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Petistas repetiriam voto contra Cunha que acelerou impeachment
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Fernando Rodrigues

3 deputados do PT foram a favor de abrir processo contra Eduardo Cunha

O então presidente da Câmara decidiu, no mesmo dia, aceitar impeachment

Léo de Britto (AC), Prascidelli (SP) e Zé Geraldo (PA) não lamentam atitude

Petistas dizem que sabiam da reação de Cunha, mas preferiram enfrentá-lo

Leia as entrevistas com os 3 petistas que ajudaram a precipitar o impeachment

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representantes do PT no Conselho de Ética: Prascidelli (esq), Zé Geraldo e Léo de Brito (dir).

Um processo de impeachment é multifacetado e tem inúmeras causas. Um fato, entretanto, foi marcante no afastamento de Dilma Rousseff. No dia 2 de dezembro de 2015, pela manhã, o PT decidiu apoiar a abertura de processo de cassação contra Eduardo Cunha numa votação no Conselho de Ética da Câmara. O ato foi protagonizado por 3 deputados petistas desconhecidos, com o apoio da direção partidária.

No mesmo dia 2 de dezembro de 2015, na parte da tarde, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou a abertura do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

Se o PT tivesse trabalhado para salvar Eduardo Cunha naquele dia a história teria sido outra? Não se sabe. Uma coisa, porém, é certa: o peemedebista não teria aberto o processo de impeachment de Dilma já naquela data.

A versão do PT para o episódio é que o partido e o governo Dilma estavam enredados num jogo de pressão e contrapressão com Cunha. Dilma chamou mais de uma vez esse processo de “chantagem”. Cunha nega.

O fato é que faltavam só duas semanas para a chegada do recesso do Congresso. Se Cunha –por meio de chantagem ou não– segurasse a abertura do processo de impeachment contra Dilma nesse período, a Câmara e o Senado entrariam em férias. Voltariam só em fevereiro. Aí, talvez, a história pudesse ter sido diferente.

O Blog ouviu mais de uma vez naquele período, dentro do Palácio do Planalto, que o governo preferia enfrentar Eduardo Cunha no voto. Seria supostamente “o bem [Dilma] contra o mal [Cunha]”. O plenário da Câmara absolveria a petista. Eram adeptos dessa teoria os ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Edinho Silva (Secom) e Ricardo Berzoini (Secretaria Geral).

Foi um dos maiores erros de avaliação política da história recente. Quando a abertura do impeachment foi votada, em 17 de abril de 2016, Dilma sofreu uma derrota retumbante.

Não faltaram alertas ao Planalto. Até aliados improváveis, como o ex-presidente Fernando Collor, dizia que o impeachment seria inevitável uma vez aberto o processo (assista aqui a entrevista de Collor, em setembro de 2015)

O Blog resolveu procurar os 3 petistas que naquele dia 2 de dezembro viraram protagonistas do impeachment. O que eles disseram? Responderam que fariam tudo de novo.

Se pudessem voltar atrás, os 3 petistas novamente votariam a favor da abertura do processo contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética da Câmara –mesmo sabendo que isso levaria a um inevitável processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Fatos a registrar: 1) Cunha (embora afastado do cargo) está com mandato até hoje; 2) Dilma deve ser cassada hoje ou amanhã (3ª ou 4ª feira, dias 30 ou 31 de agosto).

As informações deste post foram apuradas pelo repórter do UOL André Shalders.

Naquele 2 de dezembro fatídico, o PT era representado no Conselho de Ética pelos deputados Léo de Britto (AC), Valmir Prascidelli (SP) e Zé Geraldo (PA). O Blog entrevistou os 3 congressistas (leia abaixo).

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manchetes de alguns jornais brasileiros no dia 03 de dezembro de 2015

Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, Cunha negou que tenha “chantageado” Dilma e o PT. “Eu já estava com a decisão tomada, posso comprovar. Era só uma questão de tempo. Quando eu vi que ia ter a mudança da meta [fiscal], eu falei: ‘tem que ser antes’, se não você enfraqueceria [o argumento do pró-impeachment]”, disse ele em 15 de maio.

Eduardo Cunha responde a um processo de cassação na Câmara dos Deputados por ter supostamente mentido à CPI da Petrobras instalada na Casa. Em depoimento, o deputado negou ter qualquer tipo de conta no exterior, versão que contraria indícios levantados pela Operação Lava Jato. Ele nega ter cometido irregularidades.

