Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : PanamaPapers

Coaf detecta “movimentação atípica” de apenas 31 citados nos Panama Papers
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Fernando Rodrigues

Transações financeiras foram alvo de relatórios do Coaf

Coaf não conseguiu identificar 26 contribuintes citados

Órgão ligado ao Ministério da Fazenda não repassa nomes

Número de casos indica possível incapacidade de apuração

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Barras de ouro com o logo do banco suíço UBS

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou movimentações financeiras atípicas de pelo menos 31 pessoas e empresas mencionadas na série de reportagens dos Panama Papers.

As informações são do repórter do UOL André Shalders.

Transações bancárias desses 31 contribuintes caíram numa espécie de  “malha fina” do Coaf. Consideradas suspeitas, foram descritas em Relatórios de Inteligência Financeira (os chamados RIFs) e encaminhadas à Receita Federal, ao Ministério Público Federal, ao Banco Central e à Polícia Federal.

O Coaf informou ao Blog que não conseguiu relacionar os nomes de 26 pessoas e empresas citadas com nenhum CPF ou CNPJ.

Os números mencionados pelo Coaf são modestos. Podem indicar uma incapacidade do órgão de fazer as checagens devidas. Por exemplo, o UOL revelou em 3 de abril de 2016 que os Panama Papers revelaram a existência de, pelo menos, 107 empresas offshore ligadas a personagens da Lava Jato –firmas que até aquele momento não tinham sido mencionadas pelos investigadores brasileiros que cuidam das investigações relacionadas ao escândalo da Petrobras.

Em 4 de abril de 2016, o UOL revelou que os Panama Papers mostravam empresas offshore relacionadas a políticos brasileiros e seus familiares com ligação às seguintes siglas: PDT, PMDB, PP, PSB, PSD, PSDB e PTB.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung. O material está em investigação há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

No Brasil, os bancos são obrigados a informar ao Coaf sobre qualquer transação bancária de alto valor. Movimentações de quantias superiores a R$ 100 mil em dinheiro vivo também precisam ser relatadas, bem como operações que estejam discrepantes do histórico dos clientes. A maioria não indica a existência de irregularidade. Mas algumas caem na “malha fina” e são checadas por técnicos do Coaf.

NO SWISSLEAKS, FORAM 50 CASOS
O Coaf também realizou esse tipo de apuração após a publicação da série de reportagens SwissLeaks, baseada em informações do banco HSBC da Suíça. Na época, foram encontrados “indícios de ilícitos” relacionados a 50 dos 126 brasileiros cujos nomes foram divulgados na série. Conheça os detalhes aqui.

A MANIFESTAÇÃO DO COAF
Leia abaixo a íntegra da manifestação do Coaf sobre o assunto, encaminhada ao Blog por meio do Ministério da Fazenda:

“As informações que foram veiculadas pela imprensa a partir de abril deste ano divulgaram 80 nomes de pessoas físicas e/ou jurídicas, dos quais 54 identificou-se CPF ou CNPJ e 26 não foi possível identificar CPF. Em relação a esses nomes, o COAF, no âmbito de sua atuação, incluiu na sua base de pesquisa como fonte de mídia. Ainda dentro de suas competências, os casos identificados pelo COAF com alguma atipicidade e passíveis de comunicação, foram comunicados às autoridades competentes.

Dos 54 CPF/CNPJ identificados, 31 constaram em Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) desde a criação do COAF até os dias de hoje”.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

Leia tudo sobre os Panama Papers

O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participaram da série Panama Papers no Brasil os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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Bahamas Leaks revelam 175 mil offshores em paraíso fiscal do Caribe
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Fernando Rodrigues

Vazamento maciço foi publicado nesta 4ª feira pelo ICIJ

Líderes políticos de vários países têm ligação com offshores

Banco de dados online está aberto e disponível para consulta

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Banco de dados revela 1,3 milhão de documentos sobre offshores nas Bahamas

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês) começou a publicar nesta 4ª (21.set) uma série de reportagens sobre empresas registradas no paraíso fiscal das Bahamas no período de 1990 a 2016.

Os dados foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados com veículos de todo o mundo. O acervo, de 38 gigabytes, contém 1,3 milhão de documentos sobre mais de 175 mil offshores.

Os documentos revelam uma rede de empresas offshore de líderes do cenário político mundial. Entre os nomes encontrados estão:

Diferentemente dos Panama Papers (leia tudo sobre a série aqui), o acervo do Bahamas Leaks não inclui e-mails ou contratos relacionados a essas companhias nem indica quem são os seus beneficiários finais. A base de dados dos Bahamas Leaks está disponível aqui.

Estão disponíveis os nomes de 25 mil administradores e funcionários nomeados para controlar essas empresas. Somado aos Panama Papers, o ICIJ encontrou nos 2 paraísos fiscais 500 mil offshores ligadas a 200 países. Há casos de brasileiros no acervo dos Bahamas Leaks. Serão conhecidos em breve.

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Peemedebista comprou helicóptero por meio de offshore, mostra Lava Jato
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Fernando Rodrigues

Documento apreendido é de Renata Pereira Britto, da Mossack

Caso envolve deputado Newton Cardoso Jr, do PMDB de Minas

Operação financeira nos EUA foi revelada pelos Panama Papers

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O deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG)

Uma planilha apreendida pela operação Lava Jato mostra que o deputado federal Newton Cardoso Jr (PMDB-MG) usou uma empresa offshore sediada em Nevada (EUA) para comprar e vender um helicóptero.

Trata-se de um documento em formato digital, apreendida pela Lava Jato durante a fase Triplo X (deflagrada em 27.jan.2016). O documento estava com Renata Pereira Britto, funcionária da firma panamenha Mossack Fonseca no Brasil. Ela chegou a ser presa na Triplo X, e foi liberada 5 dias depois.

As informações são do repórter do UOL André Shalders.

Na semana passada, Renata e os outros funcionários da Mossack no Brasil foram indiciados pela PF.

O documento é uma carta de cobrança (“invoice”). A data é 12.fev.2013, quando o helicóptero foi vendido pela Cyndar Management LLC, a offshore registrada em nome de Newton Cardoso, para a IF Construções e Participações. Esta última empresa pertence a Inácio Franco, deputado estadual pelo PV de Minas Gerais.

Eis o documento apreendido pela PF. Os destaques em vermelho foram feitos pelos investigadores (clique na imagem para ampliar):

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O documento apreendido pela PF com Renata Pereira

A existência da offshore controlada por Newton Cardoso e a compra do helicóptero foram reveladas pela série Panama Papers em reportagem publicada no dia 4.abr.2016. O trabalho jornalístico é citado na investigação da Lava Jato.

“Nesse lastro, a análise das informações encontradas na mídia digital reforça o cenário investigativo ao desvendar uma planilha eletrônica referente à compra, em tese, desse mesmo helicóptero apontado pela equipe do Panama Papers”, escreveu o perito da PF. Leia a íntegra da análise da PF aqui.

Newton Cardoso não foi alvo da fase Triplo X, e nem é mencionado no relatório final da PF sobre a operação. Como os próprios policiais escrevem ao fim da análise, “a simples menção a nomes e/ ou fatos contidos neste relatório, por si só, não significa o envolvimento direto ou indireto dos citados em eventuais delitos objetos da investigação”.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung. O material ficou em investigação por cerca de 1 ano. Participaram do trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

HELICÓPTERO E FLAT EM LONDRES
Papéis da Mossack Fonseca, analisados para a série Panama Papers, mostraram tanto Newton Cardoso Jr. quanto seu pai, o ex-governador de Minas Newton Cardoso, utilizaram offshores em transações no exterior.

A Cyndar Management LLC, pertencente a Newton Jr, foi criada em 2007, no Estado americano de Nevada. Trocas de e-mails encontradas no acervo da Mossack Fonseca mostram que o objetivo da empresa era comprar um helicóptero, no valor de US$ 1,9 milhão (valores da época).

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Documentos de incorporação da Cyndar Manament, de Newton Jr.

O helicóptero é da marca Helibrás, modelo Esquilo AS350 B-2. Tem capacidade para 5 passageiros e autonomia de 3h de voo. Foi comprado de outra offshore, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. O equipamento foi arrendado à Companhia Siderúrgica Pitangui, de propriedade da família Cardoso, no fim de 2007.

A companhia continua ativa, segundo o registro da Mossack Fonseca. Em 2011, Cardoso decidiu vender a aeronave, o que acabou acontecendo só em 2013. O preço acertado foi de US$ 1 milhão. Como a aeronave foi vendida antes da 1ª disputa eleitoral de Newton Cardoso Jr, este não tinha necessidade de declará-la ao TSE.

Já Newton Cardoso, o pai, adquiriu uma offshore em out.1991, quando ainda era governador de Minas Gerais. A Desco Trading Ltd. foi usada para comprar um flat em Londres em jul.1992, pouco depois de Newton deixar o governo de Minas Gerais. O valor à época: 1,2 milhão de libras. Esse montante hoje (abril de 2016) convertido em reais equivaleria a aproximadamente R$ 6,3 milhões.

Documentos da Desco Trading mostram que o objetivo da companhia era receber aluguéis. Os valores deveriam ser depositados numa conta no Lloyds Bank de Londres.

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Documento da Desco Trading, de Newton Cardoso (pai)

OUTRO LADO
O deputado Newton Cardoso foi procurado pessoalmente e por meio da assessoria de imprensa na última 6ª feira (19.ago). Ele nega qualquer irregularidade.

Por meio da assessoria de imprensa, repetiu a mesma manifestação emitida quando da 1ª reportagem sobre o assunto. Disse ter recebido com “surpresa” as informações. Newton Cardoso Jr. “nega com veemência a existência de qualquer empresa offshore em seu nome ou mesmo de seu pai, o ex-deputado Newton Cardoso”.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

Leia tudo sobre os Panama Papers

O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participam da série Panama Papers no Brasil na investigação sobre esportes os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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PF conclui relatório da fase Triplo X e indicia dona do tríplex do Guarujá
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Fernando Rodrigues

Ex-presidente Lula e familiares não estão no indiciamento

Leia aqui a íntegra do relatório final da PF na fase “Triplo X”

Empregados da Mossack Fonseca no Brasil foram indiciados

Para PF, Mossack era “organização criminosa transnacional”

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O Condomínio Solaris, no Guarujá (SP)

A Polícia Federal entregou à Justiça na 6ª feira (12.ago) o relatório final sobre a fase Triplo X da Lava Jato, deflagrada em 27.jan.2016. Foram indiciados a publicitária Nelci Warken (que admitiu ser a verdadeira dona de um tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá) e funcionários da Mossack Fonseca no Brasil.

As informações são do repórter do UOL André Shalders.

O relatório final da PF foi tornado público pelo juiz Sérgio Moro no final da tarde de hoje (18.ago). Leia a íntegra aqui.

Além de Nelci, são arroladas Maria Mercedes Riaño (chefe do escritório da Mossack no Brasil), Luis Fernando Hernandez, Rodrigo Andrés Cuesta Hernandez, Ricardo Honório Neto e Renata Pereira Britto, que trabalhavam para a Mossack. Também é indiciado o empresário Ademir Auada, que intermediava negócios para a Mossack.

O ex-presidente Lula e seus familiares não foram indiciados. A real propriedade do apartamento do Guarujá, porém, é apurada em uma investigação à parte. A defesa do ex-presidente pediu a Sérgio Moro acesso à essa apuração na tarde de hoje (18.ago). Ainda não há decisão.

