Blog do Fernando Rodrigues

Entenda o caso SwissLeaks-HSBC

Fernando Rodrigues

US$ 1,4 bilhão foi recuperado em impostos e multas por países que já investigaram

Brasil ainda não está investigando e pretende requerer os dados ao governo da Suíça

SwissLeaks-logo

A seguir, as respostas para as perguntas mais frequentes a respeito da série internacional de reportagens SwissLeaks.

Este post é um complemento ao que já foi publicado aqui neste Blog em 12.fev.2015 (Entenda como é a apuração do SwissLeaks e a política editorial sobre o caso).

O que é o caso SwissLeaks?
Trata-se de uma apuração jornalística multinacional coordenada pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) em parceria com o jornal francês “Le Monde”.

O nome (“SwissLeaks”) pode ser traduzido para o português como “vazamentos suíços”. É uma referência ao maior vazamento de dados bancários suíços da história, ocorrido na agência de “private bank” do HSBC em Genebra.

O vazamento se deu em 2008, mas até hoje (2015) a imensa maioria dos dados era mantida em segredo.

 

Qual o volume de dados vazados e o total de dinheiro envolvido?
Segundo análise do ICIJ, o SwissLeaks envolve depósitos totais de mais de US$ 100 bilhões, mantidos na agência de “private bank” do HSBC de Genebra por cerca de 106 mil clientes de 203 países. Os dados se referem aos anos de 2006 e 2007.

 

Quanto desse total se refere ao Brasil?
Os arquivos do HSBC indicam que os correntistas brasileiros tinham cerca de US$ 7 bilhões em 2006 e 2007 no banco em Genebra. Eram 6.606 contas e 8.667 clientes –muitos clientes compartilhavam contas.

O Brasil é o 9º país com o maior valor depositado no SwissLeaks e 5º em número de clientes.

SwissLeaks-countries-ranking

 

Existem de fato listas de contas que o HSBC fez para cada país?
Não, longe disso. O que há são centenas de milhares de fichas individuais de cada cliente e planilhas com informações variadas.

A equipe de jornalistas do ICIJ passou vários meses depurando os dados e montando as “listas” internas apenas para facilitar o trabalho dos repórteres em campo.

Quando uma reportagem é produzida, é necessário checar cada dado novamente nas fichas individuais dos clientes, pois é ali que estão as informações no seu formato original e sem nenhum tipo de manipulação.

Vale também registrar: se o governo brasileiro, algum dia, tiver acesso aos dados da forma como vazaram do HSBC na Suíça, será necessário algum tempo até que técnicos da Receita Federal, Banco Central e Coaf processem e organizem as informações para entender do que se trata. Os arquivos do HSBC não contém os tradicionais números de referência usados por órgãos de controle no Brasil, como CPF, RG ou número do passaporte dos correntistas.

 

Qual é a fonte dos dados e dos vazamentos?
Os documentos foram obtidos pelo ICIJ com base em um acervo de informações que foi retirado do HSBC por Hervé Falciani, um ex-funcionário do banco.

Falciani retirou os dados do HSBC e os entregou para as autoridades francesas em 2008. Por que e em que condições ele fez isso? Há várias respostas possíveis. Este perfil de Falciani produzido pelo ICIJ (em inglês) tenta encontrar algumas explicações.

As informações bancárias (valores) se referem aos anos de 2006 e 2007, embora estejam ali também registros antigos sobre as aberturas das contas.

 

O que o governo francês fez com as informações?
Os dados foram entregues ao Fisco da França, que passou a investigar todos os franceses citados –por possível crime de evasão de divisas e sonegação de impostos. O caso foi amplamente noticiado pela mídia.

Em 2010, o governo da França passou a compartilhar o acervo vazado do HSBC com outros países que demonstraram interesse.

 

Quanto dinheiro já foi recuperado pelos países?
De 2010 até 2014, cerca de US$ 1,36 bilhão foi recuperado em impostos e multas.  Na Bélgica, o governo recuperou o equivalente a US$ 490 milhões. Na Espanha, US$ 298 milhões.

