Se Tombini ficar sem “status de ministro”, BC perde parte de sua autonomia
Fernando Rodrigues
Decisão sobre taxa de juros ficaria ligada à Fazenda
Ações contra decisões do BC iriam para a 1ª instância
A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta semana que vai cortar 10 dos seus 39 ministérios. Algumas pastas simplesmente perderiam o “status” e continuariam inalteradas do ponto de vista funcional –inclusive o Banco Central. Apenas deixariam de ser “ministérios”.
Ocorre que no caso do BC há um problema objetivo: parte da autonomia operacional da autarquia (hoje ministério) decorre do fato de haver status de ministro para o presidente do órgão –atualmente, Alexandre Tombini.
A extinção do cargo de ministro de Estado para o presidente do Banco Central tornará mais vulnerável –e menos independente– o processo decisório sobre política econômica.
SUBORDINAÇÃO À FAZENDA
Hoje, o presidente do BC responde à presidente da República. Sem o status de ministro, seu superior imediato será o ministro da Fazenda.
Numa reunião sobre o que fazer com a taxa de juros, abre-se uma janela a mais para interferência dentro do Banco Central.
O BC é o regulador e o supervisor do sistema financeiro nacional. Haverá um conflito de interesses se o presidente do órgão estiver subordinado ao ministro da Fazenda –que vem a ser o controlador dos bancos oficiais.
O poder de polícia exercido pelo BC permite a punição de bancos e de banqueiros sem ter de pedir autorização a ninguém.
Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, para citar os dois bancos estatais federais de maior porte, são ligados ao Ministério da Fazenda. Se o Banco Central também ficar subordinado hierarquicamente à Fazenda, perderá naturalmente parte da autonomia para fiscalizar e punir os entidades bancárias oficiais.
QUESTIONAMENTOS JUDICIAIS
Há também o aspecto relacionado à instância judicial na qual o BC pode ter suas ações questionadas. Até 2004, qualquer cidadão insatisfeito com ações tomadas pelo Banco Central podia protocolar processos em órgãos da Justiça de 1a Instância. Depois que o BC passou a ter status de ministério, só é possível questionar o órgão no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
As decisões do BC estão hoje menos expostas a questionamentos na primeira instância da Justiça, cujas sentenças ocorrem de maneira difusa e, muitas vezes, descoordenada.
É comum cidadãos e entidades questionarem na Justiça as decisões do Banco Central. Entre outros temas que são alvo de ações estão a condução do regime de metas de inflação e seu reflexo no endividamento público; o custo de carregamento de reservas internacionais (US$ 370,1 bilhões em 30.jul.2015); a administração de base monetária (R$ 231,9 bilhões em 30.jun.2015); a administração de depósitos compulsórios (R$ 281,3 bilhões em 30.jun.2015) e a gestão do sistema Selic, no qual circulam títulos do Tesouro Nacional num total de R$ 2,4 trilhões (em junho).
Quando se consideram os mandados de segurança impetrados antes e depois da criação do cargo de ministro para o presidente do Banco Central, há o seguinte resultado:
10 anos antes do status de ministro
De agosto de 1993 a agosto de 2004: foram impetrados na primeira instância judicial 168 mandados de segurança. Desses, 125 já estão encerrados. Outros 43 continuam em andamento.
10 anos depois do status de ministro
De agosto de 2004 a agosto de 2015: foram impetrados no Superior Tribunal de Justiça 59 mandados de segurança, sendo que 34 já se encerram. Outros 25 estão em andamento.
Além da redução dos mandados de segurança impetrados contra o presidente do BC (65% a menos quando se comparam os dois períodos citados), há também um aumento do índice de êxito do banco. Hoje, em 94% das vezes o Banco Central tem ganho de causa no STJ. Antes, a taxa era de 83% na primeira instância.
HISTÓRICO
Em 2005, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o presidente do Banco Central poderia ter o status de ministro.
Ao julgar duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo então PFL (hoje Democratas) e pelo PSDB, o ministro Gilmar Mendes rejeitou pedidos para que fosse declarada inconstitucional uma medida provisória de 2004 que conferiu o status de ministro ao presidente do BC daquela época, Henrique Meirelles.
Como ministro de Estado, o presidente do BC tem a prerrogativa de ser julgado criminalmente apenas no STF. Essa garantia é popularmente conhecida como foro privilegiado. Suas ações administrativas são questionadas no STJ.
Conforme Gilmar Mendes, a prerrogativa é uma garantia voltada não para os titulares dos cargos, mas para as instituições. Segundo ele, os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e resguardo para exercer suas funções.
“Sabemos que há ministérios com o papel político que, a despeito de sua importância, não se equiparam ao Banco Central”, disse durante o julgamento. O ministro afirmou que há regras semelhantes em outros países. “A necessidade de um sistema legal de proteção às autoridades que possuem o dever de fiscalizar o sistema bancário encontra previsão no direito internacional”, afirmou.
O então ministro do STF Joaquim Barbosa observou que o Banco Central não é tecnicamente subordinado ao Ministério da Fazenda, mas a ele vinculado. “Não há nada de errado em a lei elevar o status de um dirigente da autarquia ao de ministro de Estado”, concluiu.