As verdadeiras “donas de casa” do HSBC
Fernando Rodrigues
Por Will Fitzgibbon e Martha M. Hamilton
Era apenas um dia na vida de uma dona de casa.
Hanne Tox, uma dinamarquesa estão com 57 anos, foi a uma agência suíça do HSBC em 2005 para tratar de sua conta.
Pareceu um pouco complicado. Um funcionário observou: “Proprietário de conta morando na Dinamarca, isto é crítico e já é uma ação criminosa ter uma conta no estrangeiro não declarada (…) problema poderia ser resolvido por (…) alternativas como criar uma companhia off-shore”.
Meses depois, Tox visitou seu banco novamente. Desta vez, Tox passou a noite em Zurique num dos hotéis mais luxuosos e históricos do mundo, o Baur au Lac, fundado em 1844. “Proprietária da conta ficou no Baur au Lac, que ela apreciou muito” anotou o banco, segundo os arquivos de sua conta.
No dia seguinte, ela fez um “saque de 100 mil coroas dinamarquesas (apenas entregamos o dinheiro)”, equivalente à época a US$ 16 mil. “Após isso a senhora H.T. voou de volta para casa”, dizem os registros do banco.
Senhora H.T., como o HSBC se referiu a Tox é identificada como uma “assistente e dona de casa” na base de dados do banco sobre a identidade de seus clientes. Para Tox, cujo marido morreu em 2003, segundo os registros, isso parece ser uma descrição fidedigna de como ela passa seus dias.
Tox não respondeu a pedidos de comentários enviados pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists).
A descrição de sua visita está nos arquivos do HSBC Private Bank na Suíça obtido pelo ICIJ e o jornal “Le Monde”. Os dados contêm nomes dos correntistas, depósitos e outras informações individuais que mostram que o banco às vezes estava disposto a acomodar clientes desagradáveis, alguns dos quais não eram donas de casa, mas criminosos condenados e traficantes de armas.
Quando está discriminada a profissão nos arquivos das contas do HSBS da Suíça, “dona de casa” aparece com frequência incrível, mais do que profissões lucrativas como médicos, advogados e vendedores de diamantes.
Isso pode ser utilizado para descrever uma mulher rica e casada, mas também se aplica em alguns casos para mulheres como empresárias pioneiras, arquitetas, jornalistas, professoras, princesas e herdeiras.
Donas de casa são citadas mais de 7.300 vezes nos arquivos do HSBC, mais do que o dobro de outras duas categorias que indicam que a pessoa não tem remuneração: “sem profissão” e “estudante” somaram menos de 4.000 registros.
PIONEIRA DA PROPAGANDA
Uma das mulheres indicadas como dona de casa pelo HSBC é a pioneira do setor publicitário Mary Wells Lawrence, hoje com 86 anos. Fundadora da empresa de publicidade Wells Rich Green em 1966, quando executivas eram escassas como são na premiada série de TV ''Mad Men''. Ela se tornou uma das mulheres mais bem pagas no setor, bem como a primeira mulher a dirigir uma empresa listada na bolsa da Nova York.
Os arquivos obtidos pelo ICIJ mostram que ela era titular de 4 contas –2 delas ainda ativas em 2006. Dessas 2, uma estava em nome de uma offshore em Bahamas, Five Angels Investmente Limited, e chegou a ter um saldo máximo de U$ 138,5 milhões em 2006/2007. A outra conta, em nome de Sandia Corporation Limited, tinha U$ 1,9 milhões durante esses anos.
Lawrence não respondeu a pedidos de entrevista da ICIJ.
Enquanto muitas das donas de casa listadas pelo HSBC não são tão bem sucedidas profissionalmente como Lawrence, outras o são de forma extraordinária, que não viriam à mente quando alguém é normalmente descrito como dona de casa.
Outra cliente do HSBC indicada dessa maneira é uma princesa saudita e uma das vozes mais ativas no Oriente Médio em defesa da educação de mulheres, Lolowah al-Faisal Al Saud, que também aparece como dona de casa.
Princesa Lolowah, 67 anos, é uma entre os 9 filhos do antigo rei saudita Faisal bin Abdulaziz Al Saud com sua quarta mulher. Ela foi educada na Suíça e é vice-presidente do Conselho de Administração da Universidade Effat, a primeira universidade privada sem fins lucrativos para mulheres da Arábia Saudita. Hoje divorciada, ela viaja o mundo falando em defesa do direito das mulheres e é uma figura presente no Fórum Econômico Mundial, de Davos, onde em 2007 defendeu o direito de mulheres dirigirem veículos na Arábia Saudita.
Segundo o banco de dados do HSBC, ela era, ao lado de outros membros da família real saudita, beneficiária de uma conta em nome da Pearl Enterprises Limited, com sede nas Ilhas Cayman, e tinha U$ 1,75 milhão em 2006/2007. A princesa Lolowah não respondeu aos pedidos de entrevista do ICIJ.
Outra dona de casa fora do comum citada nos arquivos do banco é Arlette Ricci, herdeira de uma fortuna multimilionária de sua avó Nina e do pai Robert Ricci, que criaram uma das empresas de moda mais antigas da França, a Nina Ricci, fundada em 1932 e hoje controlada por um conglomerado espanhol.
Para o HSBC, Ricci, hoje com 73 anos, é dona de casa e herdeira. Em todos os outros lugares, ela é melhor conhecida como diretora de teatro. Ricci é proprietária de uma conta vinculada à empresa panamenha Parita Compania Financiera S.A., que chegou a ter um saldo máximo de U$ 22,5 milhões em 2006/2007. Ricci também é relacionada a outras 2 contas no HSBC.
A Justiça francesa já acusou Ricci de fraude fiscal, relacionada a contas suíças. Policiais a detiveram em 2011, na sua residência em Paris. Ela foi mantida sob custódia por 48 horas.
“Nós contestamos os valores e eventos relacionados nas contas do arquivo Falciani e todas as ligações com essas companhias [offshore]”, afirmou o advogado de Ricci, Jean-Marc Fedida, em 2013, a jornalistas. A investigação francesa sobre as contas de Ricci no HSBC está em andamento.
A reportagem original do ICIJ (em inglês) cita outros exemplos de donas de casa fora do comum citadas nos arquivos do HSBC. [LINK]