Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Sigmundur David Gunnlaugsson

Premiê da Islândia e sua mulher mantinham offshore durante crise do país
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Fernando Rodrigues

Gunnlaugsson chegou ao poder após o colapso financeiro

Ao mesmo tempo, escondia empresa que detém milhões em títulos de bancos islandeses

primeiro-ministro da islandia

O primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur David Gunnlaugsson

Por Ryan Chittum, Jóhannes Kr. Kristjánsson, Bastian Obermayer e Frederik Obermaier
Panama Papers

REYKJAVIK – Em 15 de maio de 2014, o primeiro-ministro da Islândia apresentou-se perante o Parlamento para responder perguntas sobre com que vigor seu governo iria procurar sonegadores e fraudadores que usam companhias offshores – empresas criadas em paraísos fiscais– secretas. Iria a Islândia seguir o exemplo da Alemanha por meio da compra de dados de offshores revelados por delatores?

O primeiro-ministro Sigmundur David Gunnlaugsson evitou uma resposta direta. Para ele, era “extremamente importante que as pessoas trabalhem juntas nesse sentido”, afirmou. Mas para o premiê não estava claro se obter as informações (sobre as offshores) seria algo “prático e útil”.

O que não era sabido é que os dados sobre empresas abertas em paraísos fiscais que a Islândia considerava comprar incluíam informações sobre companhias offshore ligadas a ele e a pelo menos dois outros membros de seu partido, que está no poder.

Estes fatos surgiram da análise dos milhões de arquivos secretos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por outros parceiros. Mais de 11 milhões de documentos –e-mails, transferências de dinheiro e detalhes sobre a abertura de empresas em um período que vai de 1977 a dezembro de 2015– mostram a movimentação interna do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, um dos maiores agentes de registro de empresas de fachada do mundo.

No Brasil, o UOL, por meio do Blog do Fernando Rodrigues, participou da investigação jornalística. Outros 2 veículos brasileiros que estão nessa parceria são o jornal “O Estado de S.Paulo” e a Rede TV!.

Os arquivos revelam informações confidenciais sobre 214.488 organizações registradas por pessoas físicas e jurídicas em mais de 200 países e territórios, incluindo uma empresa criada nas Ilhas Virgens Britânicas em 2007 chamada Wintris Inc.

Sigmundur David Gunnlaugsson subiu ao poder em meio a uma onda de rancor contra os bancos, no rescaldo da crise financeira islandesa que viu os 3 maiores bancos do país ruírem em apenas alguns dias de outubro de 2008, após anos de especulação e self-dealing (operações entre as companhias e seus controladores ou administradores fora das condições de mercado, que têm como efeito prático a expropriação do patrimônio de outros acionistas).

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Certificado de ações da offshore de Gunnlaugsson

Jornalista de televisão e personalidade do rádio –ele ficou na terceira colocação do ranking dos homens mais sexies numa competição de 2004– Gunnlaugsson liderou um grupo chamado InDefence (EmDefesa) após a falência do sistema financeiro. O grupo fazia campanha para que a Islândia rejeitasse o socorro aos credores internacionais que haviam depositado bilhões de dólares nos bancos islandeses. Em dois referendos nacionais, os eleitores apoiaram o InDefence e o sucesso da campanha ajudou a levar Gunnlaugsson e seu partido ao poder.

Em janeiro de 2009, o Partido Progressista elegeu Gunnlaugsson. Quatro anos depois, em 2013 ele se tornou o mais jovem primeiro-ministro da história do país, com 38 anos, prometendo jogar duro com os credores estrangeiros, oferecer um alívio na dívida dos mutuários da casa própria e encerrar o programa de austeridade. Como primeiro-ministro, o governo de Gunnlaugsson chegou a um acordo com os credores em 2015 que seu antigo grupo, o InDefence, criticou como sendo muito generoso.

Os documentos da Mossack Fonseca mostram que a família de Gunnlaugsson –sem o conhecimento dos islandeses– tinha  grande interesse no resultado da negociação.

Em dezembro de 2007, Gunnlaugsson e sua mulher, Anna Sigurlaug Pálsdóttir, compraram a Wintris Inc. da Mossack Fonseca por meio de uma filial em Luxemburgo do Landsbanki, um dos três bancos islandeses que quebrou.

