Análise: Temer terá 2 a 3 meses para acertar governo e implantar projeto
Fernando Rodrigues
Vice-presidente ainda depende de decisão do Senado
Se assumir, ocupará Planalto de maneira interina
Crise política e econômica não se dissiparão com rapidez
A aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados neste domingo (17.abr.2016) não é o final do processo, mas apenas o início de uma longa transição política.
O possível sucessor da petista, o vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, assumirá em condições adversas. As crises política e econômica não vão se dissipar automaticamente.
O impeachment não funciona como um interruptor que, ao ser acionado, muda o clima do país da noite para o dia. Haverá algum oxigênio imediato, mas a recuperação da confiança por parte dos agentes econômicos e financeiros é um processo mais lento.
Se e quando vier a assumir o Palácio do Planalto –a decisão ainda depende de uma batalha no Senado–, o vice-presidente terá pouco tempo para mudar o clima entre o governo e o restante da sociedade.
Esse prazo é difícil de ser mensurado, mas é improvável que a boa vontade de praxe concedida a novos governantes exceda, no caso de Michel Temer, mais do que 2 a 3 meses. É nesses cerca de 90 dias que o eventual novo presidente terá de executar duas missões principais:
1) Pacificar o Congresso: é preciso melhorar a relação entre o Planalto e uma base de apoio composta por senadores e deputados. Hábil negociador e talhado para o diálogo, Temer pode ter sucesso inicial nesse desafio. Mas terá de equilibrar a política de ajuste fiscal (necessária na economia) com o apetite voraz dos congressistas por cargos e verbas;
2) Estabilizar a economia: o desemprego continua em alta. A inflação está contida momentaneamente pelo pior dos fatores: a recessão. O problema é que a inflação passada pressiona várias categorias de trabalhadores a fazer movimentos por mais reajustes salariais –isso significa que o Brasil pode conviver com greves nos próximos meses.
Já as grandes reformas (Previdência, trabalhista e fiscal) dependem de maioria constitucional no Congresso. Quase todas desagradam aos movimentos organizados de trabalhadores. A chance de haver sucesso no curto prazo nesses itens econômicos é pequena.
LONGA INTERINIDADE
O maior de todos os desafios de Michel Temer será o de vender otimismo e reverter as expectativas atuais. Fala-se muito em Brasília de “efeito Mauricio Macri”, o novo presidente da Argentina.
Macri foi eleito e assumiu a Casa Rosada recentemente. Fez muito pouco de prático. Mas sua retórica liberal e grande disposição para o diálogo reduziram a tensão no país.
O problema é que esse efeito é efêmero se no decorrer do mandato não ocorrerem mudanças concretas. O próprio Macri já começa a enfrentar na Argentina um cenário não muito favorável nas últimas semanas.
O mesmo se dará com Temer. Com um grande fator agravante: o peemedebista, se assumir, estará exercendo a função de presidente apenas de maneira interina.
Se o impeachment também for admitido pelos senadores, Dilma Rousseff não perderá o cargo, mas estará apenas afastada de suas funções. Terá o salário cortado em 50%, mas poderá continuar a morar no Palácio da Alvorada.
O afastamento da presidente, se assim decidirem os senadores, pode durar até 180 dias (6 meses). Enquanto o Senado não finalizar o processo de julgamento por crime de responsabilidade, a petista será “presidente afastada” do Brasil. Ao mesmo tempo, Michel Temer será “presidente interino”.
É nessas condições que o peemedebista terá de encontrar soluções para as crises política e econômica.
INTERREGNO POLÍTICO
Michel Temer estará assumindo o Planalto, se o Senado confirmar o afastamento de Dilma Rousseff, numa situação que se encaixa à perfeição no conceito de “interregno” formulada pelo italiano Antonio Gramsci (1891-1937):
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.
As manifestações de rua no Brasil nos últimos meses indicam um desejo da sociedade por uma nova organização político-partidária. A maioria dos atos de protesto pedia “fora, Dilma”. Não houve um movimento a favor da posse de Michel Temer. Ao contrário, há até uma emergente ação de negação completa da política –o que é altamente deletério e produz um caldo de cultura para aventuras populistas.
Para usar o mesmo termo de Gramsci, haverá também um interregno formal e constitucional entre a decisão deste domingo (17.abr.2016) e a eventual confirmação do Senado a respeito do afastamento de Dilma Rousseff.
É improvável que os senadores decidam sobre esse tema em menos de 20 dias. Ou seja, até meados de maio o Brasil terá uma presidente “semiafastada” e um vice-presidente… quase presidente. Esse vácuo de poder agravará certamente a incerteza na economia –pois ninguém terá como prever com segurança o desfecho.
É claro que o mais provável é que o Senado possa validar a decisão da Câmara, afastando Dilma Rousseff por até 180 dias. Foi assim em 1992, quando o então presidente Fernando Collor de Mello foi alvo de impeachment.
Mas como também já mostraram repetidamente em todas as análises recentes, em 1992 o Brasil e o cenário eram outros.
Agora, a resistência ao lado de Dilma Rousseff é muito mais robusta do que a que existia em torno de Collor. Para adicionar ainda mais octanagem ao cenário, há a Operação Lava Jato. Dezenas de políticos que se alinharam a Temer nas últimas semanas são alvo da investigação sobre corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e agentes públicos.
Tudo considerado, deve haver algum “distensionamento” do ambiente político com o impeachment de Dilma Rousseff aprovado neste domingo. Afinal, a grande maioria da Câmara ficou ao lado de Michel Temer.
A dúvida é se essa mesma maioria estará em breve –com a eventual posse de Temer no Planalto– ao lado do governo na hora de aprovar medidas amargas para consertar a economia e as instituições brasileiras.
A rigor, os grandes grupos políticos hoje alinhados a Temer são o empresariado e os financistas do eixo Rio-São Paulo. Esse apoio não é incondicional. Só será mantido se o eventual novo presidente se mostrar apto a tocar as reformas que são caras ao establishment econômico –regras trabalhistas mais flexíveis, impostos mais amigáveis e uma mudança na Previdência Social.
Por fim, correm em paralelo ações contra a chapa vencedora da eleição presidencial de 2014 –Dilma Rousseff & Michel Temer. O peemedebista ofereceu um argumento ao Tribunal Superior Eleitoral para livrá-lo do caso, dizendo que suas contas de campanha são separadas da candidata ao cargo principal.
Assim como na política, na Justiça Eleitoral os argumentos são aceitos de acordo com a conjuntura. Se Temer for um sucesso na pacificação do país e injetar confiança na economia, certamente terá chances de se livrar da ação no TSE. Se o cenário for de um governo patinando e sem condições de oferecer perspectivas otimistas ao país, tudo se inverte.
No caso de cassação da chapa presidencial vitoriosa completa de 2014, há duas possibilidades. Nos 2 primeiros anos de mandato (ou seja, até 31.dez.2016), novas eleições diretas são convocadas em 90 dias. Se a chapa for cassada a partir de 2017, há nova eleição –mas aí de maneira indireta, pelos integrantes do Congresso Nacional.
Tudo considerado, a mensagem principal pós-impeachment é esta: a incerteza não acabou e o desafio de Michel Temer (se assumir o Planalto) será igual ou até maior do que o enfrentado até agora por Dilma Rousseff.