PT e Dilma confundiram o mapa com o território e perderam o poder
Fernando Rodrigues
Petista achava que narrativa da honestidade bastaria
Dilma teve várias oportunidades, mas falhou na política
Fisiologia foi usada, mas de maneira desajeitada e ineficaz
Enfrentamento com Eduardo Cunha foi mal calibrado
Todos conhecem o argumento usado pelo PT e por Dilma Rousseff para se defenderem do processo que levou à cassação do mandato da petista neste 31 de agosto.
Primeiro, a defesa diz que o impeachment foi um golpe.
Segundo, que as razões protocolares (as pedaladas fiscais) seriam um delito menor e não passível de ser considerado crime de responsabilidade.
Terceiro, que os senadores pró-impeachment são adversários da democracia.
A tríade argumentativa dilmista baseia-se em uma certa ingenuidade postiça misturada com um cinismo calculado.
Afinal, o PT comandava um governo em estado de degradação política. Inexistia diálogo produtivo com o Congresso. O Planalto desprezava os aliados usados (apenas usados) na trajetória para chegar ao poder. Todo mundo que é alguém na direção petista concordava com esse diagnóstico há muito tempo.
A economia se deteriorava num trilho paralelo ao da política. Decisões equivocadas tomadas por Dilma Rousseff se sucediam. A recuperação se tornou cada vez mais improvável.
Nesse cenário de crise de duas cabeças (política e econômica), o que esperavam Dilma Rousseff e o PT? Que a oposição fosse condescendente? Que o PSDB e o DEM aquiescessem e aceitassem aprovar projetos de lei de interesse do Palácio do Planalto?
Atenção: este post não pretende defender o impeachment de Dilma Rousseff nem as suas motivações. O afastamento de um presidente da República é traumático. Sempre deve ser evitado.
A ideia aqui é refletir sobre as barbeiragens políticas dos que agora estão sendo limados do poder.
A falta de destreza política é fatal em democracias representativas jovens como a brasileira.
O PT e Dilma Rousseff sabem disso.
Numa de suas respostas a senadores nesta semana, Dilma Rousseff afirmou que a “vida é dura”. Parafraseando a presidente cassada, a política então é duríssima. Política serve para chegar ao poder. Em seguida, para se manter no topo.
Vale aquela regra emprestada da física: em política não tem vácuo. Quando um espaço se abre, logo é preenchido.
Oposição numa democracia representativa é como 1 tubarão em busca de carne. Sente o cheiro do sangue à distância. São animais (a política e o tubarão) predadores. Matam o inimigo. Os petistas vivem há décadas nesse ecossistema. Quando chegaram ao Planalto, atingiram o topo da cadeia alimentar.
Há 17 anos, o PT patrocinou um pedido de impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O requerimento foi enviado ao arquivo pelo então presidente da Câmara, Michel Temer. Numa sessão noturna, em 18 de maio de 1999, uma série de deputados petistas tentou derrubar o arquivamento.
“A oposição tem o dever de dizer a outro poder [o Executivo] que não pode exercê-lo de maneira absoluta'', bradou o então deputado José Genoino (PT-SP). Outros falaram. Inclusive José Dirceu, hoje preso por causa das investigações da Lava Jato. Está tudo documentado em vídeo.
Este post, ressalto outra vez, não pretende defender o impeachment de Dilma Rousseff.
O que se deseja é refletir a respeito de como foi possível se chegar a essa situação.
No fundo, ocorreu algo muito comum entre aqueles que chegam ao poder. Ficam com a visão obnubilada pela luz ofuscante da miragem de prosperidade eterna. Perdem então a capacidade de fazer análise de conjuntura.
Quando tudo começou a degringolar, o PT e Dilma Rousseff confundiram o mapa com o território.
O mapa foram as bem-sucedidas políticas de inclusão social promovidas durante os 2 mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. A sensação de prosperidade dos brasileiros em 2010. Como poderia o Congresso e a população abandonarem um projeto desses?
O território era um esgotamento das medidas anticíclicas adotadas por Lula (e conservadas por Dilma) para manter a economia rodando após a crise econômica mundial de 2008. Uma crescente insatisfação entre os partidos políticos que entraram no ônibus petista e eram tratados a pontapés. E, claro, o impacto da corrupção envolvendo a Petrobras e empreiteiras, tudo desvendado pela Operação Lava Jato.
Ainda sobre o território (a realidade) basta olhar a tabela com a taxa de desemprego no país a partir de 2012. O percentual entre jovens de 18 a 24 anos subiu de maneira assombrosa. Chegou a assustadores a 24,5% em junho.
ERROS EM SÉRIE
Qual é o político que não comete equívocos? Esse não é o problema. O que diferencia os mais apetrechados dos néscios é a capacidade de aprender com os erros, corrigir a rota e seguir em frente.
O governante experiente também sabe que a ele quase tudo é permitido. Só não pode se enganar em uma coisa: na política.
Dilma e o PT cometeram erros seriais na política. O curioso é que sempre se abria uma janela para tentar um conserto. Só que essas oportunidades foram desprezadas ou mal aproveitadas, uma a uma.
Nos últimos dias, Dilma Rousseff liberou geral. Vários senadores dilmistas faziam o trottoir pelo plenário oferecendo ministérios e cargos em estatais em troca de votos para salvar a petista. Não deu certo. Era tarde demais.
O ponto então é: se houve agora essa liberação da “fisiologia esclarecida contra o golpe”, por que não foi usada a mesma estratégia antes? A resposta é: foi usada, mas de maneira equivocada, como sempre.
