Blog do Fernando Rodrigues

Derrotas em outras Copas tiveram impacto político-eleitoral nulo. E agora?

Fernando Rodrigues

Desta vez, a Copa foi no Brasil e governo se engajou

Dilma associou-se à onda de euforia e surfou no otimismo

Dilma Rousseff faz gesto "é tóis", usado por Neymar.

Dilma Rousseff faz gesto ''é tóis'', usado por Neymar.

A seleção brasileira de futebol perdeu para a alemã por 7 a 1 neste 8 de julho de 2014. Um vexame no campo esportivo. A maior humilhação de toda a história do time do Brasil em Copas do Mundo.

De volta ao mundo real, a pergunta é: essa traulitada sofrida pela equipe brasileira produzirá algum impacto político-eleitoral? A presidente Dilma Rousseff terá alguma dificuldade extra por causa desse infortúnio esportivo? Ninguém tem uma resposta científica para dar.

Sem juízo de valor, vale registrar: o efeito foi nulo nos dois exemplos históricos recentes em que presidentes tentavam a reeleição e o Brasil perdeu Copas do Mundo.

Em 1998, o Brasil passava por um momento dificílimo na economia. Setores da oposição diziam que o país estava falido, ancorado numa taxa de câmbio postiça, que mantinha a paridade insustentável de valor entre o real e o dólar dos Estados Unidos. Na Copa do Mundo na França, a seleção sofreu com o apagão do jogador Ronaldo, que entrou em campo e ficou em estado de torpor durante a partida final.

Mesmo com a economia perto do buraco e a derrota na Copa da França, em outubro de 1998 Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi reeleito no primeiro turno para ficar mais 4 anos no Palácio do Planalto.

Em 2006, as coisas não começaram bem para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O mensalão ainda reverberava. Ninguém sabia qual seria o efeito do escândalo nas urnas. Na metade do ano, a seleção brasileira sofreu na Copa da Alemanha com um novo baile tomado da equipe francesa –a imagem de Ronaldo levando um chapéu de Zidane no meio de campo ficou na parede da memória de todos que acompanham o esporte.

Só que em outubro de 2006 Lula acabou sendo reeleito para mais um mandato como presidente. Poderia até ter faturado no primeiro turno se não tivesse cometido alguns erros no final da campanha (como ter se recusado a ir a um debate com seus adversários).

O Brasil só teve, até hoje, a reeleição de dois presidentes da República –FHC e Lula. E ambos combinaram vitórias nas urnas com derrotas da seleção brasileira em Copas do Mundo.

Ou seja, é possível dizer que o impacto da derrota deste 8 de julho de 2014 terá relevância zero nas eleições deste ano? Há argumentos a favor e contra essa possibilidade.

Ei-los:

1) a tese de que haverá algum impacto
A Copa do Mundo não foi na França. Não foi na Alemanha. Agora, o torneio foi no Brasil. Instalou-se uma onda bem-vinda de bom humor e otimismo na sociedade.

O governo federal estava meio discreto no início. Depois, resolveu surfar nesse momento positivo: muita gente feliz nas ruas, estrangeiros zanzando pelas cidades, muita alegria. E dá-lhe propaganda estatal com esse slogan simplório de que esta é a “Copa das Copas” –uma expressão que não quer dizer absolutamente nada.

A presidente Dilma Rousseff mergulhou no clima ao publicar sua foto fazendo o “é tóis” do jogador Neymar.

Não houve, do governo, nenhuma palavra de “calma, gente” diante da euforia exacerbada. Nem quando alguns meios de comunicação chapa-branca chegaram ao paroxismo da patriotada tentando santificar Neymar e tornar o jogador Zuñiga o pior criminoso do planeta Terra –e jogando gasolina na fogueira da internet, onde protofascistas pediam a morte do colombiano.

Ao fazer a brincadeira com o “é tóis”, Dilma exalou simpatia, mas ficou, em certa medida, sócia dessa mania reducionista e infantilizada de achar que quando há uma Copa do Mundo de Futebol “é ‘nóis’ [Brasil] contra eles [o restante do mundo]”. O mundo é mais complexo do que isso.

E, convenhamos, o futebol é só um jogo.

