HSBC abrigou dinheiro obscuro ligado a ditadores e traficantes de armas
Fernando Rodrigues
Equipe de jornalistas de 45 países revela contas bancárias secretas mantidas por criminosos, traficantes, sonegadores fiscais, políticos e celebridades
Por Gerard Ryle, Will Fitzgibbon, Mar Cabra, Rigoberto Carvajal, Marina Walker Guevara, Martha M. Hamilton and Tom Stites
Documentos secretos revelam que o banco HSBC lucrou fazendo negócios com traficantes de armas que entregaram morteiros para soldados infantis na África, homens que levam dinheiro de ditadores do Terceiro Mundo, traficantes de diamantes e outros criminosos internacionais.
Os arquivos vazados, oriundos da filial suíça do HSBC, estão relacionados a contas com mais de U$ 100 bilhões em depósitos. Oferecem um olhar raro dentro do supersecreto sistema bancário suíço.
Os documentos, obtidos pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists) por meio do jornal francês “Le Monde”, mostram o banco tratando com clientes envolvidos em um amplo espectro de atividades ilegais, especialmente em esconder centenas de milhões de dólares de autoridades fiscais.
Os arquivos também revelam registros privados de jogadores famosos de futebol e tênis, estrelas do rock, atores de Hollywood, realeza, políticos e executivos.
As revelações iluminam a intersecção entre o crime internacional e negócios legítimos. Ampliam dramaticamente o que é conhecido sobre comportamento potencialmente ilegal ou antiético no HSBC, um dos maiores bancos do mundo.
Os registros de contas vazados mostram alguns clientes viajando a Genebra para sacar grandes quantias de dinheiro vivo. Também documentam grandes somas controladas por vendedores de diamantes conhecidos por atuar em zonas de guerra e vender pedras preciosas para financiar insurgentes que provocaram inúmeras mortes.
O HSBC, sediado em Londres e com filiais em 74 países e territórios, inicialmente insistiu que o ICIJ destruísse os arquivos. No Brasil, o banco ofereceu resposta parecida. Leia o post ''Clientes do Brasil tinham US$ 7 bilhões em 5.549 contas secretas''.
No último mês, após ser informado sobre o inteiro teor das descobertas da reportagem, o HSBC deu uma resposta final mais conciliatória, afirmando: “Nós reconhecemos que a cultura de ‘compliance’ e padrões de ‘due diligence’ na filial suíça do HSBC, assim como no setor em geral, eram significativamente menores do que são hoje”.
Na nota, o banco afirma: “[O HSBC] tomou passos significativos ao longo dos últimos anos para implementar reformas e se desfazer de clientes que não cumpriam os novos e rigorosos padrões do HSBC, inclusive aqueles sobre os quais nós tínhamos preocupações relacionadas a pagamento de tributos”.
O banco acrescentou que redesenhou parte de seus negócios: “Como resultado desse reposicionamento, a filial suíça do HSBC reduziu sua base de clientes em quase 70% desde 2007”.
O modo pelo qual o setor bancário em paraísos fiscais abriga dinheiro e esconde segredos tem grande impacto para as sociedades ao redor do mundo. Pesquisadores estimam, de forma conservadora, que US$ 7,6 trilhões são mantidos em paraísos fiscais, custando aos tesouros governamentais pelo menos US$ 200 bilhões por ano.
“O setor offshore é uma grande ameaça a nossas instituições democráticas e ao nosso contrato social”, afirmou ao ICIJ o economista francês Thomas Piketty, autor de “O Capital no Século 21”. “A opacidade financeira é uma das chaves para a crescente desigualdade global. Ela permite a uma grande parcela dos maiores rendimentos e maiores fortunas a pagar taxas ínfimas, enquanto o resto de nós paga altas taxas para financiar serviços públicos indispensáveis para o desenvolvimento”.
Não é ilegal na maioria dos países manter contas bancárias em paraísos fiscais, e ser identificado como titular de uma conta no HSBC Private Bank não significa por si só nenhum malfeito.
Os documentos obtidos pelo ICIJ são baseados em arquivos originalmente vazados por um antigo funcionário do HSBC, Hervé Falciani, entregue a autoridades francesas em 2008. O “Le Monde” obteve o material das autoridades da França e o compartilhou com o ICIJ com o compromisso que fosse formado um time de jornalistas de vários países para analisar os dados por múltiplos ângulos. O ICIJ reuniu mais de 140 jornalistas de 45 países.
Os repórteres encontraram os nomes de diversas pessoas na lista de sanções dos EUA, como Selim Alguadis, um empresário turco acusado de fornecer componentes elétricos sofisticados para o projeto nuclear da Líbia, e Gennady Timchenko, um bilionário associado ao presidente russo Vladimir Putin e alvo de sanções em resposta à anexação da Criméia.
Os dados não explicitam o exato papel de Alguadis ou Timchenko em relação às contas. O porta-voz de Timchenko disse que os motivos para as sanções eram “profundamente falsos” e que seu cliente “sempre cumpriu integralmente as obrigações fiscais”.
Consta dos arquivos Rachid Mohamed Rachid, ex-ministro de Comércio do Egito, que fugiu de Cairo em fevereiro de 2001 durante o levante contra Hosni Mubarak. Rachid, cujo nome aparece listado em uma conta com US$ 31 milhões, foi condenado à revelia por desvio de recursos públicos.
Outro nome relacionado a contas no HSBC suíço é Frantz Merceron, acusado de ser responsável por conduzir dinheiro do ex-presidente do Haiti Jean Claude “Baby Doc” Duvlaier, acusado de roubar US$ 900 milhões antes de fugir de seu país.
Também há menções a traficantes de armas nos arquivos do HSBC. O banco manteve Aziza Kulsum e sua família como clientes mesmo após ele ter sido apontado pela ONU como financiador da guerra civil no Burundi, na década de 90.
O nome de Fana Hlongwane, político e empresário da África do Sul, consta no banco de dados de clientes do banco. Ele é acusado pelo governo do Reino Unido de receber dinheiro para promover compra e venda de armas. O advogado de Hlongwane não respondeu a pedido de entrevistas.
IMPOSTOS
Os arquivos obtidos mostram que alguns clientes europeus foram aconselhados a respeito de como evitar o pagamento de taxas sobre contas bancárias, que entrou em vigor na União Europeia em 2005. A regra aplica-se apenas a indivíduos, não a empresas, e a filial suíça do HSBC aproveitou-se da brecha para vender serviços que transformavam indivíduos em corporações, com finalidades fiscais.
Os dados compartilhados por autoridades francesas embasam hoje investigações formais em diversos países. Juízes franceses estão examinando se o banco ajudou alguns clientes a evitar o pagamento de taxas em 2006 e 2007.
O HSBC afirmou ao ICIJ que está “integralmente comprometido a fornecer informações a autoridades” e “ativamente implantando medidas para assegurar que os clientes são transparentes em relação a impostos”.
A reportagem completa do ICIJ detalha os negócios de outras dezenas de correntistas citados nos arquivos do HSBC.
Contribuíram também para este artigo: Gerard Davet, Fabrice Lhomme, Elliot Blair Smith, Ryan Chittum, Charles R. Babcock, Cecile Schilis-Gallego, Matthew Caruana Galizia, Hamish Boland-Rudder, Emilia Diaz-Struck, Marcos Garcia Rey, Delphine Reuter, Karen Chang, Frederic Zalac, David Leigh and James Ball.