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Tipificação do caixa 2 não anistiará políticos, dizem especialistas
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Fernando Rodrigues

Artigo de Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes

Ambos defendem a criminalização do caixa 2

Foto: Sergio Lima/Folhapress - 6.set.2012

Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa

Paira uma suspeita sobre as 10 medidas contra a corrupção, discutidas atualmente no Congresso. Alguns afirmam que um dos ítens da lista anistiaria políticos que usaram caixa 2 antes de uma eventual aprovação do projeto. Os advogados Márlon Reis, um dos idealizadores do Movimento Ficha Limpa, e Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil, dizem que não há esse perigo.

Os dois sustentam que a tipificação do caixa 2 não aboliria o crime de falsidade ideológica eleitoral. Este continuaria sendo aplicável a irregularidades cometidas anteriormente. O Blog trás, a seguir, a íntegra do artigo:

Criminalização do caixa dois não anistiará crimes praticados anteriormente

por Luiz Flávio Gomes e
Advogado, presidente do Instituto Avante Brasil
Márlon Reis
Advogado, um dos redatores da Lei da Ficha Limpa

Está na agenda de debates na Câmara dos Deputados, dentre os temas que integram as 10 medidas contra a corrupção, o relativo à criminalização do caixa 2. A prática implica no uso eleitoral de dinheiro, atividades voluntárias ou bens não devidamente contabilizados nem declarados à Justiça Eleitoral, mesmo se tratando de valores originariamente lícitos.

Tal conduta, hoje, está abarcada pelo art. 350 do Código Eleitoral. É esse dispositivo que atualmente permite a responsabilização penal do praticante de caixa 2.

Assim dispõe o art. 350 do CE:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Tal dispositivo foi por diversas vezes invocado como apto a autorizar a imposição das sanções penais nele previstas aos que praticam a conduta de declarar falsamente – omitindo informação ou a prestando de forma inverídica – o conjunto das receitas e despesas de campanha.

Nos últimos anos, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se inclinou no sentido de haver a possibilidade da aplicação das penas previstas pelo art. 350 desde que se demonstre presente esse “especial fim de agir”, qual seja, a finalidade eleitoral. Para isso, reputa-se irrelevante que a prestação de contas viciada tenha sido apresentada antes ou depois da votação.

É nesse sentido o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL EM APELAÇÃO CRIMINAL ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL (CE, art. 350). OMISSÃO DE DOAÇÕES RECEBIDAS EM PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDUTA POSTERIOR AO PLEITO ELEITORAL. IRRELEVÂNCIA. CARACTERIZAÇÃO DOS “FINS ELEITORAIS” EXIGIDOS PELO TIPO PENAL. TIPICIDADE.

1.É firme o entendimento jurisprudencial de que não existe vício na decisão judicial que, embora não responda a cada um dos argumentos lançados pelas partes, esclarece aqueles que fundamentam o seu convencimento. 2. Candidata a deputada estadual que, em sua prestação de contas, omite o recebimento de valores em favor de sua campanha. Conduta praticada posteriormente ao pleito eleitoral. Irrelevância. Caracterização do elemento subjetivo especial consistente na busca de “fins eleitorais”. (…) 5. Recurso especial parcialmente provido. (TSE – REsp: 583546 – MG, Relator: Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, j. 3/3/15, Data de Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Tomo 58, Data: 25/03/2015, Página 38).

Como se vê, o TSE adotou orientação no sentido de permitir, desde que provados os fatos e demonstrado o especial fim de agir, a aplicação do art. 350 do CE (falsidade ideológica eleitoral) aos que prestam contas de campanha com omissão de fontes de recursos vedadas por lei.

Na onda das 10 medidas contra a corrupção propostas por iniciativa popular e pelo Ministério Público espera-se que seja aprovado um novo tipo penal para o caixa 2, que alcançará os responsáveis ainda quando a origem da doação for “lícita”. A nova tipificação penal só vale, evidentemente, para fatos ocorridos após a vigência da (nova) lei.

Entendem alguns que isso significaria a “anistia” para os fatos passados, uma espécie de abolitio criminis que livraria da responsabilização todos os que praticaram tais condutas antes da vigência do novo tipo penal. Nada mais equivocado. A tese está fundada em argumento jurídico falho.

