Relatório mostra restrição fiscal “sem precedentes” no Orçamento da União
Fernando Rodrigues
“Miragem de prosperidade” e R$ 208,7 bi de “restos a pagar”
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, estará na tarde desta 3a feira na Comissão Mista de Orçamento do Congresso e será confrontado com um duríssimo relatório preparado por técnicos da Câmara e do Senado.
“A proposta orçamentária para 2016 reflete um cenário de restrição fiscal sem precedentes, onde o montante das receitas primárias estimadas, a partir de indicadores macroeconômicos e pressupostos fiscais mais realistas, revela-se insuficiente para atender à totalidade das despesas primárias programadas”, diz o documento de 70 páginas, disponível aqui no Blog.
O estudo é assinado por Ricardo Alberto Volpe, diretor da Conof (Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados) e por Luiz Fernando de M. Perezino, diretor da Conorf (Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal).
Os técnicos mostram um quadro sombrio, com gráficos e tabelas –como essa da evolução dos “restos a pagar” (despesas de um ano que ficam para ser pagas num exercício seguinte), que atingiram R$ 208,7 bilhões em 2014:
“É razoável que haja resíduos passivos a serem pagos no exercício seguinte, em decorrência dos prazos associados aos atos a serem praticados pela administração pública e por seus credores”, diz o estudo. Mas em seguida vem uma forte advertência:
“O que se verifica, no entanto, é que a inscrição de restos a pagar decorre cada vez mais do excesso de autorizações em relação aos recursos disponíveis e se revela como instrumento de dilatação da vigência das dotações orçamentárias, que a rigor devem se restringir ao exercício financeiro que se referem”.
E a conclusão: “Essa situação leva a que o pagamento dos resíduos passivos concorra com o pagamento de despesas do orçamento aprovado para o exercício [corrente]. Cria-se, assim, um círculo vicioso que provoca o crescimento do estoque de restos a pagar, o qual alcançou o montante de R$ 227,9 bilhões ao final do exercício de 2014. Desse total, R$ 208,7 bilhões correspondem a despesas primárias”.
MIRAGEM DE PROSPERIDADE
Esse descontrole pode levar, diz o estudo dos técnicos da Comissão Mista de Orçamento, a uma situação em que se escapa de um erro para cometer outro. “Supondo haver cobertura financeira suficiente para as programações incluídas na lei orçamentária e em créditos adicionais, a sociedade e, muitas vezes os agentes públicos, podem se equivocar quanto à capacidade do governo de entregar os bens e serviços previstos no orçamento”.
“Essa ‘miragem da prosperidade’ pode ser sucedida pela ‘ilusão da austeridade’, nos casos em que se decide cumprir a meta fiscal. Dotações a descoberto prenunciam o contingenciamento de despesas. Porém, quando se decide fazê-lo, não é a necessidade de correção de falhas na elaboração do orçamento e em suas alterações que se destacam, mas sim o ânimo de responsabilidade fiscal do governo, que não significa necessariamente autêntica iniciativa de austeridade”.
De parágrafo em parágrafo, o relatório dos técnicos da Comissão Mista de Orçamento é devastador no seu diagnóstico do estado atual da economia brasileira.
O trecho final alerta para um problema cada vez mais presente na execução orçamentária do Brasil: a falta de transparência.
“Outro requisito de que depende a transparência orçamentária é o grau com que as programações incluídas no orçamento apresentam correlações claras com as políticas públicas. O ideal é que os agentes públicos e os cidadãos possam enxergar claramente, nas programações orçamentárias, as dotações destinadas a cada programa, plano, política ou projeto previsto na legislação e/ou que conste da agenda governamental. Contudo, contrariando o princípio da especificação, o adensamento de ações verificado nos últimos anos tem prejudicado ainda mais a desejável transparência orçamentária”.