Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Lux Leaks

Luxemburgo processa jornalista que divulgou documentos sobre elisão fiscal
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Edouard Perrin é acusado de ser “co-autor ou cúmplice” de vazamento do LuxLeaks

Manobras de Itaú e Bradesco economizaram R$ 200 milhões em impostos 

ICIJ e Repórteres Sem Fronteiras condenam abertura de ação contra repórter

Mar Cabra/ICIJ

Edouard Perrin fala a jornalistas que participaram da apuração do LuxLeaks, em Bruxelas

A Justiça de Luxemburgo autorizou nesta quinta-feira (23.abr.2015) a abertura de processo criminal contra o jornalista francês Edouard Perrin, membro do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) que ajudou a revelar práticas agressivas de corporações para reduzir o pagamento de impostos. A série de reportagens, publicada em novembro de 2014 em 26 países, inclusive no Brasil, foi chamada de LuxLeaks.

A Procuradoria de Luxemburgo acusa Perrin de ser “co-autor ou cúmplice” de supostos crimes atribuídos a um ex-funcionário da consultoria  PwC (PricewaterhouseCoopers) que teria vazado os documentos.

Os memorandos da PwC explicavam, em detalhes, como empresas poderiam usar brechas legais e filiais em Luxemburgo para reduzir ao máximo o pagamento de impostos em seus países –prática conhecida como elisão fiscal.

Várias corporações mundiais fizeram uso das manobras, como Pepsi, Ikea e FedEx. No Brasil, Itaú e Bradesco economizaram R$ 200 milhões em impostos usando filiais no paraíso fiscal europeu.

O ICIJ, que também coordena a apuração sobre contas secretas no HSBC na Suíça, o SwissLeaks, publicou nota condenando a abertura de processo contra Perrin.

Gerard Ryle, diretor do ICIJ, afirmou que a decisão da Justiça de Luxemburgo constitui uma afronta à liberdade de imprensa e à prestação de contas (“accountability”, em inglês) em um país que alega estar trabalhando para ampliar sua transparência.

“As reportagens de Perrin sobre práticas fiscais secretas de Luxemburgo foram cruciais para deflagrar inquéritos na Europa e abrir um significativo e amplo debate sobre a justiça de políticas fiscais”, disse Ryle.

A organização Repórteres Sem Fronteiras também manifestou “choque” pela abertura de processo contra Perrin.

“Esses métodos judiciais não estão de acordo com um país como Luxemburgo. O direito à informação é um pilar da democracia e deve se sobressair em um caso como este”, disse Lucie Morillon, diretora da organização.

Processar jornalistas é um expediente tradicional de autoridades que desejam intimidar repórteres.

Em janeiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal brasileiro tomou decisão relevante ao suspender, em caráter liminar, a quebra do sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu, do jornal Diário da Região, que apurou reportagens sobre corrupção entre auditores fiscais, sindicalistas e empresários. Na ocasião, o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que a decisão resguardava “uma das mais importantes garantias constitucionais, a liberdade de imprensa, e, reflexamente, a própria democracia”.

Leia as reportagens publicadas no Brasil sobre o LuxLeaks:

Itaú e Bradesco economizam R$ 200 mi em impostos com operações em Luxemburgo

Bradesco tem 40 pessoas em paraíso fiscal; Itaú agora opera da Suíça

Bancos negam fazer acordos para pagar menos impostos

4 grandes consultorias têm papel central nas operações em paraísos fiscais

Pepsi, Ikea e FedEx também usaram Luxemburgo para pagar menos impostos

Animação explica sistema tributário de Luxemburgo

O blog está no FacebookTwitter e Google+.


Disney usa empresa em paraíso fiscal para manobra que reduz imposto
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Vazamento de papéis sigilosos indica prática realizada a partir de Luxemburgo

Koch Industries, Skype e outras 32 empresas também se beneficiariam da estratégia

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

A The Walt Disney Company, conglomerado norte-americano proprietário de estúdios de cinema, canais de televisão e parques temáticos, tem empresas no paraíso fiscal de Luxemburgo que podem ser utilizadas para reduzir o imposto devido nos Estados Unidos.

A manobra foi revelada por um vazamento de papéis confidenciais obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), ONG com sede em Washington.

Em novembro, o ICIJ já havia divulgado que empresas multinacionais como Pepsi, Ikea e FedEx e os bancos brasileiros Bradesco e Itaú-Unibanco fizeram uso do mesmo artifício. O caso ficou conhecido como “Lux Leaks”.

O ICIJ recebeu o novo lote de documentos após a primeira séria de reportagens. Além da Disney, estão na lista divulgada nesta 3ª feira (9.dez.2014) a Koch Industries, segunda maior empresa de capital fechado dos EUA, a gigante de telefonia por internet Skype e outras 32 companhias. As manobras teriam sido realizadas entre 2003 e 2011.

As repórteres Alison Fitzgerald e Marina Walker Guevara, do ICIJ, relatam que a Disney e a Koch foram instruídas pela consultoria Ernst & Young a registrar algumas de suas empresas em Luxemburgo e a criar companhias financeiras internas, como se fossem bancos próprios.

Essa é uma das estratégias utilizadas por empresas multinacionais para enviar parte de seus lucros a Luxemburgo. O banco interno sediado no paraíso fiscal concede empréstimos a filiais em outros países, como França ou Alemanha, e recebe de volta o pagamento de juros. Por meio desse canal, o lucro é transferido a baixa tributação, inferior a 1% em alguns casos.