Quando o injusto penal não é revogado e apenas é redefinido em um novo tipo penal, não há que se falar em anistia (ou abolitio criminis). O fato ilícito continua ilícito, logo, o crime persiste (com nova redação, novas penas, novas exigências típicas, mas continua firme como ilícito penal). A isso se dá o nome de princípio da continuidade típica (ou da continuidade normativo-típica).

Não há que se falar, nesse caso, em anistia. O que ocorre é o seguinte: os crimes anteriores seguem o tipo penal precedente, enquanto os crimes posteriores à vigência da nova lei observarão o novo preceito legal. Cada crime segue a lei do seu tempo (tempus regit actum). Essa sucessão de leis incriminadoras jamais significou anistia (porque o crime precedente continua sendo crime, com nova redação).

A criminalização nova do caixa 2, de outro lado, não afetará em nada a responsabilização pelo recebimento de suborno mascarado por doações de campanha (arrecadadas, por exemplo, em contratos com as estatais), declaradas à Justiça Eleitoral.

Isso não é caixa 2: é lavagem de dinheiro, conduta criminalizada por legislação própria. Todo suborno advindo de contratos com o poder público (o que foi pago, por exemplo, pelas empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato) sempre configura o crime de lavagem de dinheiro (pouco importando se foi ou não declarado à Justiça).

O crime de caixa 2 pressupõe justamente que a doação eleitoral seja feita com dinheiro ou bens lícitos. A obtenção ilícita de verbas de campanha, como ocorre nos casos decorrentes de crimes praticados contra a Administração Pública, não deixa de configurar crime apenas por haver adentrado no caixa eleitoral. Isso não está na dependência nem mesmo da criminalização do caixa 2. Seguirá sendo lavagem de dinheiro.

Conclusão

Conclui-se, pois, que a tipificação do caixa 2 não terá o condão de abolir o crime de falsidade ideológica eleitoral previsto no art. 350 do Código Eleitoral, que persistirá sendo aplicável às condutas verificadas antes da vigência da nova norma penal em virtude da aplicação do princípio da continuidade típica (ou da continuidade normativo-típica).

Tampouco impedirá a aplicação de outras normas penais, como a alusiva à lavagem de dinheiro, sempre presente quando se procura emprestar ares de licitude ao fluxo de dinheiro obtido de forma originariamente ilegal.

A criminalização do “caixa 2” constitui, antes de tudo, uma medida salutar, que dará a um fato execrado pela sociedade brasileira um tratamento legal mais adequado, sem prejuízo da aplicação das normas anteriormente vigentes às condutas praticadas sob sua égide.

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Ação da Rede contra Cunha não anula processo de impeachment, dizem juristas
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Fernando Rodrigues

Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes escrevem artigo

Dizem que APDF trata apenas de assuntos futuros

MarlonReis-SergioLima-6set2012-Folhapress

Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa

Márlon Reis, um dos idealizadores do Movimento da Ficha Limpa, e o advogado Luiz Flávio Gomes, magistrado aposentado e presidente do Instituto Avante Brasil escreveram um artigo para contestar uma interpretação corrente segundo a qual a votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, em 17.abr.2016, teria de ser anulada porque a sessão foi presidida por Eduardo Cunha, já considerado réu no processo da Lava Jato.

Essa avaliação cresceu após a Rede Sustentabilidade apresentar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental requerendo a saída de Cunha da presidência da Câmara.

No texto, Márlon e Gomes sustentam que essa interpretação não procede, pois estariam preservados os atos jurídicos antes da retirada de Cunha do comando da Câmara, na semana passada.

Eis a íntegra do artigo, enviado ao Blog:

Ação da Rede Sustentabilidade não gera
risco para o impeachment de Dilma Rousseff

por Márlon Reis e
Membro do MCCE e autor do livro O Nobre Deputado
Luiz Flávio Gomes
presidente do IAB (Instituto Avante Brasil)

Nos meios de comunicação, nos últimos dias, surgiu a versão infundada segundo a qual a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) proposta pela Rede Sustentabilidade poderia colocar em risco todo o processo de impeachment da presidenta Dilma (porque seriam nulos os atos praticados por Eduardo Cunha desde o dia em que ele se tornou réu no STF, em 3.mar.2016). Tal ilação não tem nenhuma procedência. Existem barreiras jurídicas e políticas que impedem essa desarrazoada conclusão.