O governo brasileiro nunca demonstrou interesse em ter acesso ao material, embora o assunto tenha recebido destaque na mídia internacional há anos.

Após a divulgação do SwissLeaks, órgãos do governo brasileiro passaram a dizer que tentarão obter os dados do governo da Suíça. Trata-se de um caminho errado. O governo suíço não fornece essas informações.

 

Como o ICIJ obteve acesso a todos os dados?
O jornal “Le Monde” obteve o material do Fisco francês, que estava investigando o caso.

Trata-se de um acervo muito vasto. Seria muito difícil só um jornal analisar e investigar tudo sozinho. O “Le Monde” então compartilhou as informações com o ICIJ na condição de que seria formada uma força-tarefa internacional para investigar jornalisticamente em vários países, sob vários ângulos.

O trabalho inicial, de análise de fichas individuais dos correntistas, demorou vários meses até que se pudesse chegar aos números aproximados de número de pessoas por país.

 

Como foi a operação montada pelo ICIJ?
O ICIJ montou um time de mais de 140 jornalistas em 45 países. Esse número continua a ser ampliado. Entre outros, participam da equipe repórteres do “Le Monde”, da rede de TV britânica BBC, do jornal inglês “The Guardian”, do programa televisivo norte-americano “60 Minutes” e do jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”.

No Brasil, foi escolhido o jornalista Fernando Rodrigues, integrante do ICIJ desde a década de 1990 e atualmente no portal UOL.

 

Quem são todos os jornalistas que participam da apuração?
A lista completa está no site do ICIJ.

 

Quais são as descobertas mais importantes do SwissLeaks?
São quatro:

1) O setor de “private bank” do HSBC na Suíça continuou por um período a oferecer serviços a clientes cujos nomes já eram relacionados de maneira crítica pela ONU, além de estarem em ações judiciais e mencionados em reportagens sobre tráfico de armas, contrabando de diamantes e pagamento de propina;
2) Entre os clientes atendidos pelo HSBC na Suíça estavam o ex-presidente do Egito Hosni Mubarak, o ex-presidente da Tunísia Ben Ali e o atual chefe político da Síria, Bashar al-Assad;
3) As contas bancárias do HSBC na Suíça incluem os nomes de políticos aposentados ou em atividade em países como Reino Unido, Rússia, Ucrânia, Geórgia, Quênia, Romênia, Índia, Liechtenstein, México, Líbano, Tunísia e Congo;
4) O HSBC repetidamente assegurou aos seus clientes que não iria divulgar os detalhes das contas para autoridades de nenhum país –mesmo que houvesse indícios de que o dinheiro depositado não tivesse sido declarado para as autoridades fiscais. Os funcionários do HSBC também discutiam com os clientes, em reuniões reservadas, um elenco de medidas para reduzir o pagamento de impostos em seus países de origem. Essas práticas incluíam manter as contas em nomes de empresas em paraísos fiscais.

 

Todos os correntistas do HSBC citados no caso SwissLeaks estão agindo de maneira ilegal?
Possivelmente, não. Mas não se sabe. E talvez nunca será possível ter uma resposta completa para essa pergunta. Seria necessário que todos os países analisassem, uma a uma, as contas de seus nacionais e divulgassem oficialmente o que fosse encontrado.

Em princípio, qualquer pessoa pode manter legalmente uma conta no exterior. Essa é a regra no Brasil. Basta declarar a conta no Imposto de Renda e informar ao Banco Central quando os valores forem remetidos para outro país.

No caso do HSBC, entretanto, há muitos indícios de que as contas que fazem parte do acervo do SwissLeaks são em sua maioria para esconder dinheiro e pagar menos impostos. São contas identificadas apenas por um código alfanumérico e muitas vezes relacionadas a uma empresa num paraíso fiscal.

