Reforma fiscal deixa de melhorar transparência de Estados e municípios
Fernando Rodrigues
Ajuda federal aos Estados poderia exigir mais transparência como contrapartida
85% das cidades brasileiras têm grau baixíssimo em ranking de transparência
Fabiano Angélico*
Uma das principais medidas da reforma fiscal, anunciada nesta 2ª (21.mar.2016) pelos ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e do Planejamento, Valdir Simão, é o auxílio aos Estados e ao Distrito Federal. O pacote prevê ajuda financeira aos governos estaduais – tal apoio está condicionado a contrapartidas, como a aprovação de leis estaduais de Responsabilidade Fiscal e o veto à concessão de renúncias fiscais. São propostas necessárias e interessantes.
Porém, medidas que poderiam melhorar a governança local, como a exigência de mais transparência, ficaram de fora. O aumento da transparência pública é essencial para que se possa verificar se os Estados estão gastando bem esses recursos adicionais anunciados pelo Governo Federal.
A ausência de mecanismos que exijam mais transparência dos governos estaduais certamente não decorre de desconhecimento do problema, pois até outro dia o atual chefe do Planejamento, Valdir Simão, comandava a Controladoria Geral da União (CGU), ministério responsável pelas políticas de transparência do Governo Federal e por medidas de estímulo a mais transparência nos Estados e Municípios.
Em novembro de 2015, Valdir Simão, ainda ministro-chefe da CGU, anunciava a 2ª edição da Escala Brasil Transparente, índice que mede o grau de transparência pública em Estados e municípios brasileiros quanto ao cumprimento às normas da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Naquela ocasião, a CGU anunciou que sete Estados tinham nota inferior a 5 (a escala vai de zero a 10: quanto mais transparente, maior a nota). Além disso, 4 Estados – incluindo aí uma unidade federativa com um dos maiores orçamentos do País (o Rio de Janeiro) – obtiveram nota entre 6 e 8:
UF | Região | Nota |
Amapá | Norte | 0,00 |
Amazonas | Norte | 1,39 |
Sergipe | Nordeste | 2,08 |
Mato Grosso do Sul | Centro-Oeste | 2,50 |
Roraima | Norte | 2,50 |
Acre | Norte | 3,33 |
Rondônia | Norte | 4,44 |
Pernambuco | Nordeste | 6,67 |
Santa Catarina | Sul | 6,94 |
Rio de Janeiro | Sudeste | 7,08 |
Alagoas | Nordeste | 7,92 |
Ceará | Nordeste | 8,06 |
Rio Grande do Norte | Nordeste | 8,19 |
Piauí | Nordeste | 8,47 |
Mato Grosso | Centro-Oeste | 8,61 |
Paraíba | Nordeste | 8,75 |
Rio Grande do Sul | Sul | 8,89 |
Pará | Norte | 9,03 |
Paraná | Sul | 9,31 |
Bahia | Nordeste | 10,00 |
Distrito Federal | Centro-Oeste | 10,00 |
Espírito Santo | Sudeste | 10,00 |
Goiás | Centro-Oeste | 10,00 |
Maranhão | Nordeste | 10,00 |
Minas Gerais | Sudeste | 10,00 |
São Paulo | Sudeste | 10,00 |
Tocantins | Norte | 10,00 |
Fonte: CGU |
Um levantamento semelhante, mas capitaneado pelo Ministério Público Federal, analisou, além do cumprimento à Lei de Acesso à Informação, o nível de transparência em relação a despesas e receitas. Também realizado no fim de 2015, o Mapa da Transparência apresentou resultados parecidos: Estados do Norte e Nordeste – além do Mato Grosso do Sul – com as mais baixas pontuações, e Estados com orçamento considerável, como o Rio de Janeiro, na metade inferior do ranking.
MUNICÍPIOS
Além da falta de incentivos a mais transparência por parte dos Estados, o plano de auxílio do Governo Federal poderia, ainda, estimular maior abertura dos municípios. Sabe-se que as cidades brasileiras dependem, em sua grande maioria, de repasses federais e estaduais. Assim, uma ajuda federal aos Estados poderia passar por um incentivo, por parte destes, ao aumento de transparência de seus municípios.