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passaporte diplomático de Eduardo Cunha. Para a PF, foi usado para abrir conta no exterior

A votação final do processo de cassação de Cunha, no plenário da Câmara dos Deputados, está marcada para o dia 12 de setembro. Ninguém no Congresso acredita que o caso seja liquidado nessa data.

DEPUTADOS SABIAM QUE HAVERIA RETALIAÇÃO
Os 3 deputados petistas dizem ter consciência de que haveria retaliação da parte de Cunha, com a aceitação do impeachment. Britto, Prascidelli e Zé Geraldo decidiram tomar uma decisão em bloco, até para se proteger de eventuais críticas.

“Confesso que passei algumas noites em claro. Na imprensa e nas conversas de corredor da Câmara estava muito claro que ele [Cunha] estava segurando a decisão do impeachment, vinculado à nossa decisão no Conselho de Ética”, diz Léo de Britto (AC).

Na memória dos deputados ficou registrada a pressão intensa, vinda sobretudo de aliados de Cunha, segundo eles. “Os deputados faziam [pressão] de forma velada ou explícita para que evitássemos a abertura do processo. Alguns pela relação de amizade, outros pelo comprometimento [em relação a Cunha]. Isso marcou bastante”, diz Valmir Prascidelli (SP).

Os deputados dizem ainda que a decisão de votar contra Eduardo Cunha foi tomada por eles, embora o então líder da bancada do PT (deputado Sibá Machado, do Acre) e o presidente da sigla, Rui Falcão, tivessem se posicionado sobre o assunto.

“Estávamos literalmente sozinhos, como se fosse decisão só nossa. Quando houve a decisão do PT, pelo menos tivemos o calço do coletivo. Sabíamos que Cunha não estava blefando”, diz Britto.

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o tuíte do presidente do PT, Rui Falcão, em 1.dez.2015

PT COMETEU ERRO DE AVALIAÇÃO GRAVE
Para o deputado Zé Geraldo (PT-PA), o partido cometeu um grande erro de avaliação ao achar que conseguiria barrar o impeachment ainda na Câmara dos Deputados, usando principalmente as negociações com os partidos do chamado “centrão”.

“No domingo [17.abr.2016, dia em que foi votada a autorização de abertura do impeachment pelos deputados] de manhã havia a ilusão na bancada do PT e no governo de eles não teriam [os votos necessários para abrir o processo]. Foi um erro de avaliação grave”, diz o congressista.

Zé Geraldo conta que parte da bancada defendia uma estratégia de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) com um acampamento de 30 mil a 40 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. O objetivo seria que o Supremo afastasse Eduardo Cunha da presidência da Câmara antes que o deputado aceitasse a denúncia por crime de responsabilidade contra Dilma.

“Eu era da tese de que deveríamos tumultuar e inviabilizar aquela sessão [do impeachment]. A tese vencedora foi a aposta no número de votos. Na negociação [com os deputados]. No domingo de manhã, ainda havia uma avaliação de que eles não teriam os votos. Que muita gente iria faltar”, diz o deputado.

Leia abaixo as entrevistas com os 3 deputados:

LÉO DE BRITTO (PT-AC)

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O deputado Léo de Brito (PT-AC)

O que senhor lembra daquele dia e nunca mais vai se apagar da sua memória?
Léo de Britto – Foi o momento em que eu estava no plenário da Câmara e fiquei sabendo da noticia de que o [então] presidente [da Câmara] Eduardo Cunha tinha aberto o processo de impeachment contra a presidenta [Dilma], depois da decisão que tomamos pela manhã. Foi um momento de muito tristeza, e que confirmou que a nossa decisão resultaria numa retaliação.

Passou pela sua cabeça que Eduardo Cunha abriria o processo contra Dilma e que seria irreversível?
Léo de Britto – Sim. Passou. Confesso que passei algumas noites em claro. Na imprensa e nas conversas de corredor da Câmara, estava muito claro que ele [Cunha] estava segurando a decisão do impeachment, vinculado à nossa decisão no Conselho de Ética. Estávamos literalmente sozinhos, como se fosse decisão só nossa. Quando houve a decisão do PT, pelo menos tivemos o calço do coletivo. Sabíamos que Cunha não estava blefando.
Decidimos que nós 3 tomaríamos uma decisão conjunta para nos protegermos. Podia ser que a decisão de um ou de outro fosse considerada decisiva para um resultado ou outro.