Segundo o ICIJ, é impossível determinar quanto a Disney e a Koch teriam economizado em pagamento de impostos nos EUA sem acessar o imposto de renda declarado ao governo norte-americano, protegido sob sigilo.

As regras de Luxemburgo são legais dentro do país, mas podem ser contestadas por outras autoridades se houver entendimento de que elas reduzem o pagamento do imposto devido nos locais de origem.

Outra maneira de as companhias enviarem seus lucros para Luxemburgo é registrar suas marcas e patentes em uma subsidiária no paraíso fiscal e fazer as filiais instaladas ao redor do mundo pagarem royalties pelo seu uso.

Segundo Fitzgerald e Guevara, a estratégia utilizada pela Disney segue um roteiro de 34 etapas proposto em outubro de 2008 pela Ernst & Young. A movimentação contábil confere à Disney a capacidade de retirar seu lucro de países com tributação pesada, como França e Alemanha.

A peça-chave dessa estrutura é uma empresa financeira da Disney chamada Wedco Participations SCA, sediada em Luxemburgo. Essa empresa concede empréstimos às outras subsidiárias a alta taxas, extraindo o lucro na forma de pagamento de juros. Segundo os documentos obtidos pelo ICIJ, a Wedco registrou em 4 anos lucro de € 1 bilhão e pagou € 2,8 milhões em impostos, taxa menor que 1%.

Em duas transações, a Wedco emprestou € 75 milhões para a subsidiária francesa da Disney e recebeu mais de € 16 milhões em juros, o que pode ter permitido reduzir o pagamento de impostos na França.

A Wedco e outras duas empresas da Disney criadas em Luxemburgo sob orientação da Ernst & Young registraram mais de € 2,8 bilhões de lucros entre 2009 e setembro de 2013, apesar de terem somente um funcionário. As 3 firmas estão instaladas em um edifício residencial.

Um repórter do ICIJ foi à sede da Wedco. Lá, um homem se identificou como diretor das companhias, mas se recusou a informar seu nome. “Nós utilizamos um apartamento espaçoso no quarto andar como escritório. Não é necessário muitos funcionários, uma pessoa qualificada com dedicação integral pode administrar essas empresas”, disse.

Zenia Mucha, porta-voz da Disney nos EUA, afirma que a empresa paga globalmente uma taxa média de 35% em impostos. “Nós administramos nossos deveres fiscais responsavelmente e buscamos cumprir integralmente todas as leis aplicáveis. Suas afirmações não estão baseadas em uma compreensão correta da nossa posição fiscal no mundo”, afirmou Mucha ao ICIJ. Ela se recusou a responder a várias questões detalhadas e não especificou o que ela considerava incorreto.

Fitzgerald e Guevara apontam que não está claro se a Disney chegou a enviar lucros registrados em Luxemburgo para os EUA, onde ele seria taxado em 35%.

Koch
A Koch Industries utilizou estratégia semelhante em benefício de sua subsidiária Invista BV, que produz fibras da marca Lycra, segundo os documentos obtidos pelo ICIJ. O guia que orientou a empresa, também preparado pela Ernst & Young, estabelece 26 passos para reestruturar a Invista e centralizar seu fluxo financeiro em Luxemburgo.

Como a Disney, a Koch também montou um banco interno, chamado Arteva Europe S.à.r.l,, para administrar o fluxo financeiro de sua operação europeia. De 2010 a 2013, a Arteva registrou lucro de US$ 269 milhões e pagou US$ 6,4 milhões de impostos. A taxa anual mais alta aplicada foi de 4,15%.

Indagado pelo ICIJ, Rob Tappan, diretor de relações externas da Koch, afirmou que “como todas as empresas Koch, a Invista conduz seus negócios de forma legal e paga seus impostos de acordo com as leis aplicáveis”. A Koch não respondeu a perguntas detalhadas sobre sua operação em Luxemburgo.

A Disney e a Koch podem estar de beneficiando de uma brecha no código tributário dos EUA que permite que elas peçam ao governo que ignore as várias subsidiárias e considere apenas a filial estrangeira principal na hora de auferir os tributos. Isso livra as subsidiárias de pagarem impostos aos EUA sempre que o dinheiro fluir de uma para outra.

Em 2009, o presidente Barack Obama incluiu um projeto para fechar essa brecha em uma lista de modificações fiscais que ele desejava implementar. O governo dos EUA estima que proibir essa prática resultaria em arrecadação extra de US$ 86 bilhões em 10 anos. Companhias privadas fizeram forte lobby contrário à modificação e a proposta foi abandonada em menos de 1 ano.

Reação
Após o primeiro lote de vazamentos do “Lux Leaks”, Jean-Claude Juncker, novo presidente da Comissão Europeia, que era primeiro ministro de Luxemburgo quando muitas dessas políticas fiscais controversas foram criadas, disse que elas eram legítimas, mas admitiu que o sistema “não estava sempre alinhado com a justiça tributária” e pode ter aberto brechas “em padrões éticos e morais”.

Margrethe Vestager, comissária da União Europeia para a Concorrência, disse que sua equipe analisará as práticas fiscais reveladas pelo ICIJ. “Vamos examinar e avaliar se isso irá ou não resultar na abertura de novas investigações”, afirmou.

O blog está no Google+, Twitter e Facebook.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>