Além disso, uma das contrapartidas do plano de auxílio aos Estados é limitar o crescimento de despesas correntes à variação da inflação, com exceção das transferências aos municípios (ver página 8 da apresentação que se encontra no site oficial do Ministério da Fazenda). Uma vez que as transferências estaduais às cidades estão fora do controle de gastos, o governo federal poderia ter incluído uma exigência de mais transparência aos municípios.
É urgente a necessidade de se elevar o grau de transparência municipal. A já citada Escala Brasil Transparente, da CGU, indica que que 85% das cidades brasileiras (acima de 50 mil habitantes) têm grau baixíssimo de abertura: obtiveram nota zero ou 1 no levantamento.
Mesmo cidades médias e grandes, que tem orçamento razoável (e, portanto, recursos para contratar soluções), têm nota baixa. A tabela abaixo apresenta os 42 munícipios de mais de 200 mil habitantes que têm nota inferior a 5, segundo o Ministério Público Federal:
UF | Município | População | Nota |
AM | Manaus | 2.020.301 | 3.9 |
PE | Jaboatão dos Guararapes | 680.943 | 0 |
SP | Ribeirão Preto | 658.059 | 4.7 |
MG | Uberlândia | 654.681 | 4.6 |
MG | Contagem | 643.476 | 3 |
GO | Aparecida de Goiânia | 511.323 | 1.4 |
PA | Ananindeua | 499.776 | 3.3 |
RJ | São João de Meriti | 460.711 | 4.8 |
SP | Mauá | 448.776 | 4.3 |
AP | Macapá | 446.757 | 4.3 |
SP | Itaquaquecetuba | 348.739 | 4.7 |
PR | Ponta Grossa | 334.535 | 4.1 |
PE | Paulista | 319.769 | 0.7 |
MG | Ribeirão das Neves | 319.310 | 3.7 |
PR | Cascavel | 309.259 | 3.4 |
RJ | Petrópolis | 298.017 | 2.7 |
PR | São José dos Pinhais | 292.934 | 3.5 |
RN | Mossoró | 284.288 | 4.1 |
SP | Taboão da Serra | 268.321 | 1.1 |
TO | Palmas | 265.409 | 3.7 |
CE | Juazeiro do Norte | 263.704 | 2.2 |
PR | Foz do Iguaçu | 263.647 | 4.1 |
SP | Sumaré | 262.308 | 2.9 |
SP | Barueri | 259.555 | 4 |
SP | Embu das Artes | 259.053 | 4.4 |
MG | Ipatinga | 255.266 | 3.6 |
MA | Imperatriz | 252.320 | 0.4 |
RS | Viamão | 251.033 | 4.4 |
RJ | Magé | 233.634 | 0.4 |
MG | Sete Lagoas | 229.887 | 4.1 |
MG | Divinópolis | 228.643 | 3.1 |
SC | São José | 228.561 | 2.4 |
SP | Americana | 226.970 | 2.8 |
SP | Itapevi | 220.250 | 3.8 |
BA | Itabuna | 218.925 | 4.4 |
BA | Juazeiro | 216.588 | 4.1 |
MG | Santa Luzia | 214.830 | 4.1 |
SP | Hortolândia | 212.527 | 4.5 |
MT | Rondonópolis | 211.718 | 3.9 |
MS | Dourados | 210.218 | 3.1 |
SC | Criciúma | 204.667 | 0 |
RJ | Cabo Frio | 204.486 | 3.5 |
Fonte: levantamento do MPF |
Diante deste quadro de baixa transparência nos estados e municípios, é de se lamentar que o Governo Federal perca a oportunidade de funcionar como indutor de aprimoramentos na governança local. Nos fóruns internacionais sobre transparência e governo aberto, o Governo Federal costuma apresentar seus estudos e levantamentos sobre transparência local (como a Escala Brasil Transparente) como evidência de seus esforços para estimular boas práticas.
De fato, tais iniciativas são positivas. No entanto, a exigência de transparência como contrapartida a transferência de recursos e outras bondades seria um mecanismo mais decisivo para o aprimoramento da governança em nível subnacional no Brasil.
(*) Fabiano Angélico. 39. jornalista. é mestre em Administração Pública (FGV-SP) e tem pós-graduação em Transparência. Accountability e Combate à Corrupção (Universidade do Chile). Pesquisador. consultor e conferencista. é autor do livro “Lei de Acesso a informação: Reforço ao Controle Democrático” e presta ou já prestou serviços a organizações como Banco Mundial. Transparency International. Global Integrity. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong).