e da amiga também repórter Janine Skorsky.

A esta altura, tanto Zoe quanto Janine já saíram do “Washington Herald” e trabalham para o site online de notícias “Slugline” –outra referência aos tempos difíceis enfrentados pela mídia.

Zoe se aproveita do namorado, que tem muitas fontes entre policiais de Washington e pode checar as circunstâncias em que o deputado assassinado por Underwood foi apresentado como suicida.

Fica sempre a impressão de que entre Zoe e Lucas a relação é assimétrica. Ele parece nutrir algum sentimento. Ela, interesse.

A direção de “House of Cards” é especialmente severa na composição da personagem Zoe Barnes. Em 2013, a jornalista foi para a cama com Underwood. Agora, logo no primeiro episódio, aparece nua e de bruços sobre a cama enquanto espera seu namorado chegar ao orgasmo. Com cara de tédio, a jornalista vira o rosto para trás e pergunta: “Are you finished…? I am good” (Você acabou…? Eu estou bem”).

Se alguém pensou na relação e no diálogo de uma prostituta com seu cliente, acertou. Essa é a ideia que fica, de maneira quase grosseira (“termine logo”). O grave aqui é que se trata de uma jornalista e sua fonte-namorado. E mais: a repórter que está investigando o político mais poderoso naquele momento em Washington. Eis aí como aparece a mídia em “House of Cards”.

Em completo anticlímax, Lucas para de transar. Esparrama-se ao lado de Zoe na cama. Ela caminha nua até o box para tomar um banho. Ouve Lucas dizer que não está certo ouvir dela “finished” e “shut down” nessas ocasiões. A repórter se volta e olha para o namorado. E ele: “Aqui está seguro, Zoe. Eu não sou ele” –numa referência direta a Frank Underwood.

Nos dias seguintes Zoe tenta obter mais pistas sobre o deputado que suspeita ter sido assassinado. Mas quem mais dá dicas a ela é Lucas, que descobre que o político morto foi encontrado no banco do carona do carro, e não na posição do motorista –a morte foi por asfixia e inalação de gases do escapamento do carro. Lucas e Zoe não sabem, pois isso não consta do relatório da polícia, mas Underwood se aproveitou que o colega congressista estava bêbado e o deixou desacordado na garagem fechada, com o motor do carro ligado e a porta fechada.

Underwood pede um encontro com Zoe. A repórter discute essa possibilidade com o namorado e com a amiga jornalista, que se mostram reticentes. “Eu só vou falar com ele. Não vou foder com ele”, responde Zoe.

O encontro se realiza num dos diversos parques de Washington, Rock Creek Park. Enquanto isso, Lucas já havia conseguido o relatório da polícia sobre o caso do “suicídio” e envia dados por SMS para Zoe –a história do banco do carona.

Quando Underwood e Zoe estão frente a frente há um forte componente autoritário por parte do político. É a autoridade versus alguém visivelmente mais frágil. “Onde está seu celular?”, é a primeira pergunta do deputado.

E Zoe: “Está aqui. Não está gravando”.

São duas pessoas que já tiveram sexo e compartilham segredos de Estado, mas ainda têm de começar uma conversa com a desconfiança a respeito de o diálogo estar ou não sendo gravado.

Quem manda ali é Underwood, o político. Não Zoe, a repórter.

Zoe começa a fazer perguntas sobre o deputado que havia cometido “suicídio”. Sugere que Underwood saiba mais do que admite.

Frank se levanta…

“Você vai me culpar se eu achar difícil confiar em você agora?”, pergunta a repórter. Sem mexer um músculo da face, o político dá o bote: “Confie em mim ou não, eu estou para ser confirmado como vice-presidente e a nossa relação vai se estender para o Salão Oval agora”.

É a fonte poderosa tentando engambelar a repórter. Na prática, propõe um negócio: dê imunidade para mim e eu dou a você acesso ao poder.

A repórter fica em silêncio. Demonstra estar tentada a aceitar.

Underwood insiste:

“Não saia da luz do sol agora sem razão… Vamos começar um novo capítulo a partir do zero… Pense a respeito [com o indicador toca no queixo de Zoe e levanta seu rosto]… A gente se vê”.

