Governo errou antes e depois dos protestos
Fernando Rodrigues
Nos últimos dias, PT e Planalto tentaram desqualificar manifestações
Entrevista de ministros após os atos mostra discurso desafinado
O governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu errar antes e depois dos protestos deste domingo (15.mar.2015) em todo o país.
Nos últimos dias e semanas, o PT e o Palácio do Planalto trabalharam para tentar desqualificar previamente as marchas de protesto. Nas redes sociais, simpatizantes dilmistas classificavam os manifestantes de “elite branca”, “coxinhas”, “varanda gourmet” e “almofadinhas”. A crítica mais benigna dos governistas era que haveria pouca gente ou que apenas setores da classe média sairiam de casa no domingo.
A forte adesão de centenas de milhares de pessoas destruiu os argumentos petistas e do Planalto. Segundo o Datafolha, São Paulo teve a maior manifestação política (210 mil pessoas) desde as Diretas-Já, em 1984.
Passadas as marchas, a presidente Dilma Rousseff escalou dois ministros para falar com repórteres. Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência) e José Eduardo Cardozo (Justiça) apareceram para a entrevista com camisas sociais azuis, sem gravata, ternos desalinhados e semblantes de derrotados. Nessas horas, imagem é quase tudo.
Mas o conteúdo ainda foi mais desalentador para o governo. Um ministro (Cardozo) começou com uma fala mais humilde falando em respeito à democracia. O outro (Rossetto) começou classificando os manifestantes como eleitores que votaram contra Dilma Rousseff em 2014. Disse também que “não é legítimo o golpismo, a intolerância, o impeachment infundado que agride a democracia”. Mas como o ministro Rossetto sabe que todos os que foram às ruas queriam o impeachment e votaram contra Dilma?
Tudo somado, Rossetto e Cardozo não trouxeram em suas falas nada que pudesse minimizar o mau humor de brasileiros que estão protestando. Sem contar as velhas desculpas do tipo “o Brasil só melhora depois de uma reforma política”.
Para Cardozo, “a atual conjuntura aponta para uma necessária mudança no nosso sistema político-eleitoral (…) é um sistema anacrônico que constitui a porta de entrada principal para a corrupção no país. Então, é preciso mudá-la por meio de uma ampla reforma política”.
Ocorre que o governo federal é comandado pelo PT há 12 anos. Durante algum tempo, o presidente no poder (Lula) teve mais de 80% de aprovação popular. Mesmo assim, a administração federal petista não se sentiu compelida a promover uma reforma política. Dizer que agora tudo depende de leis mais rígidas e de uma reforma política é uma possível saída retórica. Mas a eficácia desse argumento é frágil.
Quem conversa com os assessores de Dilma Rousseff sente que o problema no momento parece ser a grande incapacidade do Palácio do Planalto de reconhecer o que está se passando na sociedade. E, em seguida, ter presença de espírito para fazer algum tipo de autocrítica para reconquistar uma parte da confiança perdida entre os brasileiros.
O país passa por um momento curioso do ponto de vista sociológico. A demonstração de indignação se transformou quase numa forma de relacionamento social. Os amigos vão ao restaurante, o garçom demora para atender e em segundos alguém está falando alto: “É um absurdo. O Brasil não dá mais. Nada funciona”. Pode-se gostar ou não dessa atitude, mas cenas assim estão se tornando cada vez mais comuns.
O pior para quem está no governo é não entender esse “zeitgeist”, esse espírito do tempo que parece estar tomando conta de parte da sociedade brasileira, sobretudo nos grandes centros urbanos.
As imagens da TV mostraram desde cedo no domingo mais de uma dezena de cidades com protestos de pessoas nas ruas. A TV Globo transmitiu vários flashes ao vivo. As TVs de notícias 24h (GloboNews, BandNews e RecordNews) ficaram quase 100% do tempo com imagens dos atos públicos.
País de tradição abúlica, o Brasil tem poucos episódios de grandes passeatas. Teve a direita em 1964. As Diretas-Já, em 1984/85. O impeachment de Collor, em 1992. As jornadas de junho de 2013, que protestaram contra quase tudo, principalmente contra a política tradicional.
Como se observa na história, o Brasil às vezes passa 10 anos ou mais entre um momento e outro de grandes protestos. Agora, essa distância parece estar se estreitando. Menos de 2 anos depois das marchas de junho de 2013 há um novo protesto generalizado. É um fato raro.
O Brasil não é a Argentina ou outros países latinos nos quais é comum a população ir às ruas reclamar.
O que se passou neste domingo –sem fazer juízo de valor sobre determinadas propostas que apareciam nas faixas dos manifestantes– tem grande relevância política.
Goste ou não dos manifestantes, o governo Dilma às vezes demonstra não entender que a tessitura do grupo que foi às ruas neste 15 de março é muito semelhante à das massas que fizeram as Diretas-Já e o impeachment de Collor.
Sem uma reação melhor do que a entrevista dos ministros Rossetto e Cardozo será difícil a presidente Dilma se recuperar politicamente.