A Mossack Fonseca se tornou conhecida no Brasil após a divulgação da série jornalística Panama Papers, em abril deste ano. A série baseou-se em um acervo de 11,5 milhões de documentos internos da Mossack, obtido pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e compartilhado com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). No Brasil, participaram da apuração o UOL, o jornal “O Estado de S. Paulo” e a “RedeTV!”.

“ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA TRANSNACIONAL”
No documento de cinco páginas, a PF descreve a Mossack Fonseca como uma “organização criminosa de caráter transnacional, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, voltada para a prática do crime de lavagem de dinheiro”.

“As diligências efetuadas revelaram que a atividade principal da Mossack guardava relação com a abertura de empresas offshore, de forma a ocultar seus verdadeiros sócios e responsáveis. Nesse sentido, todos os que trabalhavam na empresa tinham plena ciência de que atuavam em um mercado voltado à demanda do trânsito de valores e bens de origem suspeita e duvidosa. Por tal motivo, foram indiciados como incursos no art. 1, par. 2º, inciso II da Lei 9.613/98”, diz outro trecho do relatório. A lei mencionada é a que trata de lavagem de dinheiro.

PANAMA PAPERS
A investigação jornalística dos Panama Papers é citada em vários momentos nos relatórios produzidos pela Polícia Federal. Em alguns trechos, os peritos da Polícia utilizaram-se de reportagens para analisar documentos apreendidos na sede da Mossack Fonseca e na casa das pessoas que foram alvo da fase Triplo X.

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Trecho de reportagem do Blog reproduzido em relatório da PF

P.S. (em 22.ago.2016 às 19h40) – Como informa a reportagem, as supostas irregularidades envolvendo o ex-presidente Lula continuam sob apuração em outro procedimento de investigação, que também tramita na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba (PR).

Nelci Warken admitiu ser a verdadeira dona de um tríplex (o 163-B), que estava em nome de uma empresa offshore. Já o tríplex atribuído à família do ex-presidente Lula é o 164-A, no mesmo edifício.

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Esquemas com offshores custam bilhões de dólares à África por ano
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Fernando Rodrigues

Mossack Fonseca criou 37 offshores envolvidas em escândalos

Offshores da Mossack operam em 44 dos 54 países da região

Informações estão no banco de dados dos Panama Papers

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Casas ao pé de uma montanha de cascalho de mineração em Koidu, Serra Leoa

Por Will Fitzgibbon, do ICIJ

Levantamento conduzido pelo ICIJ identificou pelo menos 37 offshores criadas ou operadas pela Mossack Fonseca que já foram mencionadas em investigações e processos judiciais sobre recursos naturais na África.

A análise feita pelo ICIJ nos arquivos internos da Mossack Fonseca mostra que a firma panamenha é uma das principais fornecedoras de offshores para a indústria extrativista no continente africano.

Os arquivos incluem mais de 1.400 offshores cujos nomes trazem as palavras “mineração”, “minerais”, “petróleo”, “óleo” e “gás”. Além disso, há offshores com nomes menos explícitos relacionadas ao setor.

Este texto é uma adaptação abreviada do original. Acesse aqui o material na íntegra, em inglês. O ICIJ também publica hoje outros 3 textos da série PanamaPapers sobre o continente africano. Leia tudo aqui.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o ICIJ. O material foi investigado por mais de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a “RedeTV!”.

Os arquivos da Mossack revelam offshores que operavam em 44 dos 54 países africanos. Parte delas são controladas por políticos, seus familiares e sócios. Recursos minerais que se formaram abaixo da superfície durante milhões (ou bilhões) de anos são negociados por empresas de fachada com apenas alguns meses de vida.

Não é incomum surgirem indícios de pagamento de propina em contratos de empresas de petróleo, gás, diamantes, ouro e outros recursos naturais. De acordo com especialistas, contratos suspeitos nessas áreas costumam ser organizados com a ajuda de contas bancárias escondidas e empresas em paraísos fiscais.

“Uma empresa pode fechar um acordo lucrativo na área porque os donos são bem relacionados politicamente ou porque estão dispostos a participar de esquemas questionáveis. O objetivo é gerar lucro rápido para poucos, ao invés de beneficiar a sociedade de forma mais ampla”, diz Fredrik Reinfeldt, ex-primeiro-ministro da Suécia e hoje chefe da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativistas (Extractive Industries Transparency Initiative, no original em inglês).

“Empresas anônimas tornam mais difícil evitar a lavagem de dinheiro e a corrupção ao permitir que criminosos escondam-se atrás de uma cadeia de companhias, muitas vezes registradas em múltiplas jurisdições”, continua Reinfeldt.

A Mossack Fonseca também criou ou gerenciou pelo menos 27 subsidiárias da AngloGold Ashanti, uma das maiores empresas de extração de ouro do mundo. À reportagem, a AngloGold disse obedecer as normas tributárias. Disse que suas offshores viabilizaram investimentos e permitiram “mitigar os efeitos da bi-tributação [quando dois impostos diferentes são cobrados sobre o mesmo bem ou serviço]”.

A Argélia possui a 2ª maior reserva de petróleo da África. De 2003 a 2014, o país perdeu em média US$ 1,5 bilhão por ano com propinas, evasão fiscal e corrupção, segundo um levantamento da organização Global Financial Integrity. As Nações Unidas estimam que a corrupção custe à África cerca de US$ 50 bilhões por ano.

PROPINODUTO NA ARGÉLIA
Quando não estava à bordo de seu iate, Farid Bedjaoui gostava de se hospedar no hotel Bulgari, em Milão. O estabelecimento ocupa um palácio restaurado do século XVIII, entre o jardim botânico da cidade e o teatro La Scala. Em 5 anos, os gastos de Bedjaoui no hotel excederam US$ 100 mil.