Mas Zoe continua em dúvida. Revela uma certa ingenuidade ao querer novamente falar com Underwood sobre o mesmo assunto. Parece em busca de argumentos para mentalmente aliviar-se e desincumbir-se de culpa por não conseguir apurar a história integralmente.

Zoe e Underwood se encontram na estação de metrô Cathedral Heights. A repórter admite que ultrapassou limites éticos e físicos com ele. Mas quer saber detalhes da operação da qual ela julga ter participado de maneira talvez inadvertida.

Ríspido, Underwood quer saber qual operação. “Do assassinato de alguém”, responde Zoe.

“Jesus”, exclama Underwood, irritado. E sai andando.

Eles estavam quase de costas um para o outro, em torno de um tapume que havia sobre a plataforma da estação de metrô, parcialmente em reforma.

Zoe se volta para a direção na qual o deputado se dirigia. “Eu quero acreditar em você”.

Eles estão em um ponto cego no qual câmeras do Metrô nada gravam. Underwood se vira rapidamente. Agarra Zoe pelos ombros com as duas mãos. Arremessa a repórter com violência para o fosso da plataforma um segundo antes de um trem passar.

Zoe morre. Underwood sai do local vestindo sobretudo e chapéu. Anda normalmente.

Ao chegar em casa, é recebido pela mulher, Claire. A sala está escura. Há um pequeno bolo à mesa e uma vela acesa. É aniversário de Underwood. Ele se senta, coloca o dedo sobre a vela e a apaga. Não há diálogo.

Esse roteiro é um pouco além do que a realidade pode nos propiciar? Pode ser. Políticos bandidos já não matam inimigos nem mesmo repórteres com suas próprias mãos. Eles têm quem faça para eles o trabalho sujo.

Mas “House of Cards” é uma metáfora. Uma alegoria do poder se sobrepondo à mídia, incapaz de fazer investigações. É um espetáculo que merece ser assistido.

Num dado momento, Frank Underwood vai comer suas costelas de porco favoritas num boteco de Washington. A carne está melhor do que o de costume. O atendente explica que tem comprado o produto de um novo açougueiro. O animal é morto com sangria de forma bem lenta. É cruel e possivelmente ilegal, diz. Mas a carne fica mais suculenta.

É como diz Underwood: “Para aqueles de nós escalando até o topo da cadeia alimentar, não pode haver misericórdia. Só há uma regra. Cace, ou seja caçado”.

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Bastidores: um ruído para Temer no PMDB
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Fernando Rodrigues

Presidente reeleito havia prometido ficar no comando da sigla…

…mas recuou avisando a quase ninguém que agora pretende se licenciar

Três caciques, pelo menos, ficaram boiando: Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Moreira Franco

O presidente nacional do PMDB, Michel Temer, não teve 24 horas de sossego depois de ser reeleito no sábado. Um grupo minoritário, porém ruidoso, ficou insatisfeito com o recuo do colega sobre como tocar o dia a dia do partido.

Haverá choro e ranger de dentes nos bastidores do PMDB. E em algum momento essa chorumela pode se transformar em algo prático.

Nas semanas recentes, durante intensas conversas, Temer havia aquiescido e concordado em assumir de maneira completa o PMDB. É que nos útimos 10 anos, ele ficou licenciado do cargo, período no qual assumiu interinamente o vice-presidente da legenda –o senador Valdir Raupp, de Rondônia.

Agora, o trato era que Temer seria reeleito para o cargo de presidente nacional do PMDB –o que se deu ontem, sábado, 02.mar.2013 – e não se licenciaria.

Essa promessa de Temer ajudou a debelar uma incipiente tentativa de alguns descontentes que pensaram em lançar uma chapa de oposição –com pouquíssimas chances de ganhar, mas com potencial enorme para tornar público o que todos já sabem: o racha histórico crescente dentro da legenda.

Mostrar um partido dividido era o que Michel Temer menos desejava neste início de 2013. Ele tem sido ameaçado por boatos quase diários de que alas do PT (sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva) pretendem tirá-lo da cadeira de vice na chapa presidencial de 2014 ao lado de Dilma Rousseff. O ideal no sábado era demonstrar um partido unificado ao seu lado.

Deu certo. Mas só até o final do dia.

