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Arquivo : Camargo Corrêa

Relação promíscua entre empreiteiras e governo começou na ditadura militar
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Fernando Rodrigues

Livro-Estranhas-Catedrais

Reprodução da capa do livro “Estranhas catedrais”, sobre as empreiteiras e a ditadura

Empreiteiras nacionais prosperaram depois do golpe de 64

Estrangeiras sucumbiram por causa de decreto da ditadura

No anos 70, começou a grande concentração de faturamento

Para quem acha que a corrupção entre empreiteiras e governo começou ontem ou anteontem, vale olhar o decreto presidencial 64.345, de 10 de abril de 1969. O então presidente Artur da Costa e Silva fechou com uma canetada as portas para empresas estrangeiras em obras de infraestrutura no Brasil:

Art. 1º Os órgãos da Administração Federal, inclusive as entidades da Administração Indireta, só poderão contratar a prestação de serviços de consultoria técnica e de Engenharia com empresas estrangeiras nos casos em que não houver empresa nacional devidamente capacitada e qualificada para o desempenho dos serviços a contratar”.

A partir desse decreto de 1969 criou-se uma reserva de mercado para empreiteiras nacionais. Prosperaram assim muitas das que hoje estão encrencadas no escândalo da Petrobras revelado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Esse decreto da ditadura vigorou até 14 de maio de 1991, quando o então presidente Fernando Collor o revogou. Mas parece que já era tarde. As empreiteiras nacionais já operavam de forma a impedir competição estrangeira –ou mesmo para alguma empresa de fora do grupo das principais nacionais.

Só para lembrar, até o final dos anos 60, a atual gigante Odebrecht era apenas uma empresa local da Bahia. Depois do decreto de Costa e Silva, despontou para o sucesso construindo o prédio-sede da Petrobras no Rio de Janeiro (em 1971), aproximando-se dos militares que comandavam a estatal, conforme relata reportagem de Marco Grillo, que buscou as informações no livro “Estranhas catedrais – As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar” (Editora da UFF, 444 pág., 2014), resultado da pesquisa para a tese de doutorado “A Ditadura dos Empreiteiros”, concluída em 2012 pelo professor Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

O título do livro, “Estranhas catedrais”, evoca um verso da canção “Vai passar”, de Chico Buarque e Francis Hime: “Dormia a pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações. Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais”.

O Blog leu a tese de Pedro Campos. No texto, o autor demonstra que, “após o governo Médici”, a Odebrecht “com sua atuação junto aos militares presentes na Petrobras, arrematou 2 contratos que alteraram significativamente o seu porte, fazendo seu faturamento triplicar em um ano. As vitórias nas concorrências para construção do aeroporto supersônico do Galeão [no Rio] e da usina nuclear de Angra levaram a empresa do 13º ao 3º lugar na lista dos 100+”. Foi escolhida pelo setor como empreiteira do ano em 1974.

Antes de a ditadura militar consolidar a reserva de mercado para as empreiteiras nacionais, a tese do professor Pedro Campos mostra que havia um domínio de empresas estrangeiras no Brasil:

Empreiteiras-Brasil-seculo20

No início da década de 70, as coisas começaram a mudar drasticamente, como demonstram esses gráficos a seguir, com a evolução das empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht no ranking das maiores do país (clique na imagem para ampliar):

Ranking-Odebrecht-ditadura Ranking-MendesJunior-ditadura Ranking-Camargo-ditadura Ranking-Andrade-ditadura

Quem analisa esses gráficos e tabelas pode achar que os militares fizeram o movimento correto ao desenvolver um mercado para empresários brasileiros durante a época de expansão da infraestrurura nacional. O problema é que junto com a promoção das empresas brasileiras veio também a concentração nas mãos de poucos empresários, que ficaram cada vez mais poderosos a partir da ditadura militar.

A tese “A Ditadura dos Empreiteiros” traz dois quadros reveladores sobre como o dinheiro das obras públicas serviu para construir gigantes nacionais que concentravam o naco principal do dinheiro público:

Ranking-concentracao-faturamento-5-maiores-empreiteiras Ranking-concentracao-faturamento-10-maiores-empreiteiras

A simbiose entre o público e o privado na época da ditadura se dava com a colocação de militares em cargos de direção nas empresas que forneciam para obras de infraestrutura. Os generais iam parar em diretorias e conselhos de grandes corporações, como mostra o quadro a seguir:

Militares-empresas-privadas

Em resumo, como se observa, a gênese do problema que hoje está sendo desvendado pela Operação Lava Jato vem de muito longe. O fato de as anomalias serem antigas em nada alivia a responsabilidade do governo atual –que terá o ônus de promover a faxina há muito demandada nessa área.

Nenhum governo civil (Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) conseguiu, até hoje, reduzir o poder das grandes empreiteiras. Ao contrário, essas empresas se transformaram em verdadeiros leviatãs, fazendo de tudo, inclusive financiando as campanhas eleitorais dos principais políticos do país.

p.s. (9h50): este post havia identificado Pedro Henrique Pedreira Campos, autor de “Estranhas Catedrais”, como professor da Universidade Federal Fluminense. Na realidade, ele é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O texto já está corrigido.

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Processo contra empresas doadoras de políticos está parado no Cade
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Fernando Rodrigues

Camargo Corrêa e Votorantim são acusadas de combinar preço no setor de cimento
Ambas doaram R$ 40 mi para políticos em 2010; multa pode ultrapassar R$ 1 bi

Aguarda análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) denúncia de suposto cartel no setor de cimento envolvendo a Camargo Corrêa e a Votorantim (foto), duas das empresas que mais doaram a campanhas eleitorais em 2010.

O processo está para ser pautado no Tribunal do Cade há 9 meses. A denúncia foi feita em 2006, houve busca e apreensão de documentos nas empresas investigadas e todas já apresentaram sua alegações.

Elas são suspeitas de combinarem preços da venda de cimento. Se condenadas, a multa pode ultrapassar R$ 1 bilhão.

O processo é sigiloso e tem 60 volumes, com 300 páginas cada um. A assessoria de imprensa do Cade diz que não há previsão para que o assunto seja julgado.

A Camargo Corrêa transferiu R$ 33 milhões a partidos e comitês eleitorais na eleição de 2010. A Votorantim, mais R$ 7 milhões. Também integram o processo as brasileiras Cimpor (adquirida pela Camargo Corrêa em 2012), Itambé, Liz e Itabira Agro Industrial, além da suíça Holcim e da francesa Lafarge.

Segundo levantamento da Folha, a Camargo Corrêa é a empresa brasileira que mais doou para campanhas políticas desde 2002. Ela transferiu R$ 178 milhões para candidatos e partidos no período.

(Bruno Lupion)

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