No Bulgari, Bedjaoui reunia-se com autoridades do governo da Argélia e executivos da Saipem, gigante italiana do ramo de energia. Os encontros serviram para acertar o pagamento de mais de US$ 275 milhões em propinas, de acordo com testemunhas ouvidas por procuradores italianos que investigaram o caso. O objetivo: garantir à Saipem mais de US$ 10 bilhões em contratos de construção de oleodutos e gasodutos no norte da África.

De 2006 a 2009, a Saipem ­–que descreve a si própria como “uma das líderes mundiais” em extração de óleo e gás e na construção de dutos­– venceu 7 contratos para construir milhares de quilômetros de dutos e canais, além de refinarias. A infraestrutura foi projetada para processar até 100 mil barris de petróleo por dia.

Para repassar o dinheiro entre os países, Bedjaoui usou um grupo de empresas offshores, companhias sem sede ou funcionários, que só existem no papel e que geralmente estão sediadas em paraísos fiscais. Segundo os procuradores italianos, a rede de offshores permitiu que Bedjaoui mantivesse as transações em segredo.

Doze das 17 offshores ligadas a Bedjaoui foram criadas pela Mossack Fonseca.

Os investigadores italianos descreveram uma dessas companhias, a Minkle Consultants S.A, como um “duto de fluxos financeiros ilícitos” pelo qual passaram milhões de dólares. O dinheiro ia dos concessionários para um conjunto de pessoas cujas identidades ainda estão sendo reveladas. Para a investigação, Bedjaoui usou offshores para direcionar mais de US$ 15 milhões a sócios e familiares do então ministro da energia da Argélia.

As suspeitas em torno dos negócios de Bedjaoui com a Saipem vieram a público em 2013. Meses antes, a polícia canadense confiscou bens de Bedjaoui em Montreal. Ao mesmo tempo, um apartamento dele em Paris foi alvo de buscas por autoridades francesas. A França também confiscou um iate de 43 metros pertencente a Bedjaoui. Dentro do barco foram encontradas pinturas de Andy Warhol, Joan Miró e Salvador Dali.

O “propinoduto” internacional da Argélia é uma das dezenas de casos na África em que offshores da Mossack Fonseca foram usadas em negociações das indústrias de petróleo, gás e mineração e que resultaram em investigações sobre fraude fiscal, corrupção, danos ambientais e outros crimes.

OUTRO LADO
A Mossack Fonseca não quis comentar em detalhes a reportagem.

Disse ao ICIJ: “A nossa empresa, como muitas outras, oferece serviços notariais ao redor do mundo para clientes profissionais (como advogados, bancos e fundos de investimentos) que atuam como intermediários. Como agente registrador, a Mossack atua apenas na incorporação das empresas. Antes de aceitarmos prestar qualquer serviço para um cliente, conduzimos um rigoroso processo de devida diligência (due-diligence), que satisfaz e muitas vezes excede as normas locais de cada país”.

A Mossack Fonseca acrescenta que “preencher a papelada para ajudar na incorporação de uma empresa é muito diferente de estabelecer uma relação de negócios ou comandar de qualquer forma a atuação da empresa offshore, uma vez que esta é criada. Nós apenas incorporamos empresas. Todos reconhecem a importância desta atividade e sabem que ela é fundamental para que a economia global funcione de forma eficaz”.

A Saipem, a empresa italiana de energia, disse ao ICIJ estar “cooperando totalmente” com os procuradores. Afirmou ainda que “implementou significativas reformas gerenciais e administrativas”. Consultores externos avaliaram os registros da empresa, diz a Saipem, e “não encontraram evidência de pagamentos para servidores públicos argelinos no material analisado”.

Em fevereiro de 2016, uma subsidiária argelina da Saipem foi condenada em um tribunal local pelos crimes de fraude, lavagem de dinheiro e corrupção ao negociar com a estatal argelina de petróleo, a Sonatrach.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

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O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participam da série Panama Papers no Brasil na investigação sobre esportes os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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Parentes de Ricardo Magro adquiriram offshore com banco alvo da Lava Jato
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Fernando Rodrigues

Tio do empresário entra no foco da Lava Jato após 32ª fase

Ao todo, 44 offshores foram intermediadas pelo FPB Bank

Informações estão no banco de dados dos Panama Papers

Magro é amigo e ex-advogado do deputado Eduardo Cunha

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A refinaria de Manguinhos, no Estado do Rio de Janeiro

Familiares de Ricardo Magro, empresário investigado na Lava Jato e amigo do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são donos de 4 empresas offshores abertas pela Mossack Fonseca e intermediadas pelo FPB Bank, alvo da 32ª fase da Lava Jato, batizada de Caça Fantasma. A operação foi deflagrada em 7.jul.

O banco FPB Bank, sediado no Panamá, atuava no Brasil sem autorização do Banco Central. A instituição é uma das dezenas de intermediários que operavam a venda das offshores abertas pelo escritório brasileiro da Mossack. Ao todo, o FPB Bank esteve relacionada com negociações de 44 empresas offshores para clientes brasileiros. Este dado é inédito para a força-tarefa sediada em Curitiba.

Vários dos compradores das offshores mediadas pelo FPB Bank forneceram endereços em bairros nobres de Fortaleza (CE). De acordo com os registros da Mossack Fonseca, o relacionamento comercial com o FPB Bank teria começado em 16.out.2014.

As 4 offshores estão em nome de Ernesto dos Santos Andrade (tio de Ricardo Magro), de sua mulher, Elisabete Leal da Costa Andrade, e do filho do casal, Cristiano da Costa Andrade. As empresas em paraísos fiscais foram abertas em 2015. As informações aparecem no banco de dados da série jornalística Panama Papers.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o ICIJ. O material foi investigado por mais de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a “RedeTV!”.

Contexto: o FPB é apenas um entre as dezenas de intermediários que ofereciam os serviços da Mossack Fonseca a clientes interessados em adquirir uma empresa offshore. No jargão desse mercado, este tipo de atravessador é conhecido como “client”. Outros agentes com a mesma atuação do FPB já foram alvos da Lava Jato: é o caso do empresário Ademir Auada e do doleiro Roberto Trombeta.

