40% das operações na Bolsa brasileira são feitas por “robôs”
Fernando Rodrigues
Compra e venda chega a ocorrer a cada 10 milissegundos
Dado inédito é parte de livro que será lançado nesta 4ª
Em 2014, cerca de 40% das operações de compra e venda que ocorriam no mercado financeiro brasileiro eram controladas por “robôs”.
Trata-se de programas de computador (softwares) que compram e vendem ações num intervalo que pode chegar a 10 milissegundos (para comparação: uma piscada de olho demora 400 milissegundos). O objetivo é ganhar com oscilações imperceptíveis a olho nu nos valores dos papéis.
O dado inédito faz parte do livro “A Finança Digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional”, (Ed. Insular). O autor é o sociólogo e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Edemilson Paraná. A obra será lançada em Brasília nesta 4ª feira (25.mai).
No artigo abaixo, produzido para o Blog, Paraná detalha os principais achados da pesquisa.
Finanças, tecnologia e sociedade no século XXI
Por Edemilson Paraná*
Inúmeros estudos têm alertado para o fato de que, desde a década de 1980, os mercados financeiros em todo mundo têm, paulatinamente, deixado de financiar as atividades produtivas, que geram renda e emprego, para se tornar um “fim em si mesmo”, uma espécie de circuito fechado na busca constante de ganhos meramente especulativos. A relação desse processo com o aumento das desigualdades e com a perpetuação de crises econômicas, como a vivida atualmente no Brasil, tem sido sonoramente demonstrada.
Cabe lembrar que, em 2008, às vésperas da grande crise cujos efeitos ainda afetam o mundo quase oito anos depois, o montante de riqueza em ativos financeiros (não incluído o enorme volume de derivativos) chegava a quatro vezes o valor de toda a renda acumulada pela produção real da economia mundial. Isso é parte do que muitos estudiosos têm chamado de “financeirização” das economias.
Trata-se de um processo de reordenação da lógica geral da acumulação de capital em prol da valorização financeira. Ou seja, falamos da submissão do processo produtivo como um todo aos objetivos e modos de funcionamento da finança. Está relacionado a esse processo, além de outras distorções, o crescente poder político dos operadores financeiros em definir os rumos sociais e políticos de nossas sociedades.
Menos discutida e demonstrada, no entanto, é a relação entre a financeirização das economias e o que tem sido chamado de “sociedade da informação”. Em busca de evidenciar melhor essa relação, investiguei de que modo a revolução tecnológica dos últimos 40 anos está vinculada ao “giro financeiro” nas economias.
Algumas descobertas desse trabalho investigativo estão no livro “A Finança Digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional”. Com números, documentos e uma série de dados e informações colhidas em entrevistas com importantes operadores do mercado financeiro brasileiro, descrevo no livro um cenário digno de ficção científica. Um mundo em que a busca por riqueza é alavancada por sofisticados modelos matemáticos, robôs automáticos e softwares de negociação que buscam ganhos financeiros inimagináveis, na casa dos milissegundos. Investimentos na faixa de centenas de milhões de dólares são feitos por empresas para ganhar 2 ou 3 milissegundos no intervalo entre uma ordem de negócio e sua realização (para se ter uma ideia, uma piscada de olho humano leva cerca de 400 milissegundos).
Intrigante, em especial, foi descobrir, que em 2014 cerca 40% das operações de compra e venda de ações e demais papéis no mercado brasileiro eram realizadas por tais robôs. Mais surpreendente é pensarmos que, nos Estados Unidos, tal percentual chega a quase 70% das operações.
A “Finança Digitalizada” inaugura todo um conjunto de novos acontecimentos, riscos e problemas vinculados a esta nova lógica de funcionamento. A “eletronificação” e automatização crescente do mercado de capitais brasileiro, por exemplo, que segue a passos largos, conforme descrevo, é nitidamente acompanhada por aceleração de processos, aumento substancial no número e velocidade de negócios realizados, concentração em diferentes níveis (investidores, empresas listadas em bolsa, corretores), aumento da proeminência de investidores e corretores estrangeiros e diminuição da participação de pequenos investidores no mercado.
É certo que estas e tantas outras mudanças que aqui menciono não são produto apenas do desenvolvimento tecnológico, como variável única. Elas remontam à ampla liberalização e desregulamentação dos mercados e fluxos financeiros em todo mundo, reconfiguração na própria estrutura das economias e da relação destas com os mercados financeiros, entre outros –algo que o livro se esforça em demonstrar ao traçar o histórico das mudanças na relação entre mercados, política e sociedade, dos anos 1980 até o presente.
No entanto, induzido em muitos aspectos pela própria dinâmica de valorização financeira, tais avanços tecnológicos acabam por acelerar e fortalecer o processo de financeirização das economias em questão. É certo que tal processo não existe apenas por conta do desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TICs), mas, ao mesmo tempo, não poderia, nesse quadro, ser gestionado como tal sem o auxílio destas. Em resumo, sem o auxílio de tais mecanismos, vários ativos e instrumentos financeiros não existiriam ou simplesmente não poderiam ser negociados como tais nos mercados do século 21.
Para melhor explicar essa relação, conceituo no livro o que chamo de “ciclo de operação da finança digitalizada”. Um círculo em que, em resumo, o encurtamento dos fluxos espaço-tempo, o aumento de gaps tecnológicos entre reguladores e regulados, e a concentração dos ganhos na esfera financeira somam-se e reforçam-se mutuamente, potencializados por uma espécie de “espiral de complexidade” tecnológica –em que a corrida por novos avanças leva a outros, e assim por diante.
Tudo somado, a “teórica” função conferida aos mercados financeiros como alocadores de necessidades econômicas, ao possibilitarem o encontro de compradores e vendedores, tomadores e emprestadores de recursos para viabilizar negócios e a produção econômica como um todo –aquela que gera consumo, renda e emprego– perde cada vez mais relevância em detrimento de uma lógica crescentemente especulativa a drenar e concentrar os excedentes da produção social na esfera financeira. Excedentes estes que passam a ser retroexplorados por meio de arbitragem na escala de milissegundos, viabilizada por avanços tecnológicos de ponta.
O momento atual no Brasil certamente aponta para a necessidade de as sociedades olharem com mais atenção e cuidado para essa nova realidade.
*Edemilson Paraná é sociólogo, pesquisador-bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). O lançamento do livro A Finança Digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional (Insular, 2016) será nesta quarta-feira (25.mai) em Brasília, no Café Objeto Encontrado (Quadra 102 Norte), às 19h. O livro conta com orelha de Leda Paulani (USP), quarta-capa de Alfredo Saad Filho (University of London), apresentação de Michelangelo Trigueiro (UnB) e prefácio de Maria de Lourdes Mollo (UnB).