Blog do Fernando Rodrigues

Análise: de maneira tardia, Dilma e PT adotam a “ética da responsabilidade”

Fernando Rodrigues

Governistas sinalizam ajuda para salvar Cunha

FHC usou ''con gusto'' o ensinamento de Max Weber

Salvar o governo se sobrepõe à “ética da convicção”

Presidente terá de se entender com bancada da Câmara

BRASILIA, DF, BRASIL, 16-04-2015, 10h00: Presidente Dilma Rousseff, na foto cumprimentando o presidente da camara dos deputados dep. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), participa, ao lado do ministro da defesa Jaques Wagner e do comandante do exercito, general Eduardo Villas Boas, de cerimonia comemorativa do dia do exercito, no quartel general do exercito, em Brasilia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)

Dilma Rousseff e Eduardo Cunha em cerimônia de abril de 2015

Por FERNANDO RODRIGUES

Dilma Rousseff, a banda pragmática do PT e uma parcela sólida do Palácio do Planalto querem aliviar para Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Em troca, esperam poder desfrutar da boa vontade do presidente da Câmara, que retardaria sua decisão sobre pedidos de impeachment.

Essa estratégia governista é correta? Vai dar certo? A presidente conseguirá convencer sua bancada na Câmara a seguir essa linha? E, principalmente, é eticamente defensável?

Tal discussão remete a Max Weber, que no início do século 20, há quase 100 anos, ensinou o seguinte: “Mesmo nos mais puros [partidos], de classe, costuma também ser decisivo para a atitude dos líderes e do quadro administrativo o interesse próprio (ideal ou material) em termos de poder, cargos e garantia de existência, enquanto que a defesa dos interesses de seus eleitores só se realiza na medida em que seja inevitável, para não por em perigo as possibilidades de reeleição”.

A frase está no livro “Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva”, de 1921. Basicamente, Max Weber sustenta que um governante tem responsabilidades diferentes das de um cidadão comum.

O cidadão segue a ética da convicção. O governante é sempre prisioneiro da ética da responsabilidade.

Um presidente da República deve ter cautela antes de condenar uma ação criminosa e expressar repulsa pelo seu autor. Um cidadão comum tem liberdade para ser mais direto nas suas preferências, vocalizando suas convicções de maneira aberta.

Mas o que define a liberdade de ação de um político ou de um presidente da República? O grau de independência com que foi eleito e com que se sustenta no cargo.

É fácil identificar um governante independente e forte quando se vê um. É aquele com ampla base de apoio no Congresso. Comanda um país com uma economia robusta e em expansão, promovendo prosperidade para a população. É também aquele que não carrega nas costas passivos por causa de financiamentos obscuros de campanha eleitoral ou por atos de má gestão administrativa e/ou conivência com ações espúrias.

O exemplo mais bem acabado de um governante fraco é a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Ela não tem neste final de 2015 nenhum dos predicados listados no parágrafo anterior. Pior: 1) está com uma taxa de aprovação baixíssima, de apenas 10% (pesquisa Datafolha de 25-26.nov.2015) e 2) a economia está na sua mais longa recessão, com aumento de desemprego e todos os efeitos colaterais conhecidos.

Essa conjuntura e esses conceitos guiam o Palácio do Planalto e parte do governo de Dilma Rousseff neste momento em que a Câmara se prepara para decidir se abre um processo formal para cassar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O Conselho de Ética da Câmara se reuniu nesta 3ª feira (1º.dez.2015). Volta nesta 4ª a discutir o assunto. Eduardo Cunha é acusado de mentir a seus colegas ao dizer que não tinha contas bancárias secretas no exterior.

Há farta documentação oficial demonstrando que Eduardo Cunha movimentou algum tipo de recurso no exterior. Ele nega ter contas.

No plano da ética pura formou-se uma convicção com rapidez: 1) Eduardo Cunha mentiu; 2) Eduardo Cunha precisa ser cassado; 3) a cassação tem de ser já.

O cidadão comum pode e deve raciocinar dessa forma. Mas e a presidente da República? Dilma faria bem se mandasse seus aliados detonarem o presidente da Câmara dos Deputados? Quais são os riscos para ela e seu governo? E para o país?

No caso de o governo romper com Cunha, é real a chance de haver uma barafunda ainda mais imprevisível do que a crise atual.

Eduardo Cunha tem o poder constitucional de assinar os pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff. O governo já tem uma estratégia para questionar no Supremo Tribunal Federal essa eventual atitude beligerante do peemedebista. Pouco importa. A batalha será longa, desgastante e resultará num país ainda mais paralisado do que já está.

Uma guerra aberta entre Dilma Rousseff e Eduardo Cunha terminará com ambos avariados, o Brasil parado e muitos danos de difícil reparação no curto prazo.

Tome-se a economia como exemplo. Sem um mínimo sinal de melhora nas contas públicas, todas as principais agências classificadoras de risco devem retirar o chamado “grau de investimento” do Brasil. O real sofreria um imediato ataque especulativo. Fundos de investimento e bancos que mantêm investimentos por aqui ficam estatutariamente obrigados a retirar seus recursos do país.

Há uma falsa disjuntiva na praça. Um certo raciocínio pedestre adotado por analistas ingênuos e propaganda “con gusto” pela oposição: Dilma Rousseff deveria soltar um brado de liberdade, enfrentar Eduardo Cunha e acabar com essa situação em que o Palácio do Planalto se mantém refém do presidente da Câmara.

Como se sabe, para todos os problemas complexos há uma solução simples –em geral, errada.

É claro que do ponto de vista da ética da convicção faz todo o sentido pretender que Dilma Rousseff e seu governo embarquem numa guerra fratricida contra Cunha. No imaginário popular (as pesquisas de opinião mostram com clareza), o presidente da Câmara se tornou a encarnação do “mal”.