O senhor se arrepende do que fez, recusando-se a participar de uma operação para salvar Cunha em troca de ele enterrar o pedido de impeachment contra Dilma?
Léo de Britto – Não me arrependo, embora hoje seja mais claro qual foi o resultado daquela decisão. Mas como eu disse, estamos no Conselho de Ética para votar a partir de princípios. Eu entendo que princípios éticos são inegociáveis.

Sabendo agora o que se passou, se pudesse voltar ao passado, faria algo diferente?
Léo de Britto – Não. Eu sempre fui um defensor do governo Dilma. Votei em todos os momento com as orientações do governo Dilma. E estive na linha de frente da votação contra Cunha no Conselho de Ética. Fui um defensor da tese de que o verdadeiro golpe é o que está instalado hoje. Aqueles que votaram a favor do impeachment vão entrar para história como autores do golpe parlamentar. Eu tenho minha consciência tranquila. Sendo o resultado favorável ao impeachment, ela [Dilma] será absolvida pela história. E uma hora vai cair a ficha da população, quando vierem os ataques a direitos trabalhistas e aos direitos sociais. Tomaria a mesma decisão novamente.

O sr. acha que a sua decisão contribuiu para melhorar a imagem do PT?
Léo de Britto – É uma decisão condizente com a história e os princípios do Partido dos Trabalhadores. O PT, por mais que esteja vivendo um momento de crise, com membros acusados de corrupção, sempre levantou a bandeira da ética na política. É uma decisão coerente com a história e os valores do PT. Do ponto de vista da imagem também ajuda, porque resgata essa trajetória.

VALMIR PRASCIDELLI (PT-SP)

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O deputado Valmir Prascidelli (PT-SP)

O que o sr. lembra daquele dia e nunca mais vai se apagar da sua memória?
Valmir Prascidelli – A pressão que os deputados faziam de forma velada ou explícita para que evitássemos a abertura do processo. Alguns pela relação de amizade, outros pelo comprometimento [em relação a Cunha]. Isso marcou bastante.

Passou pela sua cabeça que Eduardo Cunha abriria o processo contra Dilma e que seria irreversível?
Valmir Prascidelli – Não houve decisão de fora para dentro, do partido ou da bancada, para que tomássemos a decisão. Nós 3 tínhamos uma decisão: vamos fazer a análise do fato sem considerar a disputa política colocada. Decidimos ter posição unificada dos 3.
A nossa posição, claro que ouvindo os demais deputados e o partido, foi decisão nossa. E tínhamos claro que ele [Cunha] ia tomar essa medida. Estava claro. Ponderávamos a possibilidade, eventualmente, em não havendo os elementos jurídicos, de não votar [pela continuidade do processo contra Cunha]. De não votar só tendo em vista a disputa política. Esse processo não poderia estar carregado de vícios como o de Dilma.

Arrepende-se do que fez, recusando-se a participar de uma operação para salvar Cunha em troca de ele enterrar o pedido de impeachment contra Dilma?
Valmir Prascidelli – Não tenho nenhum arrependimento. Formei minha convicção a partir dos fatos que foram trazidos ao Conselho de Ética, de que era necessário ter a abertura do processo. Inclusive para dar a oportunidade do Cunha se defender do que ele era acusado. Não me arrependo. E quanto a impedir o impeachment, poderia ter impedido naquele momento. Mas nada impediria que 15 dias ou 1 mês depois ele abrisse um outro processo, em outras bases e com outros argumentos. E continuasse fazendo uma disputa política, inviabilizando a gestão de Dilma e criando uma instabilidade ainda maior.

Sabendo agora o que se passou, se pudesse voltar ao passado, faria algo diferente?
Valmir Prascidelli – Considerando aquilo que estava sendo trazido nos autos da denúncia contra Cunha e aquilo que fomos formando de convicção, não mudaria o voto.
Talvez de forma mais intensa, ter denunciado a farsa que se estava montando. Veja só: um processo de impedimento de presidenta, com uma complexidade tamanha e o ineditismo que tem, de 2 de dezembro, com recesso e tudo mais, já vai ter um desdobramento agora no começo de setembro [de 2016]. E o processo de Eduardo Cunha, no Conselho de Ética, que atua apenas internamente na Câmara, demorou muito mais e ainda não foi concretizado. Significa que há interesse de partidos e deputados em preservar o mandato de Cunha e colocar um governo ilegítimo que vai retirar direitos.