 

No caso do Brasil, como os dados são de 2006 e de 2007, os crimes fiscais estão prescritos?
Para casos de sonegação fiscal, o prazo prescricional é de 5 anos.

Mas há o crime mais grave, de evasão de divisas. Está tipificado na lei 7.492, de 1986, que trata ''dos crimes contra o sistema financeiro nacional''. Eis o que diz o artigo 22 que define o que é evasão: ''Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País''. A pena para quem comete esse crime é ''reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa''.

Esse crime de evasão de divisas só prescreve depois de 12 anos. Ou seja, hoje (fev.2015) está sujeito a algum tipo de punição quem tinha dinheiro depositado no HSBC da Suíça em 2007 e não havia feito o devido registro do envio de recursos no Banco Central do Brasil.

 

A quem compete no Brasil investigar o caso?
Três órgãos podem investigar: Receita Federal, Banco Central e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

O vazamento dos dados do HSBC da Suíça ficou conhecido já em 2008, quando as informações chegaram ao governo da França. Em 2010, as autoridades francesas passaram a compartilhar dados com as de outros países. O governo brasileiro até hoje (fev.2015) nunca tinha tomado nenhuma atitude a respeito.

 

Se as contas são apenas numeradas, como é possível saber quem são os titulares?
Aí está o ineditismo do SwissLeaks.

Já houve casos em que uma ou algumas contas numeradas na Suíça tiveram seus titulares revelados. Desta vez, os dados que vazaram trazem também o arquivo ultrassecreto que liga as contas numeradas aos seus titulares (pessoas físicas) e a eventuais empresas em paraísos fiscais.

 

Como reagiu o HSBC?
No início das investigações, o HSBC reagiu de maneira agressiva. Disse que se tratava de informação furtada (o que é verdade) e que não merecia crédito. O banco demandou ao ICIJ que destruísse todas as informações e não publicasse nenhuma reportagem baseada nesses dados.

No Brasil, essa também foi a primeira reação do banco, com uma mensagem que sugeria uma ameaça de processo se algo fosse publicado pelo UOL.

Quando verificou que o ICIJ e os veículos associados em vários países seguiriam adiante, o HSBC recuou de sua posição inicial. Passou a admitir que no passado as regras do banco não eram tão rígidas a respeito de aceitar clientes suspeitos e tolerar sonegação de impostos.

Por fim, uma vez publicadas as primeiras reportagens, em 8.fev.2015, o HSBC publicou anúncios em vários jornais britânicos no domingo 15.fev.2015, pedindo desculpas.

O HSBC é um dos maiores bancos do mundo. Sua sede é em Londres e a organização está presente em 74 países.

 

Por que o ICIJ não publica os arquivos completos do SwissLeaks?
O ICIJ publicou um resumo de como tem conduzido o caso. No texto, explica por que não publica a íntegra dos arquivos obtidos. O ICIJ afirma ser uma “organização de jornalismo investigativo”, e, sendo assim, “publica reportagens que tenham interesse público”. O caso SwissLeaks expõe “falhas sistêmicas significativas dentro de um dos maiores bancos do mundo, o HSBC”. Os arquivos mostram que “alguns clientes algumas vezes foram ajudados pelos funcionários do banco a sonegar impostos e praticar evasão de divisas de seus países”. Já “outras partes dos arquivos são de natureza privada e não têm interesse público”.

“O ICIJ não fará divulgação em massa de dados pessoais, mas vai continuar a investigar todos os dados com a ajuda de seus parceiros na mídia”.

 

Quem financia o ICIJ?
O ICIJ é uma organização não governamental sem fins de lucro. A parte principal do financiamento vem de fundações e de apoio financeiro do público em geral.

Entre os financiadores recentes do ICIJ estão os seguintes: Adessium Foundation, Open Society Foundations, The Sigrid Rausing Trust, The Ford Foundation, Pew Charitable Trusts e Waterloo Foundation. O filantropo australiano Graeme Wood também fez uma doação recente.

Se você desejar ajudar o ICIJ, basta entrar na página de doações da entidade.

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