Lei Rouanet é “engodo” e precisa ser alterada, diz ministro da Cultura
Fernando Rodrigues
Dispositivo responde por 80% dos recursos hoje destinados à produção cultural
Juca Ferreira quer diminuir renúncia fiscal e pulverizar verba em mais Estados
O novo ministro da Cultura, Juca Ferreira, fez nesta 5ª feira (30.jan.2015) duras críticas à Lei Rouanet, que permite às empresas financiar apresentações culturais e deduzir 100% do valor gasto do Imposto de Renda. Ele afirmou que se dedicará para alterar a lei durante sua gestão.
A Lei Rouanet responde hoje por cerca de 80% dos recursos públicos destinados a incentivar a produção cultural brasileira. O dinheiro inicial sai do orçamento das empresas, mas é ressarcido integralmente para elas por meio de abatimento do Imposto de Renda.
Juca afirma que a verba é pública, mas os gastos são decididos pelo departamento de marketing das empresas, de acordo com o melhor retorno privado.
Segundo ele, 80% da verba hoje investida via Lei Rouanet é destinada a produtores culturais já estabelecidos em São Paulo ou no Rio. “Projetos inovadores ou da grande maioria dos Estados não interessam [às empresas]”, disse o ministro durante um “hangout” (conversa com internautas via Youtube) concedido nesta 5ª feira.
A alteração da Lei Rouanet foi um dos focos de atrito de Juca, que já chefiou o Ministério da Cultura de 2008 e 2010, e sua sucessora na pasta, Ana de Hollanda. “É preciso modificar isso (…) e houve uma interrupção na administração de Ana de Hollanda, começou uma rejeição a essa modificação”, afirma.
O ministro define o atual dispositivo como o “ovo da serpente neoliberal”. “Ela se propõe a ser uma Parceria Público-Privada, mas tem uma distorção ao permitir 100% de renúncia fiscal. É só dinheiro público, o ente privado não coloca nada”, diz.
Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que substitui a Lei Rouanet pelo Procultura (Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura). O novo sistema distribuiria as verbas de incentivo para mais Estados e municípios.
Segundo Juca, durante a tramitação do texto na Câmara, os deputados alteraram o percentual de renúncia fiscal para 100% da verba investida, aproximando o novo sistema do mecanismo atual. “Aí não adianta, modificar para fazer o mesmo”, diz. Ele tentará sensibilizar os congressistas de Estados prejudicados pela Lei Rouanet para reverter esse ponto.
Em 2014, a renúncia fiscal via Lei Rouanet alcançou R$ 1,3 bilhão. O valor destinado a produções culturais pelo mecanismo está no mesmo patamar desde 2010. Os dados estão na tabela abaixo, extraída do site do Ministério da Cultura.
A Lei Rouanet foi sancionada em dezembro de 1991, na administração de Fernando Collor. Seu nome homenageia Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura de Collor que se empenhou pela aprovação do dispositivo.
ANTIPETISMO
Indagado por um internauta sobre por que haveria um crescente “ódio” ao PT, Juca fez uma autocrítica da legenda. “Acho que a gente abusou um pouco dos erros, e quando a esquerda fica parecida com a direita, quem ganha é a direita”, afirma.
Ele apontou perda de “densidade política” do partido para representar a sociedade organizada e disse que o PT precisa ser mais rigoroso no combate à corrupção, “principalmente entre os seus quadros”.
ANA DE HOLLANDA E MARTA SUPLICY
Juca é famoso por contestar publicamente as gestões de suas sucessoras Ana de Hollanda e Marta Suplicy, mas durante o “hangout” fez críticas moderadas a ambas. As perguntas do público eram selecionadas por um moderador contratado.
Juca clamou para si a paternidade do “Vale-Cultura”, benefício que destina R$ 50 mensais para trabalhadores de empresas que aderirem ao programa, apresentado por Marta como uma das conquistas de sua gestão. “Esse programa foi para o Congresso na minha administração passada”, diz.
Ele também criticou o fechamento de bibliotecas municipais nas administrações Ana e Marta. Disse ter encerrado sua gestão anterior na pasta, em 2010, com bibliotecas nos 5.570 municípios brasileiros. “Três meses depois, 300 municípios já tinham fechado as bibliotecas, e hoje o número é maior ainda”, diz, apontando necessidade de parcerias com as cidades mais pobres.
Indagado sobre os atritos com suas sucessoras, Juca foi ameno: “As desavenças fazem parte da vida”.
(Bruno Lupion)