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Obras financiadas pelo Banco Mundial despejam 10 mil brasileiros em 8 anos
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Fernando Rodrigues

Projetos receberam US$ 2 bilhões da instituição

Banco reconhece falhas na aplicação de diretrizes de reassentamento

Projetos de infraestrutura financiados pelo Banco Mundial no Brasil levaram à remoção forçada de 10.094 brasileiros de suas moradias no período de 2004 a 2013. Essas pessoas estavam no caminho de 12 obras viárias, de saneamento, requalificação urbana e preservação ambiental. Foram despejadas pelas autoridades públicas –em muitos casos, sem receber uma alternativa de moradia adequada.

Os projetos foram realizados por governos municipais e estaduais, com empréstimos no valor total de US$ 2 bilhões do Banco Mundial. A instituição financia projetos que resultem em melhorias sociais e econômicas nos países considerados em desenvolvimento. O Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), como é conhecido, tem como meta lutar contra a pobreza e “não causar mal” às pessoas ou ao meio ambiente.

Os dados foram compilados pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), ao longo de 11 meses, com repórteres de mais de 20 veículos de diversos países. No Brasil, participaram 2 jornalistas da Agência Pública.

O Banco Mundial estabeleceu regras para minimizar o impacto da remoção de pessoas no final da década de 1970, quando a represa de Sobradinho, na Bahia, financiada com recursos do banco, resultou em um desastre. Cerca de 60 mil pessoas foram vítimas de um reassentamento caótico e mal planejado. À época, algumas famílias tiveram que sair correndo de suas casas enquanto a água subia, deixando para traz rebanhos de vacas e cabras que acabaram afogados.

Depois desse episódio mal sucedido em Sobradinho, o Bird passou a orientar as administrações públicas que recebem empréstimos a não despejar pessoas sem aviso prévio e oferecer alternativas de moradia adequada. A apuração do ICIJ revela que isso não se verifica na prática. Há casos dramáticos de remoções forçadas na Índia, Etiópia, Nigéria e outros países.

No Brasil, o projeto recente com dinheiro do Banco Mundial que mais despejou pessoas foi conduzido pelo Estado da Bahia de 2006 a 2013, com o objetivo de requalificar áreas urbanas. Batizado de “Bahia Dias Melhores”, sua meta era beneficiar 201 mil pessoas em Salvador e Feira de Santana com melhorias de serviços e equipamentos públicos. Recebeu US$ 49 milhões do banco. Segundo o ICIJ, ao final do projeto 5.768 pessoas haviam sido despejadas.

Em seguida está um projeto do Estado do Ceará para conservar bacias hidrográficas que abastecem a região metropolitana de Fortaleza e ampliar o fornecimento de água para moradores de pequenas cidades no interior. Aprovado em 2008, com US$ 103 milhões do Banco Mundial, as obras levaram à remoção forçada de 1.176 pessoas, segundo o ICIJ.

O terceiro projeto com maior impacto na moradia dos mais pobres foi conduzido pelo governo do Distrito Federal, com empréstimo de US$ 57 milhões do Banco Mundial, autorizado em 2005. O objetivo era melhorar as condições de vida nas cidades satélites e a qualidade da água dos rios Vicente Pires e Descoberto. Segundo o Banco Mundial, as obras urbanísticas beneficiaram 40 mil moradores da Vila Estrutural e sistemas de esgoto contribuíram para a segurança hídrica de mais de 1 milhão de moradores. Mesmo assim, o ICIJ estimou 903 pessoas despejadas ao final do projeto.

Houve remoção forçada de outras 820 pessoas em uma iniciativa do município de Betim (MG) para ampliar a rede de esgoto, com US$ 24 milhões do Banco Mundial e encerrado em 2011, e 584 pessoas em 2 projetos em Pernambuco, concluídos em 2013, que receberam US$ 222 milhões da instituição financeira para melhorar as condições de vida da população que vive às margens do Rio Capibaribe.

O ICIJ também identificou remoções forçadas em projetos nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Uberaba (MG), Santos (SP) e nos Estados do Rio Grande do Sul e Sergipe.

A tabela abaixo traz um resumo dos dados apurados pelo consórcio de jornalistas:

Arte

BUROCRACIA INTERNA
Pesquisa realizada em 2014 com funcionários do banco e divulgada em março indica que a pressão por realizar grandes obras de impacto enfraqueceu a fiscalização sobre o tratamento dispensado aos mais pobres.

Segundo o levantamento, 77% dos servidores do Banco Mundial responsáveis por garantir a observância das regras dos empréstimos avaliaram que a instituição “não valoriza” seu trabalho. O banco reconheceu que tem feito um acompanhamento insuficiente da sua diretriz de reassentamento.

Em diversos casos, a instituição continuou a fazer empréstimos para governos que comprovadamente despejaram pessoas sem fornecer alternativa de moradia, abrindo espaço para a repetição da prática, segundo empregados do Banco Mundial ouvidos pelo ICIJ.

 

OUTRO LADO
Indagado, o Banco Mundial reconheceu que seu sistema de vigilância para evitar remoções forçadas irregulares era “fraco” e prometeu reformas. “Fizemos uma dura avaliação interna sobre reassentamentos e o que encontramos me deixou profundamente preocupado”, afirmou em nota o presidente da instituição, o sul-coreano Jim Yong Kim.

De 2004 a 2013, o Banco Mundial se comprometeu a emprestar US$ 455 bilhões para cerca de 7.200 projetos em países em desenvolvimento. Segundo o ICIJ, essas obras resultaram na remoção forçada de 3,3 milhões de pessoas de suas moradias.

Não é possível afirmar que em todos os casos não foi oferecida alternativa de moradia adequada, mas a pesquisa do consórcio de jornalistas indica que a prática de simplesmente despejar as famílias no caminho de obras se verifica com frequência muito acima do aceitável.

Jornalistas que participaram desta apuração: Sasha Chavkin, Ben Hallman, Michael Hudson, Cécile Schilis-Gallego, Shane Shifflett, Musikilu Mojeed, Besar Likmeta, Ciro Barros, Giulia Afiune, Mar Cabra, Anthony Langat, Jacob Kushner, Jeanne Baron, Barry Yeoman, Blaž Zgaga e Friedrich Lindenberg.

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