O sr. acha que a sua decisão contribuiu para melhorar a imagem do PT?
Valmir Prascidelli – Claro que contribuiu. Um partido que tem sido atacado intensamente, que tem sido exposto de forma seletiva à sociedade como um partido que criou a corrupção (que nós sabemos que remonta há muitos anos). O PT, que permitiu que as pessoas tivessem mais transparência e fossem efetivamente investigadas, que criou instrumentos para isso, votar contra o processo do Eduardo Cunha, seria um retrocesso dentro daquilo que defendemos historicamente e dentro dessa questão conjuntural também.

ZÉ GERALDO (PT-PA)

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O deputado Zé Geraldo (PT-PA)

O que sr. lembra daquele dia e nunca mais vai se apagar da sua memória?
Zé Geraldo – Minha lembrança é da sessão do Conselho de Ética, quando foi decisiva a nossa posição de votar contra Cunha, já com a faca no pescoço. Ele já vinha chantageando. Ou o PT salvava ele no Conselho ou ele instalava [o impeachment]. Ele precisava de 1 voto. As votações davam empate e o presidente do Conselho [José Carlos Araújo, do PR da Bahia] desempatava contra ele. Ao PT bastava dar 1 voto e ele estaria livre da cassação. Na medida que nós anunciamos e o Rui [Falcão, presidente do PT] se manifestou, no outro dia ele instalou o processo. Aquela sessão para nós era um divisor de águas. O PT resolveu romper e hoje está vivendo esse processo de impeachment injusto e ilegal, nascido das mãos do Cunha, o político mais corrupto do Brasil.

Passou pela sua cabeça que Eduardo Cunha abriria o processo contra Dilma e que seria irreversível?
Zé Geraldo – Eu sempre achei que ele ia abrir e sempre achei que tínhamos que reunir as forças necessárias para que tivéssemos os votos para vencer na Câmara. E já sabia que dificilmente reverteria no Senado. O PT e o governo não conseguiram usar as ferramentas disponíveis para impedir que o impeachment tivesse os 342 votos naquela sessão. No domingo [17.abr.2016] de manhã havia a ilusão na bancada do PT e no governo de que eles não teriam [os votos para abrir o processo de impeachment]. Foi um erro de avaliação grave.

Arrepende-se do que fez, recusando-se a participar de uma operação para salvar Cunha em troca de ele enterrar o pedido de impeachment contra Dilma?
Zé Geraldo – Não me arrependo nem um pouco. Até porque o Cunha, ao se salvar naquele momento, poderia mais tarde enfiar a faca no pescoço do PT. Faltou ao PT, à bancada, a todos nós, investir mais num processo de mobilização que tivesse feito o STF afastar [antes] o Cunha. Se ele tivesse sido afastado antes, não teria tido impeachment. (…) Não havia clima no PT e na esquerda para fazer qualquer acordo de salvação de Cunha. Hoje está muito claro que Cunha simboliza a chantagem, a corrupção e a má política.

Sabendo agora o que se passou, se pudesse voltar ao passado, faria algo diferente?
Zé Geraldo – Eu faria a mesma coisa. Eu era da tese de que só reverteríamos a situação com uma mobilização nacional. Nós temos 5.000 diretórios no país. Se cada um mandasse 4 pessoas, seriam 20 mil em Brasília. Com relação ao meu voto e ao posicionamento do PT, eu continuo achando que nós fizemos aquilo que deveríamos e teríamos que fazer. Acertamos. O erro foi o PT e a bancada ficarem o tempo todo acreditando que eles não teriam como colocar os 342 votos. E eles colocaram.
Eu era da tese de que deveríamos tumultuar e inviabilizar aquela sessão [do impeachment]. A tese vencedora foi a aposta no número de votos. Na negociação [com os deputados]. No domingo de manhã ainda havia uma avaliação de que eles não teriam os votos. Que muita gente iria faltar.

O sr. acha que a sua decisão contribuiu para melhorar a imagem do PT?
Zé Geraldo – Contribuiu para botar lenha na fogueira, no sentido de você unir o PT e os partidos de esquerda para fazer o debate e o enfrentamento. Mas não foi o suficiente. Faltou o comando das esquerdas para uma mobilização. O que houve foram mobilizações momentâneas. Em nenhum momento houve resistência popular. Eu defendia um acampamento de 30 mil ou 40 mil pessoas, que inclusive pressionasse o STF. Eu entendo que uma das principais engrenagens que apoiaram o golpe foi o STF. Na hora que era pra interferir, na hora em que o Cunha já era réu e já tinha o pedido do Janot [para afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara], ele [STF] não agiu. Não agiu porque o Cunha era importante no processo do impeachment. Sem o Cunha na presidência da Câmara, não haveria impeachment no Brasil.

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