[Faço aqui um disclaimer: incomoda-me também o fato de Eduardo Cunha acumular tanto poder para emparedar, sozinho, o Palácio do Planalto. Essa assimetria de forças não faz bem para a democracia e muito mal para a governança do Brasil. Mas quem enxerga a política de perto sabe que o jogo em Brasília não é a brincadeira maniqueísta do bem contra o mal. As engrenagens rodam numa máquina muito complexa].

A presidente da República está num momento crucial. Precisa salvar não só o seu governo e o grupo político do qual faz parte. Dilma está numa batalha para salvar a própria pele.

Aqueles que apregoam uma renúncia unilateral da presidente imaginam que tudo se resolveria por decantação. Ingenuidade. Por mais firme que sejam os padrões da ética pessoal de Dilma Rousseff, a petista sabe que no descontrole atual ela corre riscos altíssimos.

Hoje, bilhetes manuscritos citando traficâncias em medidas provisórias viram provas para prender um senador e um banqueiro –mesmo que ainda não existam evidências materiais sobre a consumação dos ilícitos.

Seja por renúncia ou por impeachment sem negociação, uma Dilma Rousseff fora do Palácio do Planalto, sem mandato, torna-se alvo fácil. Não é um despautério imaginar uma eventual ex-presidente petista fazendo companhia a quem enfrenta o juiz Sérgio Moro na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

A presidente da República sabe que todos sabemos o que ela e seu partido fizeram nos anos passados. Ainda que muitos (inclusive na oposição) considerem Dilma pessoalmente honesta, essa percepção se liquefaz com rapidez com ela fora do governo e sem anteparos.

Adotar a ética da convicção no caso do processo contra Eduardo Cunha implica, portanto, em assumir muitos riscos políticos (para Dilma Rousseff) e econômicos (para o país).

Tudo considerado, a decisão não é tão simples como o presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou nesta 3ª feira (1º.dez.2015). “Confio em que nossos deputados [do PT], no Conselho de Ética, votem pela admissibilidade”, escreveu o dirigente partidário. Ele quer o PT jogando Eduardo Cunha ao mar.

[A bancada petista seguiu a linha de Rui Falcão nesta 4ª feira (2.dez.2015): decidiu que o partido de ser a favor da admissibilidade do processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética. O que isso significa? Só será possível saber na próxima 3ª feira (8.dez.2015), quando o Conselho de Ética se reúne para tomar uma posição a respeito].

Rui Falcão e a bancada petista não falam nada de errado. Muitos analistas (tanto os pró-Dilma como os de oposição) vivem repetindo na velha mídia que a presidente deve “dar um basta” e “deixar de ser refém de Eduardo Cunha”. O problema é que, como dizia o conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

O italiano Norberto Bobbio matizou um pouco o antagonismo entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade no seu “Teoria Geral da Política”:

“Na ação do grande político, ética da convicção e ética da responsabilidade não podem (…) caminhar separadas uma da outra. A primeira, tomada em si mesma, levada às últimas consequências, é própria do fanático, figura moralmente repugnante. A segunda, totalmente apartada da consideração dos princípios a partir dos quais nascem as grandes ações, e totalmente voltada apenas para o sucesso (recordemos o maquiavélico ‘faça um príncipe de modo a vencer’), caracteriza a figura, moralmente não menos reprovável, do cínico”.

Para Bobbio, é necessário haver uma combinação de “éticas”. Mas é claro que ao falar do “grande político” o italiano não tinha em mente uma presidente como Dilma Rousseff, patinando em apenas 10% de aprovação popular.

No prefácio de uma reedição recente de “O príncipe”, de Maquiavel, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso trata desse tema recorrente na sua carreira de ensaísta: a diferença entre a ética da responsabilidade e a ética do cidadão comum.

O governante não pode “cingir-se a respeitar valores absolutos”, escreve o ex-presidente tucano no prefácio do livro.

Por essa lógica, e FHC sabe muito bem disso, um político fracassará se assumir o Planalto recusando-se a conversar com a escória que muitas vezes transborda do Congresso. Em 1997, em poucos dias, o tucano cedeu tudo o que podia ao PMDB (aos “Eduardos Cunhas” daquela época) para abafar uma CPI que investigaria a compra de votos a favor da emenda da reeleição. Foi a “ética da responsabilidade” no seu grau máximo.

FHC e Luiz Inácio Lula da Silva, cada um a seu modo, aprenderam a enfrentar essa vicissitude da política. Dilma Rousseff pretendeu ser –de maneira inadvertida ou por ingenuidade– uma espécie de oxigênio mais puro no poder. Assumiu em 2011 e apaixonou-se pela fama de “faxineira” da Esplanada dos Ministérios.

Em certa medida, tudo o que se passa agora tem origem naquele início atabalhoado do governo Dilma, há cerca de 5 anos. A petista imaginou, de maneira quase pueril, que poderia evitar certas obrigações presentes no “job description” de um presidente da República.

Dilma Rousseff errou no manejo da micropolítica. Agora, tardiamente, paga com juros e correção monetária. Deputados e senadores magoados são mais argentários do que se possa imaginar.

A provável salvação (momentânea) de Eduardo Cunha no Conselho de Ética nesta 4ª feira (02.dez.2015) ou na semana que vem, com o patrocínio do PT e de Dilma, é um preço altíssimo para uma presidente que demonstrava repulsa ao esbarrar na “ética da responsabilidade”.

Mas pode ser ainda pior: esse esforço todo pode ser inútil se mais e mais integrantes do governo continuarem a ser varridos pela Operação Lava Jato.

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