Brasília faz 55 anos sem alcançar maturidade econômica
Fernando Rodrigues
Dependência do setor público aumentou na última década
Distrito Federal é o local onde existe a maior distância entre pobres e ricos
A capital planejada do Brasil comemora 55 anos nesta 3ª feira, 21 de abril, emitindo sinais de que não pretende reduzir a dependência de sua economia do setor público.
Na última década, a participação da administração pública no PIB (Produto Interno Bruto) de Brasília permaneceu estável, com leve alta. Na outra ponta, o impacto do comércio, indústria e agricultura na produção de riqueza diminuiu.
A tendência aparece na pesquisa mais recente sobre o PIB local, divulgada em novembro de 2014 e relativa a 2012. Naquele ano, o peso da atividade pública na economia cresceu de 54,7% para 55,2% em relação ao ano anterior.
No mesmo período, a participação da indústria, que já era baixa, caiu de 6,4% para 5,7%. A produção agrícola manteve a fatia de 0,3% na economia local. O setor de serviços saiu de 38,6% para 38,8% –e os serviços, como se sabe, só sobrevivem em grande parte por causa do consumo do funcionalismo em Brasília.
Não há sinal que a dependência brasiliense do setor público será revertida ou minimizada no futuro próximo. Os percentuais de participação dos setores de serviço, indústria e comércio no PIB brasiliense permanecem estagnados há 1 década, conforme mostra o gráfico abaixo:
A anemia do setor privado de Brasília convive com uma generosidade excepcional da União. Em 2014, o governo federal destinou R$ 11 bilhões ao Distrito Federal por meio do Fundo Constitucional –benefício criado no final do governo Fernando Henrique Cardoso.
O Orçamento total de Brasília em 2014 foi de R$ 35 bilhões (incluídos aí os R$ 11 bilhões do Fundo Constitucional). A cifra confere à capital da República o maior Orçamento per capita do país. São R$ 12.272 por habitante.
A abundância de recursos não impediu que o Distrito Federal abrisse o ano de seu 55º aniversário em severa dificuldade econômica. A administração anterior, de Agnelo Queiroz (PT), deixou R$ 3,1 bilhões em dívidas, segundo seu sucessor, Rodrigo Rollemberg (PSB). Salários foram atrasados, serviços de poda e coleta de lixo, suspensos, e a festa de Réveillon por pouco não foi cancelada.
DESIGUALDADE
A forte presença do poder público também não foi eficaz para produzir uma sociedade menos desigual. Em 2013, último dado disponível no banco de dados do Ipea, o Distrito Federal era a unidade da Federação com maior concentração de renda no país (ou seja, quando é grande a distância entre os mais ricos e os mais pobres).
O gráfico abaixo compara o índice de Gini das 27 Unidades da Federação (quanto maior, mais desigual):
A disparidade socioeconômica em Brasília também aparece em um levantamento mais recente. A Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal) divulgou na 5ª feira (16.abr.2015) o IOH (Índice de Oportunidade Humana) das regiões administrativas.
O índice mede a probabilidade de os moradores terem acesso a 4 serviços básicos: eletricidade, água, saneamento e escolaridade. O bairro Sudoeste, de classe média-alta, teve o melhor IOH: 99,8. Já a região conhecida como Fercal, onde vivem operários de indústrias de cimento e asfalto, o IOH é de 78,3.
CULTURA DA REPARTIÇÃO
Há outro elemento difícil de mesurar, mas muito presente do Distrito Federal, que revela a dependência do Estado: a cultura da repartição. É comum ouvir de jovens em Brasília, de todas as classes sociais, que seu maior desejo é passar em um concurso público e garantir a “estabilidade” para o resto da vida.
Existem condições em Brasília que permitiriam uma atividade privada mais pujante: uma grande universidade, a UnB, com 34 mil estudantes de graduação e pós-graduação, o 2º maior aeroporto do país em número de passageiros e índices de educação e saúde acima da média nacional. Esses fatores foram insuficientes para estimular o ânimo empreendedor local.
Brasília é uma cidade “cabeada” para viver do governo, apesar de a sua criação não ter isso como vetor principal. Na década dos 1950s, foram 3 os fatores que levaram Juscelino Kubitschek a defender a construção da nova capital (hoje todos parecem bem curiosos):
1) Segurança: a capital da República no Rio de Janeiro tornava o governo vulnerável a eventuais ataques bélicos externos de alguma força inimiga;
2) Política: tirar o Congresso do Rio de Janeiro obrigaria os deputados e os senadores a “pensar o Brasil” de maneira mais ampla e responsável;
3) Desenvolvimento do interior do país: a capital perto do centro geográfico do Brasil ajudaria a estimular a economia em regiões antes esquecidas.
Como se sabe, o argumento da segurança é quase patético. Já na década de 1950 havia mísseis teleguiados para destruir cidades em qualquer lugar.
Falar que os políticos pensam em como comandar o Brasil de forma melhor em Brasília soa como uma piada de salão.
Por fim, o desenvolvimento da região Centro-Oeste independe de Brasília. A agricultura e a pecuária estão presentes nessa parte do país não por causa da nova capital, mas porque essa era uma fronteira inevitável a ser transposta.
O que sobrou? Só a nova capital, isolada no centro do país, completamente dependente do Estado e sem conseguir alavancar novas atividades econômicas. O problema maior é que há um custo pago por quem não mora em Brasília.
Cálculo feito pelo jornal “O Estado de S.Paulo” apontou que, em 2011, o gasto das 3 esferas da administração pública em Brasília superou a arrecadação local de impostos sobre a produção em R$ 59 bilhões. Quem paga por essa despesa são todos os brasileiros, cujos impostos, em parte, sustentam o sonho de Juscelino Kubitschek no centro do país.
Para efeito de comparação, a cidade de São Paulo arrecadou em impostos sobre a produção, no mesmo período, R$ 62 bilhões a mais do que gastou com o funcionalismo público
Brasília concentra a maior parte do funcionalismo federal. É natural que tenha dispêndios elevados com a máquina pública. Mas para uma cidade que desejava trazer o desenvolvimento para o centro do país, o resultado depois de 55 anos ainda está aquém do que seria a missão inicial.
Com mais de cinco décadas de existência, a capital da República apenas confirma, em parte, aquela triste e velha profecia sobre o Brasil: trata-se de um país que corre o risco de ficar obsoleto antes de ficar pronto.