O uso de offshores é legítimo e garantido pela lei brasileira desde que a empresa e os bens e valores controlados por ela sejam declarados à Receita Federal e tributados.

RICARDO MAGRO
Ex-advogado de Cunha e também ex-defensor de seu tio Ernesto na Justiça, Ricardo Magro foi preso temporariamente no dia 24 de junho na Operação Recomeço da PF. Ele é acusado de participar da fraude de R$ 90 milhões no fundo de pensão da Petrobras, o Petros, e no dos Correios, o Postalis. Este último caso envolveu a compra de créditos (debêntures) do Grupo Galileo.

Magro pagou R$ 4,4 milhões de fiança e foi solto. Atualmente, o empresário responde por fraude e estelionato em uma ação penal na Justiça Federal do Rio decorrente da operação.

Magro também é proprietário da Refinaria de Manguinhos, alvo de inúmeras denúncias na Justiça por suspeita de ser utilizada para um esquema de fraudes no ICMS. A empresa deve cerca de R$ 4 bilhões aos Estados do Rio, São Paulo e Paraná.

O nome de Ernesto, tio de Magro, também apareceu nas investigações sobre a refinaria. Ele era proprietário da TM Distribuidora de Combustíveis, empresa que teria se beneficiado de um regime especial de recolhimento de ICMS estabelecido pelo Estado do Rio em 2002.

SISTEMA FINANCEIRO PARALELO
As investigações, que agora devem se aproximar dos parentes de Magro, fazem parte de uma nova frente aberta pela Lava Jato com a Caça Fantasmas. O foco é um sistema bancário paralelo, estruturado no Brasil por bancos estrangeiros legalmente constituídos em seus países, que seria usado para lavagem de dinheiro.

O FPB Bank Inc, do Panamá – que pertence ao banqueiro brasileiro Nelson Noronha Pinheiro, ex-sócio do Pine -, o PKB, da Suíça, e o Carregosa, de Portugal, são investigados pela força-tarefa da Operação Lava Jato por suposto uso de “representações” clandestinas para captação de clientes interessados em abrir contas secretas em paraísos fiscais.

O esquema, segundo suspeita a força-tarefa, teria sido usado por doleiros e operadores de propinas para ocultar dinheiro da corrupção descoberta na Petrobras e sob investigação em outros órgãos como Ministério do Planejamento, Ministério dos Transportes, Eletrobras e Valec –alvos de apurações em desdobramentos da Lava Jato, como Custo Brasil, Saqueador, O Recebedor.

“O perfil do cliente é de alguém que quer esconder a origem de seu dinheiro, porque senão não procuraria uma instituição ilegal. Todos que procuravam o serviço sabiam da situação”, afirmou o delegado da Polícia Federal Rodrigo Sanfurgo, da equipe da Lava Jato, em Curitiba.

Apesar de ser uma instituição legalmente constituída no Panamá, o FPB Bank e seus representantes não tinham licença do Banco Central do Brasil para cuidar de contas e de movimentações financeiras no País. Tudo era realizado em empresas brasileiras registradas em nome dos representantes do banco, como a Minucia Assessoria e Consultoria Financeira de Valores Mobiliários. Sete pessoas ligadas a ela foram alvos de condução coercitiva, no dia 7.jul.2016.

Os representantes do banco tinham canal direto com o escritório da Mossack Fonseca, no Brasil. Alvo da investigação Panama Papers, a empresa panamenha é especializada em abertura de offshores (firmas de gaveta, com sede fora do País) e passou a ser investigada sob suspeita de servir para lavadores de dinheiro.

Em fevereiro, o escritório brasileiro da Mossack, em São Paulo, foi alvo de buscas na Lava Jato. Uma offshore criada pela firma panamenha era detentora de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, vizinho ao apartamento atribuído ao ex-presidente Lula, que chegou a adquirir uma cota do empreendimento, mas depois desistiu do negócio. A suspeita da Lava Jato é de que a offshore foi usada para ocultar patrimônio oriundo do esquema de corrupção na Petrobras.

Na ocasião, foi localizado um telefone criptografado para comunicação exclusiva entre seus funcionários e os representantes do FPB Bank. “Era um pacote completo porque a instituição financeira registrava as offshores, cuidava da parte gerencial da offshore, e ao mesmo tempo cuidavam da estruturação da conta fora do País para movimentar dinheiro”, explicou o delegado.

OUTRO LADO
A reportagem entrou em contato com os advogados de Ernesto dos Santos Andrade na última 5ª feira (21.jul). Foram encaminhados questionamentos sobre as offshores em nome de Ernesto e de seus familiares, mas ainda não houve resposta. Os advogados de Ricardo Magro não foram localizados.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

Leia tudo sobre os Panama Papers

O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participam da série Panama Papers no Brasil na investigação sobre esportes os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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Panama Papers vence prêmio global de jornalismo de dados
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Fernando Rodrigues

Premiação é concedida pela Global Editors Network

Investigação teve cerca de 400 jornalistas de 76 países
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A série Panama Papers recebeu ontem o principal prêmio internacional de jornalismo de dados, concedido pela Global Editors Network. O trabalho venceu na categoria “Investigação do Ano”.

Ao todo, participaram do processo de apuração 376 jornalistas de 109 veículos em 76 países. O material foi analisado ao longo de 1 ano. A força-tarefa de jornalistas debruçou-se sobre 11,5 milhões de arquivos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, especializado em abrir empresas offshore.

Os dados foram obtidos pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” por meio de uma fonte anônima e compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). No Brasil, participaram da investigação o UOL, o jornal “O Estado de S. Paulo” e a RedeTV!

No Blog, a série PanamaPapers resultou na publicação de 53 reportagens até o momento. Leia aqui todos os textos.