O casal usou a empresa de fachada para investir milhões de dólares em recursos herdados, segundo documento assinado em 2015 pela mulher do primeiro-ministro. Ela é filha de um rico revendedor da Toyota na Islândia, e deu a justificativa no documento após ter sido perguntada pela Mossack Fonseca de onde vinha o dinheiro.

“Os bancos islandeses abriram filiais, por exemplo, em Luxemburgo e no Reino Unido, e o que eles fizeram nesses locais foi criar companhias offshore para seus clientes investirem todo tipo de ativos”, disse Rob Jonatansson, advogado que trabalha em  Reykjavik e coordenou o processo para um banco menor que também faliu, sem falar especificamente sobre a Wintris. “As companhias offshore proporcionaram a oportunidade de evasão fiscal, que provavelmente foi aproveitada por alguns.”

Os arquivos da Mossack Fonseca não revelam onde a Wintris investiu seu dinheiro, mas documentos judiciais mostram que a Wintris tinha investimentos significativos em títulos de cada um dos três principais bancos islandeses. Esses registros mostram a companhia como credora, em milhões de dólares, de créditos dos bancos falidos.

O conselho de liquidação do Landsbanki apresentava a Wintris como credora em novembro de 2009, com uma reivindicação de 174 milhões de coroas islandesas, aparentemente em títulos do Landsbanki. A Wintris também apareceu três vezes na lista de reivindicações do banco Kaupthing em janeiro de 2010, como detentora de títulos com valor de face de 221 milhões de coroas islandesas, o que equivale a cerca de US$ 1,8 milhão. Ela também é detentora de títulos do banco Glitnir avaliados em 114 milhões de coroas islandesas (US$ 926 mil), títulos que a Wintris vendeu a um investidor islandês após a quebra do sistema bancário, segundo uma pessoa familiarizada com a situação dos credores. (Gunnlaugsson critica fundos estrangeiros que compram tais títulos como “abutres”)

No total, a Wintris reivindica cerca de US$ 4 milhões em ativos dos bancos no câmbio atual e US$ 8 milhões de acordo com a cotação anterior à crise. A Wintris pode ter outros ativos, como ações, que não aparecem nos pedidos de falência dos bancos.

Gunnlaugsson era sócio da Wintris com sua mulher quando entrou para o Parlamento em abril de 2009 e continuou a esconder a empresa enquanto ascendia ao cargo de primeiro-ministro, segundo os arquivos obtidos pelo ICIJ. A não revelação desses ativos pode ter violado as regras éticas da Islândia, embora o primeiro-ministro negue isso. Os títulos em posse da Wintris ainda têm valor considerável, variando de cerca de 15% a 30% do valor de face.

No último dia de 2009, Gunnlaugsson vendeu sua metade na empresa para sua mulher por US$ 1,00, segundo documentos da Mossack Fonseca.

Em 15 de março de 2016, Pálsdóttir escreveu um post no Facebook no qual revelava a existência da companhia offshore pela primeira vez. “A existência da companhia nunca foi um segredo”, afirmou ela. Pálsdóttir escreveu que abriu a Wintris em 2007, quando não estava certo se o casal iria ou não viver no exterior e que este era um veículo de investimento para os recursos que ela havia recebido quando um negócio da família foi vendido.

O post no Facebook foi escrito 4 dias depois de a Reykjavik Media e a SVT (televisão pública da Suécia), parceiras do ICIJ, terem perguntado ao primeiro-ministro a respeito da Wintris, em entrevista gravada em vídeo. Na entrevista, a SVT pergunta a Gunnlaugsson se alguma vez ele foi proprietário de uma companhia offshore.

“Eu? Não. Bem, as empresas islandesas para as quais eu trabalhei tinham conexão com companhias offshore, até mesmo com a….qual o nome? Os sindicatos de trabalhadores. Então teria sido por meio de tais acordos, mas eu sempre declarei todos os meus ativos e os da minha família para as autoridades tributárias. Então nunca houve qualquer, qualquer ativo meu escondido em qualquer lugar. Esta é uma pergunta incomum para um político islandês. É quase como ser acusado de algo, mas eu posso confirmar que nunca escondi nenhum dos meus ativos.”

