Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Maitê Proença

Celebridades estão relacionadas a contas no HSBC na Suíça
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Fernando Rodrigues

Claudia Raia, Marília Pêra, Francisco Cuoco e Roberto Medina, entre outros, estão nos arquivos

Jorge Amado e Tom Jobim, que já morreram, também aparecem no SwissLeaks

Maioria dos citados já recebeu incentivos públicos por meio de leis de fomento

Arte/Folhapress

Edson Celulari, Claudia Raia, Andrucha Waddington, Marilia Pêra, Maitê Proença e Hector Babenco

Nomes da cultura nacional, ligados a música, TV, cinema e literatura, estão na lista dos 8.667 brasileiros relacionados a contas numeradas –cujos donos são identificados apenas por um código– na agência de “private bank” do HSBC em Genebra, na Suíça. Os dados dos arquivos se referem a 2006 e 2007, embora algumas contas já estivessem encerradas nessa época.

Num trabalho de reportagem do UOL em parceria com o jornal “O Globo”, os citados foram todos procurados e disseram não ter contas no HSBC no momento ou não ter cometido qualquer irregularidade.

A investigação mostra também que há casos de personalidades que receberam dinheiro público para desenvolver atividades artísticas por meio de leis de fomento –como a Lei Rouanet e o Fundo Nacional de Cultura. Mas não é possível nem correto fazer uma conexão entre o dinheiro captado e os recursos que eventualmente circularam nas contas bancárias na Suíça.

Os arquivos da filial do HSBC em Genebra foram extraídos em 2008 por Hervé Falciani, que era técnico de informática do banco. Os dados foram obtidos em 2014 pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos, com sede em Washington, nos EUA, que firmou parceria com o jornal francês “Le Monde” para investigar o caso, conhecido como SwissLeaks. No Brasil, UOL e “Globo” fazem a apuração com exclusividade.

Os dados do HSBC em Genebra indicam que registros de quatro membros da família de Jorge Amado (1912-2001) na instituição. Além do escritor, aparecem na lista sua mulher Zélia Gattai (1916-2008), e os dois filhos: a editora gráfica Paloma e o escritor João Jorge.

Os quatro integrantes da família Amado foram titulares da conta 30351 TG, aberta em 25 de janeiro de 2001 e encerrada em 25 de março de 2003.

Em Salvador, a Fundação Casa de Jorge Amado funciona com apoio do Ministério da Cultura. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, de 2009 a 2012, a entidade recebeu do Fundo Nacional de Cultura R$ 557 mil e captou R$ 622 mil via Lei Rouanet, embora no site do Ministério da Cultura apareça um valor menor captado, de R$ 622 mil.

A Lei Rouanet permite a empresas financiarem projetos culturais e deduzir 100% do valor gasto do seu Imposto de Renda, até o limite de 4% do imposto devido.

Abaixo, os dados das contas no HSBC relacionadas a celebridades (clique na imagem para ampliar):

tabela2

O cineasta Andrew Waddington, mais conhecido como Andrucha, também é listado como dono de uma conta numerada no banco suíço. Sócio da produtora Conspiração Filmes, ele aparece nos registros dividindo uma conta com seu irmão Ricardo Waddington, que hoje é diretor da TV Globo. Em 2006/2007, a conta dos dois não tinha saldo.

Andrucha e Ricardo Waddington foram titulares da conta 14870 HW, aberta em 7 de março de 1997 e encerrada em 31 de janeiro de 2000.

A Conspiração Filmes, de Andrucha, captou R$ 13,4 milhões, conforme dados do Ministério da Cultura. O dinheiro foi liberado para projetos como “Taça do Mundo é Nossa Casseta & Planeta O Filme”, “Matador” e “Eu Tu Eles”.

O cineasta Hector Babenco aparece relacionado à conta 1683 JM, aberta em 25 de abril de 1988 e encerrada em 6 de janeiro de 1992. Sua produtora, a HB Filmes, já captou R$ 16,2 milhões para trabalhos como o filme “Carandiru” e a peça de teatro “Hell”.