Na investigação, foram descobertas 107 offshores relacionadas à Lava Jato. Também foram encontradas várias empresas pertencentes a políticos e seus familiares. Offshores de diversos milionários brasileiros estavam nos arquivos, assim como de jornalistas e empresários da mídia.

A investigação identificou 214.844 pessoas jurídicas nos arquivos (entre offshores, fundações privadas, etc). Dessas, cerca de 1,7 mil pertencem a pessoas que informaram endereços no Brasil. A base de dados engloba o período de 1977 a dez.2015.

A análise das informações foi feita utilizando um algoritmo que permite confrontar a base de dados com planilhas de nomes. Conheça aqui os detalhes do processo de apuração.

No caso brasileiro, foram checados os seguintes grupos, entre outros:
– 551 pessoas que exerceram o cargo de deputado federal;
– 1.061 deputados estaduais eleitos;
– 1.404 juízes federais;
– 354 desembargadores;
– 30 mil servidores mais bem remunerados do Executivo federal;
– Todos os senadores e seus suplentes;
– Todos os diretores e ex-diretores da Petrobras;
– Citados e investigados nas operações Lava Jato, Zelotes e Acrônimo.

Possuir uma offshore não é ilegal desde que ela esteja devidamente declarada às autoridades e tenha seu patrimônio tributado. Saiba os detalhes aqui.

Participam da série Panama Papers no Brasil os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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Auditor-chefe da ANP é acionista de offshore dos Panama Papers
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Fernando Rodrigues

Certificados de ações e procurações ligam auditor-chefe a empresa no Panamá

Antonio Carlos Neves de Mattos afirma desconhecer qualquer empresa em seu nome

Evento da 13ª Rodada de Licitações da ANP realizado em 7.out.2015

Por José Roberto de ToledoDaniel Bramatti, Douglas Pereira e Rodrigo Burgarelli

O chefe da auditoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é citado nos Panama Papers como acionista único da offshore Ramelia Inc. –uma empresa de prateleira constituída pelo escritório Mossack Fonseca no paraíso fiscal do Panamá. Antonio Carlos Neves de Mattos aparece também como seu procurador plenipotenciário, autorizado a administrar a empresa, abrir e fechar contas bancárias, tomar empréstimos, comprar e vender em seu nome. Ele nega ter qualquer relação com a offshore.

Criada em 2007, a Ramelia Inc. foi vendida pela Mossack Fonseca ainda naquele ano, com a intermediação do Banco Safra Sarasin, de Luxemburgo. No princípio, as ações no valor de US$ 40 mil foram emitidas em quatro certificados ao portador. Mas, em 24 de novembro de 2015, passaram a ser nominais. Todos os 4 certificados passaram ao nome de Antonio Carlos Neves de Mattos, domiciliado à rua Maria Amalia, no Rio de Janeiro.

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Certificado que atribui ações da Ramelia Inc. a Antonio Carlos Neves Mattos

Embora seja inusual um funcionário público federal responsável por auditar empresas do setor de petróleo e combustível ser acionista de uma companhia em um paraíso fiscal, não há nada que o impeça de ser sócio de empresas –desde que declaradas ao Fisco. Porém, a lei 8.112, de 1990, proíbe os funcionários de “participar da gerência ou administração de sociedade privada”. Isso pode ser um problema para o chefe dos auditores da ANP.

Escrita em inglês, a procuração assinada pelos diretores da Ramelia Inc. indicados pela Mossack Fonseca em favor de Neves de Mattos explicita que o documento confere a ele poderes para agir individualmente “para gerenciar a corporação através de atos administrativos como tomar ou emprestar dinheiro, comprar produtos, mercadorias, ações e imóveis” entre outros bens e serviços. A lei 8.112, além de proibir a participação na gerência de empresas privadas, veda ao funcionário público “exercer comércio”.

A mais recente procuração em favor de Neves de Mattos –com validade de 5 anos– foi assinada em 15 de setembro de 2015 por Carmen Wong. Como sempre acontece com offshores criadas pela Mossack Fonseca, faz parte dos serviços prestados pelo escritório panamenho indicar diretores de fachada para constarem dos documentos da empresa. Wong é diretora de centenas de outras offshores, além da Ramelia Inc. Seu nome aparece 255 mil vezes nos documentos internos da Mossack Fonseca.

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Procuração assinada em 15 de setembro de 2015 que dá controle da Ramelia Inc. a Antonio Carlos Neves Mattos

A existência da Ramelia Inc. foi descoberta durante a análise dos cerca de 11,5 milhões de documentos resultantes do vazamento dos dados da Mossack Fonseca, que resultou na série Panama Papers, publicada pelo UOL. Os arquivos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) e mais de 100 veículos de mídia do mundo todo. No Brasil, a investigação é feita por UOL, Estado de S.Paulo e Rede TV!.

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Cópia do passaporte de Antonio Carlos Neves Mattos presente nos registros da Mossack Fonseca

Entre os documentos encontrados pela reportagem nos arquivos da Mossack Fonseca estão cópias dos certificados de ações e da procuração que lhe dá “power of attorney” sobre a Ramelia Inc. e uma reprodução do passaporte de Neves de Mattos, válido até outubro de 2016. Ter uma offshore não é ilegal. No entanto, a legislação exige que ela seja declarada à Receita Federal e ao Banco Central se houver remessa de recursos para o exterior. No caso de Neves de Mattos, apenas uma investigação oficial teria poderes para comprovar se houve ou não alguma ilegalidade

OUTRO LADO
O chefe da auditoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Antonio Carlos Neves de Mattos, afirmou que desconhece a existência de qualquer empresa offshore em seu nome. “Apesar de ter ciência que a simples propriedade de empresa offshore não é por si só ilícito, não possuo nenhuma associação a empresa offshore e independente disso sempre pautei minha vida e conduta com retidão, de forma totalmente compatível com a função que exerço na administração pública”, disse à reportagem.