Quando muitos já estavam a caminho do aeroporto para viajar de volta aos seus Estados, Michel Temer deu uma entrevista. Recuou em público da posição que havia assumido em privado: disse que iria sim se licenciar do cargo de presidente do PMDB e passar o dia a dia do partido para o senador Valdir Raupp (RO).

“Eu vou manter o mesmo sistema que eu vinha mantendo com o presidente Raupp”, afirmou Temer.

Quem conhece Michel Temer sabia que ele estava incomodado em assumir o papel de multipresidente –presidente do PMDB, vice-presidente da República e eventual comandante do Planalto quando Dilma Rousseff se ausentasse do país.

De fato, apesar de ser legal, essa situação produziria um despautério político. Haveria constrangimentos incontornáveis. Exceto com Ulysses Guimarães (nos anos 80), o Brasil nunca mais teve um presidente de partido no comando do país.

Temer ruminou em silêncio e vagou por esse labirinto na semana passada. “Assumo ou não o PMDB formalmente e viro um multipresidente causando um constrangimento político para mim e para o governo?”.  Ou a outra opção: “Digo que vou de novo me licenciar e me arrisco a ter uma oposição explícita contra mim na frente da presidente Dilma durante a convenção do partido?”.

Na dúvida, Temer parece ter seguido o ensinamento lusitano atribuído a d. João 6º: “Se não sabes o que fazer, não faças nada”. Ou seja, o líder do PMDB deixou a ala descontente de sua legenda pensar que ele assumiria integralmente o partido.

Foi uma boa estratégia. Temer foi reeleito. Os telejornais noturnos de sábado (2.mar.2013) mostraram imagens dele reeleito e nenhum sinal de dissidência entre os militantes do PMDB na frente de Dilma Rousseff (aqui o Jornal Nacional, o Jornal da Band e o Jornal da Record). Imagem é tudo –embora tenha sobrado sempre uma dúvida sobre a falta de ênfase no discurso de Dilma sobre quem será, de fato, o seu companheiro de chapa em 2014. Mas essa é outra história.

A forma melíflua com que Michel Temer tomou sua decisão provocou reações de assombro no início da noite de sábado (2.mar.2013). Quem se surpreendeu? O Blog identificou pelo menos 3 integrantes da cúpula do PMDB: o líder do partido na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), o vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, Geddel Vieira Lima, e o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Moreira Franco.

Os três só souberam que Temer havia desistido de se manter no cargo de presidente do PMDB por meio de conversas com jornalistas. “O compromisso era ele não se licenciar. Eu não sabia. É muito ruim se for isso mesmo”, declarou, ainda incrédulo, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, no final do dia e já fora do recinto da convenção.

O resumo da ópera é simples. Para uma parcela do PMDB houve ambiguidade de comportamento por parte de Michel Temer. Ele havia dito uma coisa para alguns aliados e fez outra na prática (prometeu que ficaria no comando do PMDB, mas declarou depois que vai se licenciar e passar o partido para o vice, Valdir Raupp)

Por que alguns peemedebistas queriam Temer no comando diário do partido? Por duas razões principais.

A primeira e mais pública é que não faz sentido um partido que é o segundo mais importante na aliança que governa o Brasil ser tocado por um presidente interino. A partir de agora, como se sabe, será necessário negociar acordos para formar palanques em 26 Estados e no Distrito Federal. Michel Temer, como presidente nacional do PMDB, segundo essa argumentação, teria mais poder para fazer as melhores negociações a favor do partido.

A segunda razão, essa mais oculta, é que uma ala do PMDB está irritada com o avanço e o poder do grupo de senadores da legenda –Renan Calheiros (AL) à frente, recém-eleito presidente do Senado. Renan fez uma campanha velada (para alguns até bem explícita) contra as eleições do presidente da Câmara, Henrique Alves (RN), e do líder dos deputados, Eduardo Cunha (RJ). Por essa razão, o time do PMDB na Câmara decidiu impor como vendeta a destituição do senador Valdir Raupp do cargo de presidente interino da legenda.

E agora, o mais importante: haverá consequências?

Possivelmente nenhuma. No curto prazo.

Michel Temer também pode vir a público e dizer que foi mal entendido. Pode declarar que vai assumir mais as tarefas políticas do PMDB, mas sem controlar a burocracia do dia a dia.