A atriz Claudia Raia, segundo os registros do HSBC, teve uma conta na agência de Genebra, número 34738 ZES, de 3 de maio de 2004 a 5 de novembro de 2006. Era um depósito em conjunto com seu então marido, o também ator Edson Celulari. Eles se separaram em 2010. Na época em que os dados foram extraídos do banco, em 2006/2007, a conta tinha um saldo de US$ 135 mil.

Cláudia Raia, por meio de suas duas empresas denominadas “Raia Produções”, captou, de 2009 a fevereiro de 2015, um total de R$ 7,4 milhões via Lei Rouanet para os musicais “Pernas pro Ar”, “Charlie Chaplin” e “Raia 30 Anos”. A responsável pela produtora é a irmã de Cláudia, Maria Olenka de Fátima Motta Raia.

Já Edson Celulari, por meio da Cinelari Produções Artísticas, captou de 1997 a 2012 R$ 2,6 milhões para as peças “D. Quixote de lugar nenhum”, “Fim do jogo”, “Nem um dia se passa sem notícias suas” e “Dom Juan”.

Na tabela abaixo, o valores captados via Lei Rouanet pelos artistas brasileiros citados no SwissLeaks. As imagens foram extraídas do sistema SalicNet, do Ministério da Cultura:

ArteO nome do ator Francisco Cuoco também está entre os correntistas na Suíça. Ele aparece relacionado a uma conta no HSBC da Suíça, de número 25403 ZFG, aberta em 11 de setembro de 1994 e ainda ativa em 2006/2007, com saldo de US$ 116 mil.

Cuoco já atuou em peça patrocinada em 2009 pela estatal Eletrobrás, a “Deus é química”, escrita por Fernanda Torres. Em 2011, também estrelou “Três Homens Baixos” em festival com apoio da Lei Rouanet.

E ainda há mais duas atrizes nos arquivos do HSBC: Marília Pêra e Maitê Proença.

Marília Pêra está relacionada a depósitos no HSBC da Suíça por meio da conta 25570 ZGM, aberta em 22 de fevereiro de 1999 e ativa em 2006/2007. À época, o saldo era de US$ 834 mil.

A empresa da atriz, a Peramel Produções Artísticas, captou R$ 100 mil via Lei Rouanet para montar e divulgar a peça “A filha da…”, com a própria Marília em cartaz, que estreou em 2002.

A atriz Maitê Proença está nos arquivos do SwissLeaks vinculada à conta 15869 HP, aberta em 17 de abril de 1990 e ativa em 2006/2007, quando os dados foram extraídos do HSBC. O saldo era de US$ 585 mil.

Sua empresa, a M. Proença Produções Artísticas, captou R$ 966,9 mil via Lei Rouanet para as peças “Achadas e Perdidas”, “Isabel”, “A Beira do Abismo me Cresceram Asas” e “As Meninas”.

Maitê envolveu-se em uma polêmica por causa de duas pensões recebidas do governo do estado de São Paulo no valor total aproximado de R$ 17 mil mensais, deixadas por seus pais, o procurador de Justiça Carlos Eduardo Gallo e a professora Margot Proença, mortos em 1989 e 1970, respectivamente.

Maitê recebe o benefício porque nunca se casou oficialmente, no papel. Ela teve as pensões cortadas no final de 2009 por decisão da SPPrev (São Paulo Previdência). O governo alegou que a atriz não podia mais ser considerada filha solteira de Carlos e Margot, pois manteve vida conjugal com o empresário Paulo Marinho, com quem viveu por 12 anos e teve uma filha. Para a SPPrev, sua união estável deveria ser equiparada ao casamento.

Maitê recorreu à Justiça. Em 2010, conseguiu restabelecer o pagamento das pensões. Em 2013, a atriz defendeu o recebimento do benefício e afirmou ao UOL que a pensão era um “direito adquirido”.