Mattos diz morar em bairro de classe média e que seu estilo de vida e patrimônio – “devidamente declarado em meu Imposto de Renda” –são compatíveis com sua renda familiar. Segundo o Portal da Transparência, o salário bruto do auditor em abril deste ano foi de R$ 28.291,59. “Jamais aluguei ou possuí imóvel relacionado a empresas offshore, nem nunca possuí ou utilizei cartão de crédito de instituição financeira estrangeira. Tão pouco adquiri ou recebi bens de valores elevados, tais como objetos de arte, joias, carros luxuosos, etc. Também não possuo imóvel ou outras propriedades no exterior”, informou.

O auditor afirmou que é funcionário público de carreira concursado há 20 anos. “Em todos os cargos que exerci até a presente data, fui indicado exclusivamente por minhas qualificações técnicas e nunca exerci cargo do alto escalão da administração pública”. Ele não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre por que seu nome e passaporte aparecem nas trocas de e-mail dos funcionários da Mossack Fonseca.

A ANP, procurada pela reportagem, não respondeu se há irregularidade ou não no fato de auditor da agência ser acionista e procurador de offshore. A agência afirmou apenas que o servidor nega qualquer vinculação da sua pessoa à empresa.

Segundo o Ministério da Transparência (ex-Controladoria Geral da União), órgão ao qual Mattos é originalmente vinculado, “pode-se afirmar, em tese, que a existência de uma conta no exterior não configura, por si só, um ilícito, desde que observadas as normas tributárias e financeiras, bem como aquelas relacionadas à observância, pelo servidor público, das exigências previstas na Lei 8.112/90.” Essa lei estabelece que é proibido a funcionários “participar da gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”.

Segundo a ex-CGU, será necessária uma análise específica para verificar se houve utilização da empresa para benefício próprio em razão do cargo exercido. “Além disso, também seria necessária a avaliação quanto à real atuação do servidor como administrador da referida empresa. Em havendo indícios de comportamento indevido, o ministério atuará no sentido de fazer as investigações necessárias que o caso recomendar”.

Participaram da série Panama Papers os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

Saiba como foi feita a série Panama Papers

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O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

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Offshore panamenha “ressuscita” fundador do Maksoud Plaza
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Fernando Rodrigues

Documento foi validado 16 meses após morte do empresário

Data coincide com disputa em torno do espólio de Maksoud

Henry Maksoud morreu em 2014, aos 85 anos de idade

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Henry Maksoud no hotel fundado por ele em São Paulo, em 2003

Por José Roberto de Toledo e Fernando Scheller

O empresário Henry Maksoud (1929-2014) aparece “ressuscitado” nos registros da Mossack Fonseca e do banco J.Safra Sarasin. É isso o que revelam documentos inéditos da série Panama Papers.

Morto em abril de 2014, aos 85 anos, o fundador do hotel Maksoud Plaza e da construtora Hidroservice teve seu mandato de procurador plenipotenciário da companhia panamenha Rasway Corp renovado em setembro de 2015 pela diretoria da offshore.

A “ressureição” fiscal de Maksoud 15 meses após sua morte coincide com disputa judicial entre herdeiros do empresário pelo espólio.

O patrimônio deixado por Henry Maksoud é avaliado em cerca de R$ 500 milhões, e inclui o edifício no qual ainda funciona o Maksoud Plaza, hotel que foi referência de luxo em São Paulo nos anos 1980 e 1990.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o ICIJ. O material está em investigação há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

MAKSOUD E SEU ESPÓLIO
O empresário Henri Maksoud deixou muitas dívidas trabalhistas e com credores que reduziriam o valor do seu patrimônio. A herança é alvo de uma disputa –de um lado estão o neto e a segunda mulher do empresário e, de outro, os filhos Roberto e Cláudio Maksoud (leia mais abaixo).

Uma série de documentos encontrados pela reportagem entre os 2,6 terabytes de dados dos Panama Papers sugere intenção deliberada de “ressuscitar” o empresário morto há dois anos. A ação passou pelo banco de investimentos com sede em Luxemburgo e pela firma de advocacia panamenha especializada em paraísos fiscais.

maksoud-edit1Procurado, o J.Safra Sarasin não quis se pronunciar. Os dois lados da família dizem desconhecer quaisquer ações referentes à offshore. Nem confirmam se ela consta do inventário de Maksoud.

Típica empresa de prateleira (“shelf company”), a Rasway Corp foi criada pela Mossack Fonseca no Panamá e vendida em 2007 ao então Banque Safra de Luxemburgo (futuro J.Safra Sarasin).

Seus diretores são  pessoas ligadas à própria Mossack Fonseca.

Os donos não são identificados nominalmente, pois as ações da companhia são ao portador. Quem tiver os certificados de ações na mão controla a empresa, mas, para isso, precisa também de um “power of attorney” assinado pelos diretores-laranja da offshore.

Sem uma procuração válida, os beneficiários da offshore não conseguem movimentar as contas bancárias nem fazer quaisquer outras transações comerciais ou financeiras pela empresa.

A primeira procuração da Mossack para Maksoud poder administrar a Rasway e seus bens foi concedida em 11 de setembro de 2007, com validade de 3 anos. Em 2010, Carmen Wong (diretora de centenas de offshores criadas pela Mossack Fonseca) renovou a procuração do brasileiro até 11 de setembro de 2015. Quando esse dia chegou, entretanto, Maksoud não estava mais vivo.

Aí aparecem 3 documentos suspeitos nos registros da Mossack Fonseca. O primeiro deles é uma cópia da carteira de identidade de Henry Maksoud onde se lê um carimbo em francês (“copie conforme a l’original”) assinado e datado de 28 de agosto de 2015.