A tese segundo a qual qualquer um dos integrantes da linha sucessória ou substitutiva do presidente da República deve ser afastado do cargo em caso de recebimento de denúncia pelo Supremo Tribunal Federal foi por nós defendida em meados de 2015 e divulgada no UOL.

Nossa leitura do texto constitucional foi referendada na petição inicial da ADPF 402 (relator ministro Marco Aurélio), na qual a Rede Sustentabilidade requer ao Supremo Tribunal Federal que, interpretando a Constituição da República (art. 86, §1º, I), afaste da Presidência da Câmara, por este motivo, o deputado Eduardo Cunha (a ação foi proposta antes da decisão do ministro Teori Zavascki – referendada por unanimidade pelo Plenário do STF –que determinou o seu afastamento do cargo de deputado federal).

Não há na referida ADPF qualquer pedido em relação à eventual nulidade dos atos praticados por Eduardo Cunha a partir da data em que ele se tornou réu perante o STF. Nem poderia haver, já que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental está inserida dentre as demandas que veiculam temas em abstrato, buscando a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais.

Uma ADPF pode ou não postular a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Apenas neste último caso – de haver sido pleiteada a declaração de inconstitucionalidade de norma – é que ocorrerá a eficácia ex tunc (para trás), ou seja, aquela que reconhece a nulidade de todos os atos decorrentes da aplicação da lei ou ato normativo questionados.

Sob o aspecto jurídico, o partido proponente deixa claro na petição inicial da ADPF que não se discute a validade dos atos praticados por Eduardo Cunha. Ao tratar dos objetos da causa, a inicial aponta como um deles o ataque a “(…) atos comissivos praticados cotidianamente por agente político que não poderia prosseguir na função de Presidente da Câmara dos Deputados. Embora não se cogite de nulidade dos atos praticados até o reconhecimento da inconstitucionalidade ora questionada, impõe-se o exame célere da matéria para que promova o restabelecimento da normalidade institucional”.

Na ADPF 402, a Rede não formulou qualquer requerimento no sentido da nulidade dos atos praticados por Eduardo Cunha a partir da sua condição de réu. Mesmo assim poderia o Supremo Tribunal Federal estender tal eficácia rumo ao passado para anular tais atos? Não temos dúvida de que a resposta é negativa.

A Lei nº 9.882/99 que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental fala em nulidade de atos pretéritos apenas em caso de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. É o que se vê do disposto no art. 11 do referido diploma legal:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. (grifamos)

Como vimos, na ADPF simplesmente não se está impugnando qualquer norma, mas uma prática institucional omissiva; mais precisamente a omissão da Mesa da Câmara, que não afastou do posto de Presidente um parlamentar contra o qual houve recebimento de denúncia pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

A ação tem por objeto atacar a “Interpretação constitucional e a prática institucional, prevalentes na Câmara dos Deputados, pela qual se tem admitido que o Presidente daquela Casa permaneça no exercício de suas funções a despeito de passar a figurar na condição de réu em ação penal instaurada perante o Supremo Tribunal Federal (Inquérito 3983, denúncia contra Eduardo Cosentino da Cunha recebida pelo Plenário do STF em 03 de março de 2016)”.

Como se vê, não se trata em momento algum de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Sendo assim, simplesmente o STF não pode, à falta de autorização legal, declarar a nulidade de atos que não constituem o objeto da ação. Ne procedat iudex ex officio: o juiz não pode proceder de ofício, ou seja, não pode por conta própria emitir nenhum provimento jurisdicional que não tenha sido pedido pelas partes.