Nesse contexto, é obviamente positivo para quem é governo (a presidente, os governadores) a sensação de bem-estar. Quando acaba esse clima, quem está no poder perde. As pessoas saem do seu estado de quase transe coletivo e passam a olhar a realidade do país de maneira mais plena.

Se a seleção brasileira de futebol tivesse vencido a da Alemanha e se também vencesse a final, no dia 13 de julho de 2014, o noticiário chapa-branca das TVs passaria mais 10 dias, no mínimo, entrevistando os jogadores e comissão técnica. Tudo exalando alegria e festa no clima de “é tóis”.

Agora, também haverá muitas entrevistas, mas com sentido oposto. Só sobre o fracasso da equipe nacional e a incapacidade de vencer “em casa”, uma espécie de fetiche perseguido há 64 anos, desde a derrota no Maracanã para o time do Uruguai, em 1950.

Na noite de 8 de julho de 2014, ônibus foram incendiados em São Paulo. Em Curitiba (PR), foram 15 ônibus apedrejados. Em Belo Horizonte, 12 pessoas feridas e 8 presas. E assim em outras capitais.

Se o clima de violência nas ruas voltar, certamente os governos (federal e estaduais) não se beneficiam em nada. Nesse cenário –que ainda não se sabe se vai virar realidade– será possível dizer que a derrota brasileira na Copa do Mundo terá algum efeito nas disputas eleitorais de outubro.

No meio dessa conjuntura, pode voltar a discussão sobre os bilhões de reais gastos para fazer a Copa e o retorno desses investimentos. Afinal há novos aeroportos e algumas obras de mobilidade urbana entregues, mas o país não está nem de longe com uma infraestrutura compatível com a demanda da população.

 

2) a tese de que não haverá algum impacto
O mau humor, com certeza, pode estar presente nos próximos dias entre milhões de fãs do futebol. Mas a via anda. Não há nas disputas recentes nenhum elemento que permita fazer a conexão entre o resultado da eleição presidencial (ou nas estaduais) com o desempenho da seleção em Copas do Mundo.

No Brasil, desde 1994, ano de eleição presidencial e de governadores é também ano de Copa do Mundo:

1994: FHC, candidato do governo ganhou a eleição e o Brasil foi tetracampeão nos Estados Unidos.

1998: FHC foi reeleito e o Brasil deu vexame na Copa da França.

2002: o Brasil foi pentacampeão na Copa do Japão e da Coréia do Sul. Meses antes da eleição, FHC recebeu os jogadores no Planalto e teve até cambalhota de Vampeta na rampa do palácio. Não adiantou nada. O candidato governista, José Serra, perdeu para Lula na disputa em outubro.

2006: Lula foi reeleito, apesar do mensalão e de o Brasil ter tomado um baile na Copa do Mundo da Alemanha.

2010: Lula, presidente, conseguiu eleger Dilma como sucessora. Na Copa da África do Sul o Brasil foi desclassificado pela Holanda.

Ou seja, quem enxergar relação direta entre Copas e eleições estará mentindo. Se houve um padrão até hoje foi o de não existir relação de causa e efeito entre o esporte e o resultado das urnas.

É implausível um cenário no qual um eleitor de Dilma Rousseff ou indeciso adote de maneira automática o seguinte raciocínio: “Hummm… O Brasil perdeu a chance de ganhar a Copa do Mundo aqui em casa. Perdemos de 7 a 1 pra a Alemanha. Um vexame. É culpa do governo. Por isso, vou votar na oposição”.

No final deste mês de julho de 2014, a derrota do Brasil para a Alemanha no Mineirão continuará sendo assunto em mesas redondas de futebol, mas as pessoas estarão interessadas em outros assuntos. Vida que segue.

Nesse cenário, sobram para os brasileiros alguns legados da Copa. Os estádios, por mais defeitos que possam ter, são muito melhores do que os antigos. E a partir de agora, o público do Campeonato Brasileiro (entradas a R$ 30 ou R$ 50) poderão usufruir das novas arenas.

O mesmo vale para vários aeroportos (alguns já prontos) que são mais modernos, obras de mobilidade urbana e estradas. Muitas obras ficaram pelo caminho, dezenas foram superfaturadas. Mas houve entregas e os cidadãos vão usar.

Em resumo, o quadro é incerto e será necessário muita temperança antes de dizer que tudo já está decidido nas eleições deste ano.

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