Ou seja, a cópia foi validada 16 meses após a morte do empresário. É praxe em qualquer atividade bancária a exigência de prova de vida dos beneficiários. Se o Safra Sarasin exigiu essa prova, comprou-a como lhe venderam –como mostra o segundo documento encontrado pela reportagem nos Panama Papers.

Dois dias depois da validação da cópia da carteira de identidade, o banco mandou carta ao escritório da Mossack Fonseca em Luxemburgo solicitando a renovação da procuração da Rasway Corp para Henry Maksoud agir sozinho pela empresa.

A carta foi recebida na Mossack em 4 de setembro. Em 11 dias, a nova diretora da Rasway, Jaqueline Alexander, assinou a terceira procuração de Maksoud, agora com validade até 11 de setembro de 2020. Faziam exatos 512 dias que ele morrera. Mas, para efeito dos negócios com a offshore, Maksoud estava vivo novamente.

Advogado de Henry Maksoud Neto e de Georgina Célia –a atual inventariante da herança e, portanto, responsável por sua administração–, Márcio Casado afirmou que o espólio desconhece a movimentação ocorrida após a morte do empresário.

maksoud-edit2“O espólio de Henry Maksoud não recebeu mandato de empresas no exterior e muito menos forneceu documentos a terceiros para que o fizessem. Temos não só a curiosidade, como o dever legal, de apurar as contas por vocês referidas e quem as está movimentando.”

Questionado sobre a ciência de Maksoud Neto e Georgina Célia sobre a offshore e sobre as declarações de Imposto de Renda que poderiam provar que a empresa era declarada no País, o advogado afirmou que não poderia repassar as informações. “Como o inventário tramita em segredo de Justiça, não posso responder a questões que digam respeito ao que está nele arrolado ou não.”

A reportagem ouviu outras fontes ligadas à família Maksoud. Elas afirmaram que Henry Maksoud possuía não apenas uma, mas diversas empresas no exterior, uma vez que a Hidroservice Engenharia, uma das empresas do grupo, atuava em diversos países.

Um dos filhos do empresário, Roberto Maksoud, disse apenas desconhecer especificamente a Rasway Corp., empresa alvo da movimentação “post mortem” por seu pai.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

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O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participam da série Panama Papers no Brasil os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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Família de Maksoud convive com disputa por herança e risco de perder hotel
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Fernando Rodrigues

Hotel que leva o nome do clã já foi leiloado judicialmente

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O hotel Maksoud Plaza, no centro de São Paulo

O reaparecimento de Henry Maksoud após sua morte como administrador de uma empresa no exterior é um novo capítulo na saga da família que fundou o hotel que ficou conhecido como um ícone do luxo paulistano.

Nos últimos anos, os Maksouds passaram a travar uma acirrada disputa familiar em relação à herança de seu patriarca. A família também corre o risco de perder o hotel que leva seu nome, que já foi leiloado –e arrematado– judicialmente.

A disputa relativa à herança põe em cantos separados pai e filho: no caso Henry Maksoud Neto e Roberto Maksoud. Um documento assinado pela avô deu ao neto os direitos sobre a herança.

No entanto, os filhos do primeiro casamento de Henry Maksoud, Roberto e Cláudio, afirmam que a assinatura é falsa e que o documento não tem valor legal –o que Maksoud Neto nega. Roberto e Cláudio brigam na Justiça para ter seus direitos como herdeiros restabelecidos.

Em relação à tentativa dos irmãos Cláudio e Roberto Maksoud de invalidar o testamento, o advogado Márcio Casado afirma que o documento foi “considerado válido e eficaz pela 5ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo, com decisão transitada em julgado.”

Outro imbróglio judicial envolve o hotel Maskoud Plaza. Em 2011, por causa de uma dívida trabalhista da Hidroservice, o imóvel –que é avaliado em cerca de R$ 400 milhões– foi a leilão judicial.

Os empresários Fernando Simões e Jussara Simões, da Júlio Simões Logística (JSL), arremataram o edifício como pessoas físicas. Iniciou-se a partir daí uma briga pela propriedade.

O processo dos empresários para garantir que o resultado do leilão seja cumprido está no Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 2015.

A decisão do colegiado do tribunal poderá definir, afinal, se o hotel pertence aos donos originais ou aos compradores em leilão. “Entendemos que, por não haver uma questão trabalhista a ser resolvida, a ação rescisória visa unicamente gerar um excelente negócio para o grupo empresarial que tenta tomar posse do nosso prédio”, disse a assessoria de imprensa do Maksoud, em nota.

Há pouco mais de 3 anos, o Maksoud Plaza foi a leilão por R$ 140 milhões. Como o imóvel não atraiu interessados por este valor, o hotel acabou sendo comprado por R$ 70 milhões –bem abaixo do valor de mercado da propriedade, o que não é incomum em caso de leilões judiciais. O dinheiro arrecadado seria usado para quitar um processo trabalhista, mas, depois do arremate, a família arranjou dinheiro para pagar a dívida com ex-funcionários.

A discussão agora é se o leilão deverá permanecer válido apesar de a dívida que motivou sua realização ter sido posteriormente quitada. Os advogados de Fernando e Jussara Simões alegam que o débito foi quitado uma semana após a realização do leilão. Pelas regras vigentes, eles argumentam que o pagamento deveria ter sido feito pelo menos 24 horas antes da realização do venda judicial.

No ano passado, o advogado Estêvão Mallet, da Mallet Advogados Associados, que representa os irmãos Simões, afirmou que a decisão sobre o processo servirá para criar jurisprudência sobre os leilões trabalhistas no Brasil. “A decisão vai mostrar qual é a segurança jurídica dos leilões feitos na Justiça do Trabalho, se o direito do comprador está garantido ou não”, diz o advogado.

PANAMA PAPERS
A série Panama Papers, que começou a ser publicada em 3.abr.2016, é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o ICIJ. O material está em investigação há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

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O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participam da série Panama Papers no Brasil os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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