Lei da repatriação perdoa crimes e até 50 anos de pena para sonegadores
Fernando Rodrigues
Haverá indulto para evasão de divisas, sonegação e lavagem de dinheiro
Bastará declaração de que bens têm origem lícita para entrar no programa
Imposto será menor do que o do Imposto de Renda de assalariados
Publicada hoje, a lei 13.254, que cria o regime especial da repatriação de recursos mantidos ilegalmente no exterior, concede perdão a crimes cujas penas máximas somadas equivalem a 50 anos. São perdoados os crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e previdenciária, uso de documentos falsos, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Durante a discussão do projeto no Congresso, o governo defendia que a repatriação não significaria o perdão a crimes. Mas significa: ficaram mantidos os indultos a outros crimes além da evasão de divisas e da sonegação fiscal, comum a todos os que mantiveram recursos no exterior sem declará-los nem pagar imposto.
A extinção da punição a esses outros crimes já estava na proposta original enviada pelo governo para a Câmara. A justificativa era a de que a inclusão de indulto a certos crimes era necessária para tornar o projeto viável e oferecer segurança jurídica para atrair mais interessados.
Durante a passagem do texto pela comissão especial na Câmara, onde foi modificado antes de ir ao plenário, foram incluídos os crimes de descaminho e contrabando, uso de “laranjas” –terceiros que realizavam operações em nome do verdadeiro beneficiário– e a extensão da punição a outras pessoas envolvidas no esquema para manter o dinheiro no exterior. Essa última regra isentaria de pena também os “laranjas”, doleiros e outros operadores. Esses itens foram todos vetados pela presidente. As informações são do repórter Mateus Netzel.
Eis a tabela com todos os crimes perdoados (clique na imagem para ampliar):
Como mostrar a tabela acima, um beneficiado pela repatriação que tenha cometido todos os crimes que serão perdoados poderá se livrar de penas que chegam (no limite máximo, somadas) a 50 anos.
Isso sem considerar que, em vez de pagar uma multa vultosa, essa pessoa teria seu dinheiro totalmente legalizado com uma taxação nominal de 30% dos bens – 15% de Imposto de Renda e 15% de multa (percentuais que, na prática, serão reduzidos, como será demonstrado a seguir).
OUTROS BENEFÍCIOS
Além do perdão aos crimes, o “Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)”, como foi chamado o sistema de repatriação criado pela lei, oferece outros atrativos para aumentar a adesão ao programa, e, por consequência, a arrecadação do governo.
Uma delas é a forma de declaração dos bens. Segundo a lei, podem entrar no programa pessoas com “recursos, bens ou direitos de origem lícita (sic), não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais”.
Como a pessoa provará que o dinheiro escondido é lícito? De maneira simples: basta “declaração do contribuinte de que os bens ou direitos de qualquer natureza declarados têm origem em atividade econômica lícita”. Ou seja, não há nenhuma exigência complexa de comprovação da origem do dinheiro. Esse, inclusive, foi um dos pontos da lei original vetados pela Presidência.
A lei permite até que seja regularizado dinheiro depositado em ''trusts'' e outras “sociedades despersonalizadas”, artifícios utilizados para tentar apagar o rastro do dinheiro ilegal no exterior.
MULTA + IMPOSTO: 20%
Outra vantagem oferecida é uma espécie de abatimento monetário do imposto e da multa cobrados. A lei sancionada considera a taxa de câmbio de 31.dez.2014 para o cálculo do valor dos recursos em reais. Nessa data, o dólar estava em R$ 2,66.
Na prática, a alíquota que será paga sobre o valor depositado no exterior para tornar tudo legal cai de 30% (como está na lei) para cerca de 20%. O valor é inferior aos 27,5% que assalariados pagam mensalmente (quem tem renda mensal igual ou acima de R$ 4.665) e que seria cobrado caso os bens tivessem sido mantidos legalmente no país.
DE FORA
Um dos dispositivos da lei que não foi vetado foi o impedimento à adesão de políticos ao regime da repatriação. Emenda proposta e aprovada na Câmara dos Deputados impede que detentores de cargos públicos eletivos ou de direção e seus parentes até o 2º grau possam aderir ao RERCT.
No Congresso, esse dispositivo da lei da repatriação foi chamado de ''emenda anti-Cunha'', numa referência ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é acusado de ter contas no exterior –o que ele nega.