Vai ficar tudo o dito pelo não dito, um desfecho típico do PMDB. A ambiguidade é uma marca registrada do partido. Uma praxe acadêmica interna.

Mas os sinais estão emitidos.

Michel Temer tem o controle do partido, mas de uma forma um pouco mais precária do que o normal.

O Palácio do Planalto sabe disso. E gosta. O PT adora. Nada como ter um aliado enfraquecido internamente.

Tudo o que Dilma Rousseff, o PT e Lula querem é repetir a mega-aliança de 2010, que tinha dez legendas (e obter um tempo gigantesco na propaganda de rádio e TV). Nessa lógica, o PMDB é mais do que desejado. Só que a presença de Temer como candidato a vice só é um contrapeso que os petistas engoliram como um preço a pagar na época em que o peemedebista tinha, de fato, o comando mais robusto da sigla.

Se o PMDB fraquejar com Temer, o partido pode por obra de seus caciques regionais até ficar na aliança dilmista. Mas a garantia de Temer na cadeira de vice tende a sofrer ataques especulativos diários. Ainda mais agora, que ele usou sua astúcia e ambiguidade para engambelar alguns colegas da legenda.

Por fim,  conclui-se:

1) a tendência natural continua sendo o PMDB se entregar de novo ao PT na campanha presidencial para reeleger Dilma Rousseff;

2) mesmo com o ruído provocado agora, Michel Temer tem se mostrado mais habilidoso do que seus adversários dentro da legenda. Ele não chega a ser um Frank Underwood de House of Cards, mas se não for ele, quem comandaria o PMDB?;

3) quem está feliz vendo de fora essa trapalhada peemedebista é o PT e também, certamente, o PSB e Eduardo Campos, o eterno “plano B” de Lula para a vaga de vice de Dilma.

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A política e todos os seus vícios na TV
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Fernando Rodrigues

“House of Cards” é um grande seriado e mostra o pior dos políticos

Produção da Netflix descreve com precisão as traições e a falta de caráter no Congresso

Há um aspecto sombrio no formato do novo seriado televisivo “House of Cards”, já muito bem mencionado por Mauricio Stycer em sua coluna na Folha de domingo (10.fev.2013). A Netflix elevou ao paroxismo a fórmula de dar ao telespectador o que ele deseja assistir.

Mas há também o seriado “House of Cards” propriamente. Trata-se de uma representação fina e muito próxima da realidade vista nos bastidores de dezenas de Congressos pelo mundo afora. No caso, trata-se do Congresso dos Estados Unidos com toda a sua perfídia, traições, mau-caratismo e um interesse desmedido pelo poder.

Aqui, o trailer oficial:  http://www.youtube.com/watch?v=ULwUzF1q5w4

Num dos episódios, a personagem principal (um deputado que é o líder do Partido Democrata) conversa com um lobista. Em seguida, sozinho, afirma desprezar as pessoas que se interessam muito e apenas por dinheiro. Dinheiro acaba, diz ele. O poder, não. Poder é para sempre.

A definição vale para políticos em várias partes do mundo, embora no Brasil muitos pareçam ter uma predileção pelo binômio poder & dinheiro, não necessariamente nessa ordem.

Talvez por estar vivendo em Brasília por dever do ofício já há muito tempo, considerei “House of Cards” muito feliz ao representar manobras e conchavos políticos dos mais diversos. O deputado democrata que é a personagem principal manipula seus aliados, mente de forma descarada e influi no noticiário com muita habilidade. Já vi esse filme dezenas de vezes.

Logo no início, o deputado protagonista é desconsiderado para um cargo de ministro. Estava tudo acertado com o presidente da República que acabara de ser eleito. Mas o acordo foi rompido. O deputado engole a seco a desfeita. Finge estar calmo e diz, dentro da Casa Branca, que continuará a ajudar o governo mesmo assim –para em seguida começar a tramar o oposto nos bastidores. Destrói a reputação do colega que foi indicado em seu lugar.

O engenho e arte das manobras está em fazer as vítimas não perceberem o que se passa. Mais: acharem que o algoz é, na realidade, um aliado.

(Alguém pensou em PMDB ou quejandos? Acertou. Mas seria injustiça creditar apenas ao PMDB tais atitudes. Esse comportamento está disseminado em todas as legendas, PT e PSDB inclusos).