Convém registrar, em acréscimo, que o Supremo tampouco poderia selecionar apenas os atos relativos ao processo de impeachment para anulá-los. Teria que anular todos os atos praticados pelo presidente afastado na Câmara dos Deputados desde 3 de março do corrente ano, quando a denúncia foi recebida, o que acarretaria um verdadeiro caos institucional. Pelas razões expostas, a suposição de que a ADPF da Rede Sustentabilidade possa colocar em risco a votação da Câmara dos Deputados que autorizou o prosseguimento do pedido de impeachment de Dilma Rousseff não tem nenhuma pertinência jurídica e política.

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Cunha deve sair se denúncia for aceita, dizem juristas
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Fernando Rodrigues

Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes escrevem artigo sustentando tese jurídica

Quem está na linha de sucessão do Planalto não pode ser réu em processo criminal

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve ser afastado do cargo se o Supremo Tribunal Federal aceitar a denúncia que será formulada contra ele por causa da Lava Jato.

Essa é a avaliação do juiz Márlon Reis, um dos idealizadores do Movimento da Ficha Limpa, e do jurista Luiz Flávio Gomes, magistrado aposentado e presidente do Instituto Avante Brasil.

O raciocínio de Reis e de Gomes é que alguém que esteja na linha de sucessão da Presidência da República não pode ser um réu num processo criminal.

Eduardo Cunha é o terceiro na hierarquia da República: assume o Planalto se Dilma Rousseff e Michel Temer (presidente e vice-presidente) saírem de suas funções.

Eis, a seguir, a íntegra do artigo preparado por  Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes com exclusividade para o Blog e para o UOL:

 

Afastamento cautelar dos presidentes dos Poderes
em caso de recebimento de denúncia

por Márlon Reis (juiz de direito, membro do MCCE e autor do livro O Nobre Deputado) e Luiz Flávio Gomes (jurista e presidente do IAB).

A Constituição Federal de 1988 conferiu relevância ímpar para o exercício do cargo de presidente da República. Tratando-se de posição institucional da mais alta envergadura, a Presidência do Brasil está protegida por um amplo leque de garantias institucionais. Dentre essas garantias institucionais que dizem respeito à Presidência, não daqueles que temporariamente a ocupe, está o primado do não exercício do cargo por quem é réu em processo criminal. Embora presumido inocente, chefe de Poder que se transforma em réu não pode continuar no exercício da função. Trata-se de uma exceção constitucional para a preservação do exercício das altas funções de chefia. O nacional investido no papel de presidente da República deve ser compulsória e imediatamente afastado do posto no momento e sempre que o Supremo Tribunal Federal vier a decidir pelo recebimento de denúncia, autorizando a instauração da ação penal.

Trata-se de instituto que visa a assegurar proteção e higidez máxima ao mais elevado cargo eletivo da União. O dispositivo citado quer, com toda clareza, impedir que a Presidência seja, mesmo que de forma transitória, exercida por pessoa contra quem paira ação penal com tramitação admitida pela Suprema Corte. Essa medida é justificada pelas elevadas atribuições da pasta, não sendo razoável – segundo patenteado pela visão do Constituinte – que mácula dessa grandeza venha a conspurcar a reputação e a imagem esperadas do mais alto mandatário do País (aliás, dos mais altos mandatários do País).

A providência é reclamada pelo § 1º, inciso I, do art. 86 da Constituição Federal. Segundo o dispositivo, “O presidente ficará suspenso de suas funções, nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal”. O § 2º deste mesmo dispositivo estipula um prazo de 180 dias para a conclusão do julgamento, cuja superação implica em retorno do réu ao respectivo cargo.

A norma é cogente. Recebida a denúncia, o afastamento é medida que se impõe por força da literalidade da norma constitucional, descabendo ao Supremo Tribunal Federal ventilar discussão quanto à oportunidade ou utilidade do ato. Não se afasta por conveniência da instrução penal ou como reação a eventual desvio de conduta do réu, mas como mecanismo de proteção da própria institucionalidade democrática. Não há que se cogitar, pois, se o acusado buscou intimidar testemunhas, ocultou documentos ou se valeu do cargo para intimidar integrantes dos demais Poderes. Basta o recebimento da denúncia. Se presentes os motivos extraordinários que acabam de ser alinhados, o afastamento cautelar terá outro fundamento, que é o art. 319, VI, do CPP.

