Blog do Fernando Rodrigues

Quando Jango caiu, metade dos discursos na Câmara apoiou golpe

Fernando Rodrigues

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Hoje, é quase unânime a condenação do golpe de 1964 e da deposição de João Goulart (foto). Mas no dia seguinte ao levante militar de 1º.abr.1964, que apeou Jango do Palácio do Planalto, mais da metade dos discursos feitos na Câmara dos Deputados foi a favor da iniciativa dos militares.

A Casa teve sessão cheia em 2.abr, iniciada às 13h30 e encerrada às 16h. Compareceram 297 do total de 404 deputados à época –quórum de 73%.

Naquele 2.abr.1964, tomaram o microfone 20 deputados para discursar na sessão da Câmara: 11 declararam apoio ao golpe e 9 condenaram a manobra militar.

Nesta quinta-feira (14.nov.2013), os restos mortais de Jango, morto em 1976 durante o exílio na Argentina, retornaram a Brasília para receber honras de chefe de Estado.

Entre os entusiastas do golpe, a UDN (União Democrática Nacional) era o partido mais representado. No polo oposto, destacavam-se os deputados do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), a legenda de Jango.

Embora a sessão de 2.abr.1964 tivesse registrado a presença de políticos que depois se tornaram muito famosos, nenhum deles se manifestou naquele dia. Ficaram mudos, entre outros, os seguintes: Almino Afonso (PTB-AM), Antônio Carlos Magalhães (UDN-BA), Francisco Julião (PSB-PE), Franco Montoro (PDC-SP), Gilberto Mestrinho (PTB-AM), Gustavo Capanema (PSD-MG), José Sarney (UDN-MA), Luiz Viana (PL-BA), Pedro Aleixo (UDN-MG), Roberto Saturnino (PSB-RJ), Rubens Paiva (PTB-SP), Tancredo Neves (PSD-MG), José Richa (PDC-PR) e Ulysses Guimarães (PSD-SP).

Na tabela a seguir, os deputados que fizeram uso da palavra naquela sessão:

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Os discursos, acirrados, estão no Diário do Congresso Nacional. Leia abaixo alguns trechos selecionados pelo Blog:

Jango ‘delirante’

No início da sessão, o deputado Carvalho Sobrinho (PSP-SP) pega o microfone para recomendar que Goulart lesse o livro “Estética da Morte”, de Salomão Jorge, apresentado como um “libelo contra os totalitarismos” e os “efeitos devastadores” do materialismo histórico. O mundo, à época, vivia o auge da Guerra Fria entre o capitalismo dos Estados Unidos e o comunismo da União Soviética.

Sobrinho chama Goulart de “delirante” e cita uma passagem por ele atribuída a Montesquieu para ilustrar o golpe: “Quando os selvagens da Luziânia querem colher uma fruta, cortam a árvores pela base, e, então, a despojam de seus frutos”. Para Sobrinho, “é essa a advertência que não quis ouvir o delirante e hoje deposto Sr. João Goulart”.

‘Coração triste’

Na direção oposta, Petrônio Fernal (PTB-PR) abre sua fala dizendo que seu coração “está triste, está chorando”. Fernal se diz indignado com a falta de resistência contra o golpe. “Justamente quando assumiu a Presidência da República aquele que, em verdade, após Getúlio Vargas, foi o que mais representou as grandes camadas do povo deste país, esse homem cair sem uma resistência propriamente dita é quase a morte da democracia, principalmente para o Congresso, que foi quem realmente deu o golpe de Estado, antecipando-se às próprias Forças Armadas”, afirma.

Ao final, aposta que as ideias de Jango teriam guarida no futuro do país: “Cessou quase o fogo, talvez tenha cessado. São cinzas de ruínas e desespero para os corações democráticos. Mas debaixo destas cinzas ainda há fogo, aquele fogo ateado pelo próprio João Goulart como um rastilho de luz que amanhã será o farol que há de iluminar e ainda há de fazer em futuro desta nação”.

‘Carnaval’

O deputado udenista Arnaldo Nogueira, da Guanabara, citando notícias, comparou as ruas do Rio no dia seguinte ao golpe a um carnaval fora de época. “Se transformou numa cidade de alegria e festividade e de uma expansão dos ânimos que andavam tensos nos últimos dias pela vitória da verdadeira democracia. Os cariocas saíram às ruas para festejar a passagem do Exército libertador, do Exército da democracia. O mesmo aconteceu na capital de São Paulo, que não é cidade carnavalesca. As informações que nos chegam é que São Paulo fez um verdadeiro carnaval”.

‘Rasgaram a Constituição’

Chagas Rodrigues (PTB-PI) apresenta argumentos jurídicos contra o golpe, citando lições do jurista Pontes de Miranda, e conclui que os udenistas ''rasgaram a Constituição de República'': ''O espetáculo que me foi dado presenciar na madrugada de hoje foi desses que provocam sentimento de profunda tristeza nos espíritos que cuidam a democracia e conhecem, pelo menos um pouco, o Direito Constitucional. (…) O Congresso não decidiu nada. O presidente do Senado, entretanto, comunicou que estava vaga a Presidência da República e que o novo presidente era o presidente da Casa. Nem houve a aparência de legalidade. E dizer que os que rasgaram a Constituição da República são homens que vivem a falar em democracia e em legalidade neste país.''

‘Desordem’

Amaral Neto (UDN-Guanabara), exorta os golpistas a exercerem um governo “enérgico” e “sem nenhuma espécie de desordem”: “Houve uma revolução no Brasil, revolução que foi confirmada pelo Poder Legislativo como não poderia deixar de ser. E agora é preciso que essa revolução, que não foi a favor de nada, mas foi antilegalidade, tenha seu seguimento normal, na realização de um governo enérgico mas sereno, tranquilo mas sem nenhuma complacência, sem nenhuma espécie de desordem, porque ele foi constituído para acabar com a desordem”.

‘Tirania’

Para o deputado Fernando Santana (PSD-BA), o governo que se instalava naquele instante o fazia na base “da tirania e da ditadura”. Ele cita as prisões arbitrárias que começavam a ocorrer pelo país:

“Ninguém considere este país com autoridade, pelo simples fato de se ter rasgado a Constituição, de se ter deposto o presidente da República e de se ter instalado um governo de fato. Ninguém considere que a paz está reinando sobre este país. Ninguém considere que todas as questões que traziam tanta inquietação a este país estejam magicamente resolvidas, pelo simples fato de se ter transferido o poder, rasgando a Constituição. O governo que se instala o faz na base da tirania e da ditadura. Colegas nossos estão presos. Quero citar, especialmente, o deputado Neiva Moreira. Também foi preso o deputado Abelardo Jurema, que acumulava a condição de ministro de Estado. Se foi em nome de uma democracia que se instalou um novo poder, se foi em nome da paz, se foi em nome da fé e da religião que tanto apregoam, por que este governo se iniciou justamente prendendo homens que deveriam estar livres, fechando estações de rádios que deveriam estar noticiando para o povo?”

(Bruno Lupion)

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