A relação entre fonte e repórter também é explorada à perfeição em “House of Cards”. O deputado protagonista escolhe uma repórter jovem do jornal mais influente da capital norte-americana. A moça deseja dar furos e prosperar na profissão.

O deputado oferece no primeiro contato uma informação valiosa. Havia de fato relevância jornalística no que estava sendo vazado. Até aí, tudo bem. Mas depois, a coisa muda de figura. A repórter fica refém da fonte: se não publicar o que receber, pode nunca mais ter acesso a novos furos.

O segundo dado vazado pelo deputado é um fiapo irrelevante do ponto da vista da informação: era só a cópia de um jornalzinho de faculdade, impresso há 35 anos e no qual o então editor era o atual ministro que agora está prestes a ter a reputação destruída. Na publicação há um editorial, sem assinatura, cheio de opiniões polêmicas sobre as relações entre EUA e Israel.

Esperta, a repórter olha, lê e logo conclui: “Mas não há como dizer que esse editorial foi de fato escrito por ele”. O deputado retruca: “Não interessa. Há uma pergunta a ser respondida”. Qual? “Ele aprovou a publicação do que está no artigo?”.

Ou seja, coloque no jornal e lance uma dúvida sobre o que pensa esse ministro e o que ele dizia na época em que era estudante.

Ao “vender” o seu novo furo para seu editor, a repórter usa exatamente o mesmo argumento proposto por sua fonte, o deputado. Repete as mesmas palavras. A reputação do ministro é destruída em dias.

Os encontros da repórter com a fonte podem parecer inverossímeis para algumas pessoas que olham de fora. Os dois se avistam em um museu e no banco de uma estação de metrô, entre outros locais. Por que um deputado líder da maioria iria se expor dessa forma? Posso responder a essa pergunta com tranquilidade: quem está no poder às vezes arrisca-se mais do que o necessário. Em Brasília, já participei de reuniões em circunstâncias muito mais improváveis do que essas.

“House of Cards” é codirigida por David Fincher (“A Rede Social” e “Clube da Luta”). O ator principal é Kevin Spacey (de “Beleza Americana”). O texto é baseado numa série dos anos 1990 produzida pela BBC. Para ganhar em verossimilhança jornalistas e analistas políticos verdadeiros, que atuam em Washington, foram contratados para fazer pontas como si próprios –entre outros, Donna Brazile, Candy Crowley, John King, Dennis Miller e Soledad O’Brien (da CNN), Bill Maher (HBO) e George Stephanopoulos (ABC).

A Netflix gastou US$ 100 milhões com “House of Cards”. Inovou ao lançar os 13 episódios da primeira temporada de uma só vez, no dia 1º de fevereiro. Isso mesmo: é possível assistir a tudo de uma vez.

O 1º capítulo tem 56 minutos. Quem aprecia, estuda ou acompanha política não consegue tirar os olhos da tela da TV por um segundo. Tudo o que se sabe sobre os bastidores do Congresso está ali, escancarado.

Só é possível assistir a “House of Cards” sendo assinante do Netflix. Não sei se o seriado será um sucesso. Para mim, vale cada centavo.

 

Post Scriptum: a Netflix poderia ser mais cuidadosa com as legendas em português de “House of Cards”. O termo “majority whip” é traduzido como “corregedor”, um erro crasso.
Nos Congresso dos EUA,  a função de líder da bancada majoritária se divide em duas: o “leader” (o líder propriamente) que tem o poder de decidir o que vai ser votado e toma as decisões mais estratégicas e políticas, e o “whip” (o açoitador), uma espécie de líder do plenário, que vai se responsabilizar pelo foco da bancada, para que todos os seus integrantes votem como deseja a direção partidária e/ou o governo.
É difícil traduzir “majority whip” para o português. Não existe cargo equivalente no Congresso brasileiro, onde há o líder e os vice-líderes –e todos trabalham para “açoitar” os deputados quando há uma votação. A melhor forma de traduzir, portanto, seria “vice-líder da maioria”, ainda que a expressão possa conferir menos importância que de fato tem o cargo de “majortity whip”.
Não se perderia nada se “majority whip” fosse simplesmente traduzido como “líder da maioria”.
Uma coisa é certa: “majority whip” não é o corregedor.

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