Registre-se, por outro lado, que tanto o presidente quanto os que estão em posição de assumir a presidência estão todos sujeitos à incidência do dispositivo mencionado. Se o vice-presidente da República, o presidente da Câmara ou do Senado ou o presidente do Supremo Tribunal Federal tiverem denúncia recebida contra suas pessoas, devem igualmente ser afastados, por força do mesmo mandamento constitucional, a fim de se preservar a integridade do cargo de presidente da República já que podem, a qualquer momento, ascender transitória ou efetivamente àquela posição. Ou seja: a regra vale tanto para quem está quanto para quem possa estar eventualmente na presidência da República.

Não fosse assim, em caso de afastamento ocasional (por motivo de viagem, enfermidade, férias, afastamento judicial ou determinado pela Câmara) ou definitivo do titular (por perda ou suspensão dos direitos políticos, cassação ou renúncia), a presidência poderia ser exercida por alguém contra quem paira a circunstância impeditiva prevista no citado art. 86, § 1°, I, da Constituição. Quem tem a possibilidade de assumir a Presidência da República (em qualquer momento) deve ter sempre condições constitucionais de assumi-la (sob pena de instabilidade institucional). O recebimento da denúncia acarreta, pois, o afastamento de qualquer um que integre a ordem sucessória da Presidência. Isso evita que se agregue mais uma crise a tantas outras que já se encontram em andamento. Constitui ônus mínimo de quem ocupa os mais altos cargos do País e que estão na linha sucessória presidencial não ter processo criminal em andamento. Nunca se sabe com precisão matemática o momento em que um deles é chamado para o exercício da Presidência da República. Daí a imperiosa necessidade de não serem réus em processos criminais.

Presente essa circunstância indesejada pela Constituição, o afastamento do cargo é medida a ser imposta seja ao titular seja a qualquer dos seus possíveis sucessores. Tratando-se do presidente ou do vice-presidente, deve-se operar o afastamento do próprio mandato eletivo. Em sendo o recebimento da denúncia operado contra o presidente da Câmara ou do Senado ou do Supremo Tribunal Federal, exige-se apenas o afastamento da função transitória (a presidência da instituição), de modo a se suprimir o risco de exercício indevido da Presidência da República pelo réu, remanescendo o direito ao exercício do cargo de deputado federal ou senador ou de ministro da Corte Suprema.

“O afastamento automático decorre do sério risco de o ocupante da posição de chefia, vendo-se ameaçado de uma condenação criminal, por instinto humano, passar a exercer as prerrogativas do cargo com abuso de poder, de sorte a não só interferir na instrução criminal, que se inicia com o recebimento da denúncia, mas também a prejudicar o adequado funcionamento da instituição que administra. É, enfim, a perigosa confusão entre o público e o privado, vedada pela Constituição, no art. 37 (princípios da impessoalidade e da moralidade)” (César Augusto Carvalho de Figueiredo, Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, em O efeito jurídico de afastamento do cargo decorrente da decisão do STF que aceita denúncia contra chefe de Poder da República).

Em suma, se o Supremo Tribunal Federal, pelo plenário, vem a receber denúncia contra qualquer um dos chefes de Poder, é mais do que recomendável (e natural) o seu afastamento do exercício da presidência da instituição que dirige. As razões inspiradoras do dispositivo constitucional acima mencionado (CF, art. 86, § 1º, I) valem, ipso facto, não apenas para o ocupante do cargo de presidente da República, sim, para todos os que estão em posição de assumir (em qualquer momento) interina ou definitivamente tal função. Se o vice-presidente da República, o presidente da Câmara ou do Senado e o presidente do STF tiverem contra si denúncia recebida, naturalmente devem ser afastados das funções respectivas, seja porque estão na linha sucessória da Presidência da República, seja para preservar a integridade e honorabilidade exigidas de forma diferenciada dos chefes máximos de cada Poder. Em termos institucionais é muito sério o recebimento de um processo criminal contra eles. Daí o mandamento constitucional de afastamento peremptório previsto no art. 86, § 1º, I, da CF.

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