Quando perguntado se sabia sobre a Wintris, Gunnlaugson disse: “Bem, é uma companhia –se me lembro corretamente–  que é associada a uma das empresas das quais eu fazia parte do conselho e ela tinha uma conta, que como eu mencionei, está na declaração de imposto de renda desde que foi aberta. Agora estou começando a me sentir um pouco estranho a respeito dessas perguntas porque é como se você estivesse me acusando de algo quando me questiona sobre uma empresa que está na minha declaração de imposto de renda.”

Pouco depois, Gunnlaugsson levantou-se e saiu do local da entrevista.

No post de Palsdottir no Facebook, quatro dias mais tarde, ela disse que os ativos da Wintris Inc. pertenciam somente a ela e que foi um erro do banco que levou Gunnlaugsson a ser considerado sócio. Quando o erro foi descoberto, em 2009, ela se tornou a única proprietária da empresa, afirmou. Os documentos da Mossack Fonseca mostram que Gunnlaugsson assinou o documento vendendo sua parte na Wintris para Palsdottir.

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11,5 milhões de registros financeiros expõem corrupção global
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Fernando Rodrigues

Chefes de Estado, criminosos e celebridades usam offshores

Dados da Mossack Fonseca, do Panamá, revelam segredos

Aliados de Vladimir Putin movimentaram US$ 2 bilhões

Premiês da Islândia e do Paquistão e rei da Arábia Saudita também aparecem

Membros do Politburo da China, inclusive do cunhado Xi Jinping, têm offshores

Presidente da Argentina, Mauricio Macri, operou nas Bahamas

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Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), David Gunnlaugsson (Islândia) e Mauricio Macri (Argentina)

Por Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos

O acervo de 11,5 milhões de registros financeiros de um paraíso fiscal expõe uma rede de empresas offshore de líderes do cenário político mundial  – inclusive 12 chefes de Estado atuais e antigos–  e revela como integrantes do círculo de poder do presidente russo Vladimir Putin movimentaram secretamente US$ 2 bilhões por meio de bancos e companhias com atuação obscura.

Os documentos revelam 4 décadas de registros da empresa Mossack Fonseca, sediada no Panamá e com escritórios em 39 localidades ao redor do globo. Também há detalhes de acordos financeiros secretos de outros 128 políticos e funcionários públicos ao redor do mundo.

O conjunto de dados mostra como a indústria global de bancas de advocacia e grandes bancos vende sigilo para políticos, fraudadores e traficantes de drogas, assim como para bilionários, celebridades e astros dos esportes.

Estas são algumas das descobertas de um trabalho de investigação que durou 1 ano e foi realizado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por mais de 100 outras organizações de mídia.

No Brasil, o UOL, por meio do Blog do Fernando Rodrigues, participou da investigação jornalística. Outros 2 veículos brasileiros que estão nessa parceria são o jornal “O Estado de S.Paulo” e a Rede TV!.

Os arquivos expõem a existência de companhias offshore controladas pelos primeiros-ministros da Islândia e do Paquistão, pelo rei da Arábia Saudita e pelos filhos do presidente do Azerbaijão. Eles também incluem pelo menos 33 pessoas e empresas que integram uma lista negra do governo dos Estados Unidos por causa de indícios de que realizaram negócios com barões da droga mexicanos, organizações extremistas como o Hezbollah ou países vistos como “párias” pelos norte-americanos, como a Coreia do Norte e o Irã.

“Estas descobertas mostram o quão profundamente estão arraigadas as práticas nocivas e a criminalidade no mundo dos paraísos fiscais”, disse Gabriel Zucman, economista da Universidade da Califórnia, Berkeley, e autor de “A Riqueza Oculta das Nações: o Flagelo dos Paraísos Fiscais”.

Zucman, que recebeu informações sobre a investigação, disse que a divulgação dos documentos deve fazer com que governos busquem “sanções concretas” contra jurisdições e instituições que vendem sigilo por meio de empresas offshore.

Os dados cobrem um período de quase 40 anos, de 1977 até o final de 2015. Permitem um panorama inédito das entranhas do mundo dos paraísos fiscais, fornecendo uma visão dia a dia, década a década, de como dinheiro sujo flui pelo sistema financeiro global, alimentando a criminalidade e pilhando recursos públicos.

