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Arquivo : Veiga Filho

Mossack pagava comissão para advogados que conseguissem clientes no Brasil
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Fernando Rodrigues

Conheça detalhes da atuação dos panamenhos no Brasil 

Diretores “laranjas” custavam apenas US$ 200 a mais

Escritórios eram vitais para a estratégia da Mossack

155 bancas foram procuradas, mostram Panama Papers

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A Mossack também oferece vários “serviços jurídicos” em seu site

Escritórios de advocacia eram os principais alvo da Mossack Fonseca no Brasil. Pesquisa nos documentos da série Panama Papers revela que 1 entre cada 6 empresas que lidavam diretamente com a Mossack para tratar de clientes brasileiros de 2003 a 2015 era escritório de advocacia ou consultoria tributária.

Essas empresas são tão essenciais na estratégia comercial da MF para captar brasileiros interessados em abrir offshores em paraísos fiscais que, em contrapartida, recebiam até honorários para cada contrato assinado.

Há vários motivos pelos quais alguém busca abrir offshores em paraísos fiscais –e todos eles são usados pelos escritórios para atrair clientes. O principal deles é para economizar dinheiro, pagando menos impostos –o que nem sempre é ilegal.

Recursos colocados em paraísos fiscais muitas vezes não estão sujeitos a impostos locais, e por isso esses países podem ser uma opção interessante para sediar empresas que trabalham com comércio exterior. Leia sobre quando ter uma offshore é legal.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada no domingo (3.abr.2016) é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung. O material está sendo investigado há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

OPERAÇÃO COMUM
Há uma operação comum para quem usa offshores: a transmissão de patrimônio e herança –pais podem transferir bens aos seus filhos caso eles sejam sócios ou beneficiários de uma mesma offshore sem ter que pagar imposto algum em países como as Ilhas Virgens Britânicas, por exemplo. É o que se chama, no jargão do Direito, de planejamento tributário e sucessório.

Nessas situações, não há motivo para esconder o nome dos proprietários da empresa a ser criada. Mas a ocultação do verdadeiro dono das empresas é um serviço oficial oferecido pela Mossack e que atrai muita gente interessada em não aparecer em registros oficiais.

Por apenas cerca de US$ 200 a mais, um possível cliente não precisa se preocupar em colocar seu nome ou de qualquer conhecido no quadro de diretores da empresa –são funcionários da MF que fazem esse papel. Eles também podem aparecer até como proprietários das ações da empresa, caso se pague outra taxa extra.

O verdadeiro dono, assim, não seria sequer dono da offshore no papel. Nesses casos, ele poderia ter apenas uma procuração em nome da empresa para decidir qualquer coisa: seja a abertura de uma conta bancária ou a destituição de qualquer um dos diretores ou mesmo dos acionistas de fachada providenciados pela Mossack.

No dialeto do mundo das offshores, essa prática é conhecida como “asset protection” (proteção de patrimônio, em inglês). Ela pode ser perfeitamente legal: uma empresa interessada em atuar em outro país pode querer entrar no novo mercado sem que abra todas as cartas e se identifique logo de cara para os seus concorrentes. Basta declarar a offshore no seu país de origem e pronto.

Mas a existência dessa possibilidade também dá ensejo para usos menos nobres. Há, aí, desde o empresário que quer esconder parte do seu dinheiro para protegê-lo de um futuro divórcio até gente sonegando impostos, ocultando patrimônio ou mesmo criando empresas em nomes de laranjas para driblar sanções internacionais.

IMPOSTOS
No caso brasileiro, a maior parte dos escritórios de advocacia que apresentaram clientes para a Mossack interessados em abrir companhias offshore são especializados na área de planejamento tributário.

Nos registros da firma panamenha, foram identificados pelo menos 1.284 offshores abertas por meio da sua filial brasileira (no total, mais de 210 mil empresas estão documentadas no Panama Papers). Escritórios de advocacia do país fizeram o trabalho de intermediação em ao menos 197 dessas offshores.

A companhia panamenha guardava registro das bancas com as quais mantinha relação. Entre os escritórios ativos que mais lhes apresentaram clientes estão Alessandro Dessimoni, responsável por 43 companhias, Gabriela Duva, por 39, Menezes e Abreu Advogados, com 30 clientes, e Zilveti e Sanden Advogados Associados, com 17.

“Há clientes que demonstram interesse em constituir empresas no exterior, no que não atuo. Nesses casos, encaminho-os simplesmente a escritórios especializados, dentre os quais Mossack Fonseca. Com essas apresentações, encerrava minha participação. Agia como se fora um corretor de imóveis, apresentando comprador ao vendedor, recebendo comissão, no caso de honorários”, explica a advogada Gabriela Duva.