Jô Soares está no acervo de dados vazado do HSBC identificado como “acteur, journaliste, écrivain & animateur de télévision sur chaînes TV au Brésil” (ator, jornalista, escritor e animador de televisão em canais de TV no ​​Brasil). Apresentador do “Programa do Jô”, de entrevistas, ele aparece relacionado a 4 contas no HSBC de Genebra, todas já encerradas em 2006/2007. A de número 33540 GG, aberta em 5 de março de 2001 e fechada em 17 de janeiro de 2003, a 23940 AM, aberta em 9 de janeiro de 1998 e fechada em 29 de outubro de 2002, a 1514 GG, aberta em 4 de novembro de 1988 e fechada em 25 de março de 1997, e a 1642 GG, aberta em 21 de fevereiro de 1997 e fechada em 10 de março de 2001.

O músico Tom Jobim (1927-1994) e sua última mulher, Ana Lontra Jobim, também estão relacionados a contas no HSBC da Suíça. Ana manteve uma conta conjunta com Tom, número 20282 AC, de 23.dez.1993 a 7.jun.1995.

Ana também manteve outras 2 contas relacionadas a seu nome. A número 23015 AB, de 2.set.1995 a 14.fev.1996, e a conta 23082 AB, de 1.dez.1996 a 23.ago.2005. A Fundação Tom Jobim já captou R$ 1,7 milhão via Lei Rouanet. O dinheiro foi aplicado em eventos como a exposição Tom Jobim – Música e Natureza.

Arte/Folhapress

Jorge Amado e Zélia Gattai, em foto de 1994, e Tom Jobim e Ana Lontra, retratados em 1988

O publicitário e empresário Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio, aparece ligado à conta 7853 MA, aberta em 16 de janeiro de 1990 e fechada em 5 de setembro de 2000 no HSBC. Conforme informações do Ministério da Cultura, a empresa Rock World captou R$ 13,6 milhões para a realização do Rock in Rio 2013 e 2015.

Com exceção de Jô Soares e de Ricardo Waddington, os artistas e intelectuais listados nas planilhas do HSBC de Genebra receberam dinheiro público para realizar seus trabalhos.

É legal ter contas na Suíça?
Ter uma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja declarada à Receita Federal. Os titulares também devem informar ao Banco Central quando o saldo for superior a US$ 100 mil.

Correção em 25.mar.2015 às 22h: A versão inicial desta reportagem informou que a Fundação Casa de Jorge Amado havia captado R$ 1,2 milhão pela Lei Rouanet e R$ 477 mil pelo Fundo Nacional de Cultura. Os dados haviam sido fornecidos pela assessoria de imprensa do Ministério da Cultura, que se corrigiu na 3ª feira (24.mar.2015). Segundo a pasta, a fundação captou R$ 622 mil via Lei Rouanet e R$ 557 mil pelo fundo.

Participam da apuração da série de reportagens SwissLeaks os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion (do UOL) e Chico Otavio, Cristina Tardáguila e Ruben Berta (do jornal “O Globo”).

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Fernando Rodrigues

As celebridades citadas nas planilhas do HSBC e localizadas pelo UOL e pelo jornal “O Globo” negaram ter conta no banco suíço ou afirmaram que suas operações financeiras foram realizadas dentro da lei.

Paloma Amado afirma que seu pai, Jorge Amado, morou na França e abriu uma conta em Nova York para receber o direito autoral arrecadado fora do Brasil.

“Quando [ele] foi aos Estados Unidos para o lançamento do livro ‘Tocaia Grande’, levou nossa mãe [Zélia] até ao banco e transformou a conta em conjunta, pois tinha medo de que, com sua morte, o dinheiro ficasse bloqueado”, escreveu Paloma num e-mail, compartilhado com o irmão, João Jorge. Segundo ela, os dois também estiveram com os pais na agência do HSBC nos EUA quando a conta de Jorge Amado passou a ser compartilhada pelos quatro da família.

Paloma prossegue: “Quando ele ficou doente, ligaram do banco avisando que, pela legislação americana, em caso de morte do titular da conta, ela ficaria bloqueada até o encerramento da sucessão, quando o tesouro americano cobraria um imposto de transmissão altíssimo”. Num outro trecho da mensagem, escrito por João Jorge, vem a conclusão: “Para evitar isso [a cobrança de um imposto de transmissão altíssimo], nosso pai deveria transferir sua conta para um país que tinha normas mais favoráveis à família. No caso da Suíça, papai seria titular, mamãe, Paloma e eu, beneficiários em caso de falecimento, o que de fato aconteceu em meados de 2001”.

