Dilma sofre por ser mulher, diz Lula a empresários
Fernando Rodrigues
Ex-presidente sugere que deve voltar em 2018 e critica EUA por não permitirem que Bill Clinton se candidate novamente à Casa Branca
Em almoço reservado, Lula ensaiou algumas críticas à forma de Dilma Rousseff atuar, inclusive ao segurar os reajustes de preços de combustíveis
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou a empresários e representantes de bancos na última quarta-feira (19.mar.2014) que a presidente Dilma Rousseff tem sofrido um pouco mais que ele no comando do Palácio do Planalto porque “é mulher”.
Segundo o Blog ouviu de presentes ao encontro, promovido em São Paulo pelo Bank of America Merrill Lynch, Lula disse que “o problema é que ela [Dilma] é mulher e fica sem poder falar um palavrão, contar uma piada” quando precisa enfrentar alguma dificuldade na administração do governo. O ex-presidente afirmou que, por ser homem, “matava” muita coisa “no peito” e isso é às vezes mais difícil para sua sucessora.
Lula, entretanto, não declarou que pretende ser candidato agora para substituir Dilma. Ao contrário, enfatizou aos empresários e representantes de bancos que a petista tem todas as condições de se reeleger e que fará um segundo mandato “melhor”.
Na primeira parte do evento, Lula falou para cerca de 200 pessoas num grande salão do hotel Hyatt. Depois, almoçou com um grupo mais seleto, com aproximadamente 20 participantes. Nesse momento sua conversa ficou mais à vontade.
Em alguns momentos, quem estava presente sentiu que o ex-presidente criticava Dilma para ganhar confiança de quem o ouvia. Lula falou que a presidente precisava realmente dialogar mais e ser menos fechada, uma crítica recorrente do meio empresarial a respeito da atual ocupante do Planalto.
Não fica claro se o ex-presidente faz esse tipo de crítica à sucessora para valer ou se apenas usa a técnica comum de falar o que desejam ouvir os interlocutores para aí então passar seu recado mais facilmente.
Relatos sobre o que disse o ex-presidente indicam que ele sempre deixa aberta a possibilidade de concorrer ao Planalto. Alguns acharam que ainda pode ser neste ano. Outros ficaram com a impressão de que será em 2018, sobretudo quando o ex-presidente comparou os modelos políticos do Brasil e dos EUA.
Para Lula, o mandato de quatro anos com reeleição é o ideal. Considera que em oito anos seja possível implementar um projeto de administração. Mas disse considerar errado o sistema norte-americano. “Acho errado não poder voltar. Um quadro como o Bill Clinton não pode mais ser presidente…”, declarou, em tom de reprovação.
Bill Clinton foi presidente dos EUA por dois mandatos, de 1993 a 2001. A emenda 22 da Constituição norte-americana, de 1951, impede que um ex-presidente seja eleito mais de duas vezes para o cargo.
No almoço reservado, Lula ouviu muitas críticas dos presentes. Falaram sobre a perda de credibilidade externa do país. Sobre o custo maior para captar dinheiro no mercado internacional.
Só um dos participantes fez uma intervenção favorável –Abílio Diniz, que até contou uma pequena história. O empresário disse ter um amigo que costuma criticar Dilma Rousseff. Ele afirmou que sempre sugere a essa pessoa que vá “conhecer mais a Dilma”. Concluiu dizendo que talvez o único problema da presidente seja a comunicação. Lula concordou.
O ex-presidente sugeriu que todos ali procurassem falar com Dilma, estabelecendo um diálogo mais constante. Contou longamente como foi a montagem de sua equipe econômica, que teve Antonio Palocci no Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no comando do Banco Central –Meirelles foi um dos comensais.
Lula relatou que teve muita sorte na escolha de sua equipe para tocar a economia. Muitos dos presentes entenderam nesse momento que o ex-presidente estava criticando a qualidade do time atual de Dilma. Até porque o ex-presidente falou de maneira explícita que concordava que teria sido um erro o controle excessivo dos preços de combustíveis, que acabaram dilapidando a imagem da Petrobras. “Algumas coisas têm de ser corrigidas”, disse ele.
Para quem ouvia, ficou claro que o ex-presidente tinha reservas à forma como atua o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que foi citado nominalmente. havia sempre mais acidez nas referências a Guido do que a Dilma. Uma técnica clara de preservar a presidente, que concorre à reeleição, e rifar o ministro da Fazenda, que deixa a cadeira no início de 2015.
Têm sido frequentes encontros de Lula com empresários. Na semana anterior, ele havia tido uma reunião parecida no Paraná. Essas ocasiões servem a dois propósitos. Primeiro, são uma fonte de renda para o petista, que cobra para falar. Segundo, são momentos em que ele se apresenta como um anteparo de Dilma Rousseff, sempre disposto a ouvir críticas, concordar (ainda que apenas politicamente) com quase tudo e fazer uma pré-campanha pela reeleição da petista.