Os outros 3 escritórios mencionados acima foram procurados pela reportagem, mas não se pronunciaram.

No Brasil, para chegar aos seu público-alvo, a MF realiza diversas reuniões de prospecção de novos parceiros para vender o seu produto. Os escritórios de advocacia são o foco desses esforços, por causa do seu potencial como intermediador de novos contratos.

De 2003 até janeiro deste ano, quando a Polícia Federal devassou o escritório brasileiro da Mossack Fonseca, a sucursal brasileira registrou 643 visitas de prospecção de clientes. Uma a cada quatro foi para escritórios de advocacia.

GRANDES MARCAS
Além dos clientes ativos, há registros de 155 escritórios que foram procurados pela Mossack Fonseca, mas não mantiveram nenhuma relação. Esses escritórios constam nos bancos de dados como clientes prospectados. Entre eles, encontram-se grandes escritórios do Brasil, como o “Pinheiro Neto Advogados”, “Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados”, e “Barbosa, Müssnich & Aragão”.

A reportagem procurou todos para que pudessem comentar sua relação com a empresa panamenha. O escritório Pinheiro Neto confirmou que recebeu representante da Mossack em agosto do ano passado, para que a empresa pudesse apresentar seu portfólio de serviços, mas que a reunião foi corriqueira e que não resultou em qualquer tipo de cooperação ou relacionamento profissional.

O Mattos Filho afirmou que não tem registro da reunião e que a MF não é seu cliente. Os outros não se pronunciaram.

O recorde de prospecção de escritórios de advocacia foi em 2003 e 2004, mas a atuação da Mossack Fonseca continuou sem pausas e em ritmo intenso ao longo de toda a última década.

Como indicam os documentos, o “modus operandi” da MF consistia primeiro em visitar e fazer reuniões com possíveis parceiros. Nessa fase, são apresentados os serviços de abertura de offshores.

São mostradas também as opções de lugares para abertura: Nevada, Ilhas Virgens Britânicas, Seychelles, entre outras. Cada jurisdição proporciona diferentes condições de tributação e de confidencialidade de dados.

Além disso, a Mossack Fonseca também cobra taxas diferenciadas para cada. A aquisição de uma empresa no Panamá em 2010, por exemplo, poderia custar US$ 2.500, enquanto uma equivalente em Nevada saía por US$ 2.900.

Há também variedade nos serviços a serem escolhidos. O cliente pode optar pelo pacote mais simples –ou seja, paga apenas pelo serviço de “despachante” para que a MF abra a empresa no local desejado– ou pode ir atrás de produtos mais complexos.

Além do uso de diretores ou proprietários de fachadas, há a opção também de se comprar o que se chama de “empresa de prateleira” –uma offshore já criada há mais tempo (e talvez já usada por outro cliente) que ajuda ainda mais a ocultar a finalidade real do negócio.

Uma empresa do tipo em Seychelles, um arquipélago paradisíaco de 150 ilhas localizado no Oceano Índico, tinha preço promocional de US$ 1 mil em 2007, conforme indicam e-mails dos Panama Papers.

Criada a empresa, os clientes passavam a pagar anuidade para a manutenção da conta, que pode custar entre US$ 1000 e 2500 dólares, dependendo da jurisdição.

ENCONTRO COM O PRIMO DE MALUF 
Os relatórios de reuniões dos representantes locais da MF com os escritórios de advocacia são detalhados. Um deles relata a visita de uma agente da Mossack ao escritório do advogado Clóvis Antonio Maluf, que, nas palavras da funcionária, é responsável por um escritório que presta assessoria na área empresarial e que é primo do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).

A representante da Mossack comenta sobre os serviços de abertura de offshores –”o cliente se interessou bastante”– e entrega uma tabela de preços, com o valor de abertura para Panamá, Bahamas, Niue e Seychelles.

Segundo o relatório, o cliente afirmou já trabalhar com sociedades no Uruguai, país que na sua opinião era “muito seguro, com relação à abertura de informações confidenciais” e que já teve sérios problemas com jurisdições como Luxemburgo e Seychelles, pois “todas as informações sigilosas foram abertas para investigações”.

A visita termina com um presente: a agente da Mossack deixa um abridor de cartas e diz estimar em 100% a chance do cliente se tornar ativo.  Pelos registros da MF, entretanto, o negócio não veio a se concretizar.

“Devo dizer que fui procurado algumas vezes pela Mossack Fonseca, mas nunca fiz nenhum negócio com eles nem com empresas correlatas”, afirmou, por e-mail, Clóvis Maluf.

Participaram da série Panama Papers os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

Saiba como foi feita a série Panama Papers

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