A maioria dos serviços que a indústria de offshores fornece está de acordo com a lei, em tese. Mas os documentos mostram que bancos, escritórios de advocacia e outras engrenagens desse mundo geralmente falham em cumprir as exigências legais que evitariam sua ligação com clientes envolvidos em atividades criminosas, sonegação fiscal ou corrupção política.

Em alguns casos, os arquivos mostram que intermediários de offshores protegeram a si e a seus clientes escondendo transações suspeitas ou manipulando registros oficiais.

Os documentos deixam claro que grandes bancos são os principais articuladores da criação de companhias que são difíceis de rastrear, sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, no Panamá e outros paraísos fiscais. Os arquivos mostram a existência de cerca de 15.600 “empresas de papel”  –que existem formalmente, mas não têm qualquer atividade. São abertas por bancos para clientes que querem manter suas finanças sob sigilo. Milhares delas foram criadas por gigantes internacionais como UBS e HSBC.

VLADIMIR PUTIN
Os registros revelam a existência um padrão de manobras usado para encobrir bancos, empresas e pessoas ligadas ao líder russo Vladimir Putin. Os documentos mostram companhias offshore ligadas a esta rede movimentando quantias que chegam a U$ 200 milhões a cada transação.

Os associados de Putin disfarçaram pagamentos, alteraram datas de documentos e estenderam um braço oculto de influência sobre  os meios de comunicação do país e a indústria automotiva.

Um porta-voz do Kremlin se recusou a responder a questões relacionadas a esta reportagem. Em vez disso, veio a público no dia 28 de março com acusações de que o ICIJ e seus parceiros estavam preparando um enganoso “ataque informativo” contra Putin e pessoas próximas a ele.

A INVESTIGAÇÃO
Os arquivos foram analisados por um grupo de mais de 370 jornalistas de 76 países. São procedentes de uma pouco conhecida, embora poderosa, firma de advocacia sediada no Panamá, a Mossack Fonseca, que tem filiais em Hong Kong, Zurique, São Paulo e outros centros financeiros.

A empresa é uma das maiores criadoras de empresas de fachada do mundo, estruturas corporativas que podem ser usadas para esconder patrimônio.

Os arquivos internos foram vazados de dentro do escritório de advocacia da Mossack Fonseca. Contêm informações sobre 214.488 organizações offshore ligadas a pessoas de mais de 200 países e territórios. O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos vai divulgar a lista completa de empresas e pessoas ligadas a elas no início de maio.

Os dados incluem e-mails, planilhas financeiras, passaportes e registros financeiros que revelam os proprietários secretos de contas bancárias e empresas em 21 jurisdições offshore, de Nevada a Cingapura, passando pelas Ilhas Virgens Britânicas.

As mãos da Mossack Fonseca estão no comércio de diamantes na África, no mercado internacional de arte e em outros negócios que prosperam em sigilo. A empresa prestou serviços para uma quantidade de membros da realeza do Oriente Médio suficiente para encher um palácio. Ajudou 2 reis, Mohammed VI, do Marrocos, e Salman, da Arábia Saudita, a sair para o mar em iates de luxo.

Na Islândia, os arquivos vazados mostram que o primeiro-ministro Sigmundur David Gunnlaugsson e sua mulher eram proprietários de uma empresa que detinha milhões de dólares em títulos de bancos islandeses durante a crise financeira no país.

Dentre as pessoas que aparecem nos documentos está um condenado por lavagem de dinheiro que afirmou ter conseguido uma contribuição ilegal de campanha no valor de US$ 50 mil usada para pagar os homens que invadiram da sede do comitê do Partido Republicano, no edifício Watergate, na capital Washington; 29 bilionários que aparecem na lista dos 500 mais ricos da revista Forbes e o astro de cinema Jackie Chan, que tem pelo menos seis empresas gerenciadas pelo escritório de advocacia.

Tal como acontece com muitos dos clientes da Mossack Fonseca, não há provas de que Chan usou suas companhias para propósitos indevidos. Ter uma empresa offshore não é ilegal. Para algumas transações comerciais internacionais, trata-se de uma escolha lógica.

Os documentos da Mossack Fonseca indicam, porém, que dentre os clientes da empresa há pessoas que criaram operações fraudulentas do tipo pirâmide (também conhecidas como esquema Ponzi), chefões do tráfico, sonegadores e pelo menos um preso por crimes sexuais.

Um empresário norte-americano condenado por viajar para a Rússia para fazer sexo com menores órfãs assinou os papéis para a abertura de uma empresa offshore enquanto cumpria sua sentença de reclusão em Nova Jersey, mostram os registros.

Os arquivos contêm novos detalhes sobre importantes escândalos que vão do maior roubo de ouro da Inglaterra a acusações de suborno que abalam a Fifa, a organização que regulamenta o futebol internacional.

Independentemente de serem famosos ou anônimos, a Mossack Fonseca trabalha agressivamente para proteger os segredos de seus clientes. Os arquivos vazados mostram que a empresa ofereceu regularmente a troca de datas de documentos para ajudar seus clientes a obter vantagens em seus assuntos financeiros. A prática era tão comum que uma troca de e-mails de 2007 mostra funcionários falando sobre o estabelecimento de uma estrutura de preços –os clientes deveriam pagar US$ 8,75 para cada mês em que a data de um documento corporativo fosse atrasada.

Em resposta por escrito a perguntas feitas pelo ICIJ e seus parceiros, a empresa disse que “não acolhe ou promove” atos ilegais. “Suas alegações de que provemos acionistas com estruturas supostamente desenhadas para esconder a identidade de seus verdadeiros proprietários são completamente infundadas ou falsas.”

Até recentemente, a Mossack Fonseca vinha operando parcialmente nas sombras. Mas o escritório de advocacia está cada vez mais sob os holofotes, na medida em que governos obtêm informações parciais de vazamentos dos arquivos da empresa e autoridades na Alemanha e no Brasil começam a examinar suas práticas.

Em fevereiro de 2015, o jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” publicou que autoridades haviam lançado uma série de ações cujo alvo era um dos maiores bancos do país, o Commerzbank, em uma investigação de fraude fiscal que pode levar a acusações criminais contra funcionários da Mossack Fonseca.

No Brasil, o escritório de advocacia tornou-se um dos alvos da Operação Lava Jato, que já resultou em acusações criminais contra importantes políticos. A Lava Jato no momento investiga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ameaça o cargo da atual presidente, Dilma Rousseff. A Mossack Fonseca, que teve funcionários detidos, nega ter cometido qualquer delito no Brasil.

As revelações descobertas nos arquivos do escritório de advocacia expandem dramaticamente os vazamentos anteriores a respeito de registros de offshores que o ICIJ e seus parceiros revelaram nos últimos quatro anos.

Na maior colaboração entre órgãos de imprensa já realizada, jornalistas que escrevem em mais de 25 línguas se aprofundaram nos arquivos internos e rastrearam os acordos secretos dos clientes do escritório de advocacia em todo o mundo.

Os repórteres compartilharam informações e buscaram pistas geradas pelos documentos usando arquivos corporativos, registros de propriedade, declarações financeiras, documentos do Judiciário e entrevistas com especialistas em lavagem de dinheiro e funcionários encarregados de aplicar a lei.

Jornalistas do “Süddeutsche Zeitung” obtiveram milhões de registros de uma fonte confidencial e os compartilharam com o ICIJ e outros parceiros.

O CRIME DO SÉCULO
Na madrugada de 26 de novembro de 1983, seis assaltantes entraram no depósito da Brink’s-Mat no aeroporto de Heathrow, em Londres.

Os bandidos amarraram os seguranças, jogaram gasolina sobre eles, acenderam um palito de fósforo e ameaçaram atear fogo a não ser que eles abrissem o cofre do depósito. No interior, os ladrões encontraram cerca de 7 mil barras de ouro, diamantes e dinheiro vivo.

Meios de comunicação britânicos apelidaram o assalto de “o crime do século”. A maior parte do que foi roubado –incluindo o dinheiro obtido com o derretimento e venda do ouro– nunca foi recuperado. Onde o dinheiro foi parar é um mistério que continua a fascinar pesquisadores do submundo da Inglaterra.

Agora, documentos que estão entre os arquivos vazados da Mossack Fonseca relevam que o escritório de advocacia e seu cofundador, Jürgen Mossack, podem ter ajudado os criminosos a manter o espólio longe das mãos das autoridades, ao proteger uma companhia ligada a Gordon Parry, um vendedor de automóveis de Londres que lavou dinheiro para a quadrilha que assaltou a Brink’s-Mat.

A Mossack Fonseca afirmou ao ICIJ que segue “tanto a letra quanto o espírito” da lei. “Por causa disso, nenhuma vez, em quase 40 anos de operação fomos acusados de delito criminal.”

Os homens que fundaram a empresa décadas atrás –e continuam atualmente como principais parceiros do empreendimento– são figuras bem conhecidas da sociedade e política panamenhas.

Jürgen Mossack é um imigrante alemão cujo pai buscou uma nova vida no Panamá para sua família após ter servido na Waffen-SS de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Ramón Fonseca é um premiado escritor que nos últimos anos tem trabalhado como conselheiro do presidente do Panamá. Ele se afastou da função de conselheiro presidencial em março, depois de sua empresa ter sido implicada no escândalo brasileiro da Lava Jato e o ICIJ e seus parceiros terem começado a fazer perguntas sobre as práticas do escritório de advocacia.

No total, um analista do ICIJ que trabalhou nos arquivos da Mossack Fonseca identificou 58 parentes e associados de primeiros-ministros, presidentes e reis.

Familiares de pelos menos 8 ex e atuais integrantes do Comitê Permanente do Politburo da China, o principal organismo de governo do país, têm companhias offshore abertas por meio da Mossack Fonseca. Dentre eles está o cunhado do presidente Xi Jinping.

A lista de líderes mundiais que usaram a Mossack Fonseca para abrir organizações offshore inclui o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, que foi diretor e vice-presidente de uma companhia sediada nas Bahamas gerenciada pela Mossack Fonseca quando era empresário e prefeito da capital argentina.

Um porta-voz de Macri disse que o presidente nunca teve, como pessoa física, ações da empresa, que é parte dos negócios da família.

Documentos mostram que, durante os dias mais sangrentos da invasão de 2014 da Rússia à região ucraniana de Donbas (também conhecida como Donets), representantes do líder ucraniano Petro Poroshenko esforçavam-se para encontrar uma cópia de uma conta doméstica (como de água ou eletricidade) para completar a papelada necessária para a criação de uma holding nas Ilhas Virgens Britânicas.

Um porta-voz de Poroshenko disse que a criação da companhia não teve nada a ver com “quaisquer eventos políticos ou militares na Ucrânia”.

Quando Sigmundur David Gunnlaugsson tornou-se primeiro-ministro da Islândia, em 2013, ele ocultou um segredo que poderia ter prejudicado sua carreira política. Ele e sua mulher compartilhavam a posse de uma empresa offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas quando entrou no Parlamento, em 2009. Gunnlaugsson vendeu sua participação nas empresas para sua mulher, meses mais tarde, por US$ 1,00.

Originalmente, a companhia detinha títulos avaliados em milhões de dólares de três bancos islandeses que quebraram durante a crise financeira de 2008, tornando-o credor dessas falências. O governo de Gunnlaugsson negociou um acordo com os credores no ano passado, sem divulgar a participação financeira de sua família no resultado da questão.

No caso da Operação Lava Jato, no Brasil, os promotores alegam que funcionários da Mossack Fonseca destruíram ou esconderam documentos para mascarar o envolvimento do escritório de advocacia na lavagem de dinheiro. Documento policial diz que, em um dos exemplos, um funcionário da filial brasileira enviou um e-mail instruindo colegas de trabalho a esconder registros envolvendo um cliente que poderia ser alvo da investigação policial. “Não deixe nada. Eu os guardarei no meu carro ou na minha casa.”

Esta reportagem foi produzida pelos seguintes jornalistas, sob coordenação do ICIJ: Bastian Obermayer, Gerard Ryle, Marina Walker Guevara, Michael Hudson, Jake Bernstein, Will Fitzgibbon, Mar Cabra, Martha M. Hamilton, Frederik Obermaier, Ryan Chittum, Emilia Díaz-Struck, Rigoberto Carvajal, Cécile Schilis-Gallego, Marcos García Rey, Delphine Reuter, Matthew Caruana-Galizia, Hamish Boland-Rudder, Miguel Fiandor e Mago Torres.

No Brasil, participaram da série Panama Papers os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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