No e-mail enviado ao jornal “O Globo”, Paloma afirmou ainda que a conta foi encerrada logo após a morte de Jorge, em 2003, e que as declarações de Imposto de Renda feitas por ele na época “foram guardadas pelo prazo legal de 5 anos e depois destruídas”.

Jô Soares disse ter ficado espantado com sua presença nas planilhas do HSBC suíço, mas confirmou que os dados como nome completo e data de nascimento, listados no documento, coincidem com os seus. Jô afirmou que era correntista do HSBC de Nova York e disse que todas as transações foram devidamente declaradas às autoridades fiscais.

O apresentador também afirmou que nunca foi informado sobre qualquer operação do banco com a filial suíça e que desconhece as duas entidades relacionadas a ele nos arquivos do HSBC: a Lequatre Foundation e a Orindale Trading.

Por meio de suas assessorias de imprensa, Ricardo Waddington e Hector Babenco disseram que nunca tiveram conta no HSBC. Maitê Proença afirmou, por e-mail, que está em meio a uma série de gravações e que não tem conta no banco suíço.

Roberto Medina afirmou, também pela assessoria, que é correntista do HSBC no Brasil, mas nunca teve conta em Genebra.

Francisco Cuoco e Marília Pêra foram procurados por meio do escritório Montenegro e Raman, que os representa, mas a assessora responsável por ambos não respondeu aos pedidos de esclarecimentos até a conclusão deste texto.

Claudia Raia foi procurada por e-mail e telefone por intermédio de sua assessoria de imprensa, mas também não respondeu. A reportagem tentou localizar Edson Celulari via departamento de comunicação da TV Globo, mas não obteve sucesso.

Ao longo da semana, o “Globo” enviou diversos e-mails a Andrucha Waddington, solicitando sua posição sobre o assunto. Ele também não se posicionou.

Na 4ª feira (18.mar.2015) e na 5ª feira (19.mar.2015), o UOL entrou em contato por e-mail e telefone com a Jobim Music, o Instituto Tom Jobim e a secretária de Ana Lontra Jobim. Também deixou recado na residência da viúva de Tom Jobim, que não respondeu os questionamentos.

CLAUDIA RAIA SOLTA NOTA OFICIAL
A atriz Claudia Raia publicou uma “nota de esclarecimento” em 23.mar.2015, às 19h, na sua conta no Instagram. Ela declara que a conta que manteve na Suíça era uma “reserva pessoal” e com os “devidos impostos recolhidos”. Não fica claro se a conta no HSBC de Genebra foi declarada à Receita Federal nem se o valor foi informado ao Banco Central, como determina a lei.

Eis a íntegra da nota da atriz Claudia Raia:

“Em relação a matéria “Lista de correntistas do HSBC…” publicada hoje, venho informar que a conta citada – encerrada em 2006- continha um dinheiro que era uma reserva pessoal, fruto de muito trabalho, com seus devidos impostos recolhidos.
Sobre a associação leviana e irresponsável que a matéria tenta fazer entre a existência dessa conta e a captação de recursos para meus espetáculos musicais através da Lei Rouanet, gostaria de afirmar que sempre realizei corretamente a rígida e transparente prestação de contas exigida pela Lei- nunca houve nenhum tipo de dúvida sobre isso. Essas contas inclusive estão disponíveis no órgão competente para qualquer tipo de consulta.
Sou uma empresária e produtora cultural que luta há 30 anos para levar espetáculos de qualidade à população brasileira, gerando empregos e capacitando profissionais no país. Não há o menor cabimento associar um antigo investimento pessoal meu a valores de captação para produções culturais realizadas por mim.
Entendo a importância da investigação dos casos de corrupção que vêm assombrando nosso país e assim como todos os brasileiros torço para que os culpados sejam punidos.”

Participam da apuração da série de reportagens SwissLeaks os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion, do UOL, e Chico Otavio, Cristina Tardáguila e Ruben Berta, do jornal “O Globo”.

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