Em abril de 2016, algum gênio do Palácio do Planalto decidiu que o “pagamento” dos votos para barrar a autorização da abertura do processo de impeachment na Câmara deveria ser feito apenas após a entrega da mercadoria. Os cargos foram prometidos, mas as nomeações sairiam só depois de Dilma ter sido salva. Resultado: o pedido de afastamento foi aceito.
Política se faz com a realidade dada e não com a desejada.
Dilma e o PT estavam frágeis antes da votação do impeachment pela Câmara. Como poderiam esperar impor condições no pântano na fisiologia?
Faltou um pouco de Max Weber nas análises de conjuntura feitas dentro do Palácio do Planalto dilmista. Weber teorizou sobre a ética da responsabilidade (a do governante) em confronto com a ética da convicção (de todos os cidadãos).
No seu livro “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”, de 1921, Weber ensina: “Mesmo nos mais puros [partidos], de classe, costuma também ser decisivo para a atitude dos líderes e do quadro administrativo o interesse próprio (ideal ou material) em termos de poder, cargos e garantia de existência, enquanto que a defesa dos interesses de seus eleitores só se realiza na medida em que seja inevitável, para não por em perigo as possibilidades de reeleição”.
Ou seja, não se trata de louvar a fisiologia, mas de saber que um governante está premido por circunstâncias nas quais torna-se nefando apegar-se aos princípios da pureza política. Um governante tem responsabilidades diferentes das de um cidadão comum.
Como este Blog já registrou mais de uma vez, um presidente da República deve ter cautela antes de condenar uma ação criminosa e expressar repulsa pelo seu autor. Já um cidadão comum tem liberdade para ser mais direto nas suas preferências, vocalizando suas convicções de maneira aberta.
Um presidente da República precisa muitas vezes ceder cargos para deputados e senadores em troca de uma votação relevante, como uma reforma para reativar a economia. O cidadão comum poderá nutrir repulsa por um escambo dessa natureza, mas não precisa se preocupar em governar o país.
Às vezes, parece que o PT entende essa regra. Mas com muita má vontade, torcendo o nariz. Não foi à toa que Dilma Rousseff falou a senadores que jamais governaria novamente com o “PMDB do mal”. A frase é pedestre e infantil, pois revela que essa experiente mulher de 68 anos possa acreditar que exista um PMDB “do bem” e outro “do mal”. PMDB existe um só, depende de quem é o interlocutor.
O PT chegou ao Planalto com Lula em janeiro de 2003. A primeira providência do presidente foi chutar o PMDB para fora do governo –mesmo depois de José Dirceu ter negociado o apoio dos peemedebistas de maneira, vamos dizer, minuciosa. Lula preferiu montar sua administração com uma miríade de pequenos partidos. Essas siglas foram terceirizadas pelo petismo para executar certos trabalhos sujos e fisiológicos. Deu no mensalão, em 2005.
No caso do impeachment de Dilma Rousseff, há vários exemplos de erros políticos. Talvez o mais emblemático tenha se dado em 2 de dezembro de 2015. Naquela data, pela manhã, 3 deputados petistas desconhecidos decidiram votar pela abertura do processo por quebra de decoro contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
No mesmo dia 2 de dezembro de 2015, na parte da tarde, Eduardo Cunha deu andamento ao pedido de impeachment de Dilma Rousseff –prerrogativa de quem preside a Câmara.
A direção petista apoiou os 3 deputados obscuros (Léo de Britto, do Acre, Valmir Prascidelli, de São Paulo, e Zé Geraldo, do Pará).
É evidente que Dilma Rousseff não foi cassada por causa da posição adotada por Britto, Prascidelli e Zé Geraldo. Mas o que teria acontecido se naquele 2 de dezembro os 3 tivessem ajudado a salvar Eduardo Cunha de se tornar alvo de um processo de cassação?
As primeiras consequências seriam as notícias negativas: “PT se alia a Eduardo Cunha para salvar Dilma”. Nada agradável. Mas, e daí? Como estava e como está a imagem do PT hoje? Melhorou pelo fato de 3 deputados desconhecidos terem se posicionado contra Eduardo Cunha?
Uma coisa é certa. Caso o PT não tivesse abandonado Eduardo Cunha em 2.dez.2015, o processo de Dilma Rousseff não teria sido aberto imediatamente. Possivelmente, ficaria um pouco engavetado. Depois, viria o recesso do Congresso, em janeiro. O Carnaval. E só em março as pressões voltariam.
Como está publicado neste post de 30.ago.2016, dentro do Palácio do Planalto havia no final de 2015 uma opção clara pelo enfrentamento a Eduardo Cunha. Seria supostamente “o bem [Dilma] contra o mal [Cunha]''. O plenário da Câmara estaria cabeado para absolver a petista. Eram adeptos dessa teoria os ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Edinho Silva (Secom) e Ricardo Berzoini (Secretaria Geral).
Foi um dos maiores erros de avaliação política da história recente. Quando a abertura do impeachment foi votada, em 17 de abril de 2016, Dilma sofreu uma derrota retumbante.
Se o PT tivesse trabalhado para salvar Eduardo Cunha naquele dia, a história teria sido outra? Não se sabe.
Sabe-se apenas que Dilma e o PT cometeram tantos erros, confundindo desejo com realidade, que o desfecho não poderia ser diferente do deste 31 de agosto de 2016.