Blog do Fernando Rodrigues

Auditor-chefe da ANP é acionista de offshore dos Panama Papers

Fernando Rodrigues

Certificados de ações e procurações ligam auditor-chefe a empresa no Panamá

Antonio Carlos Neves de Mattos afirma desconhecer qualquer empresa em seu nome

Evento da 13ª Rodada de Licitações da ANP realizado em 7.out.2015

Por José Roberto de ToledoDaniel Bramatti, Douglas Pereira e Rodrigo Burgarelli

O chefe da auditoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é citado nos Panama Papers como acionista único da offshore Ramelia Inc. –uma empresa de prateleira constituída pelo escritório Mossack Fonseca no paraíso fiscal do Panamá. Antonio Carlos Neves de Mattos aparece também como seu procurador plenipotenciário, autorizado a administrar a empresa, abrir e fechar contas bancárias, tomar empréstimos, comprar e vender em seu nome. Ele nega ter qualquer relação com a offshore.

Criada em 2007, a Ramelia Inc. foi vendida pela Mossack Fonseca ainda naquele ano, com a intermediação do Banco Safra Sarasin, de Luxemburgo. No princípio, as ações no valor de US$ 40 mil foram emitidas em quatro certificados ao portador. Mas, em 24 de novembro de 2015, passaram a ser nominais. Todos os 4 certificados passaram ao nome de Antonio Carlos Neves de Mattos, domiciliado à rua Maria Amalia, no Rio de Janeiro.

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Certificado que atribui ações da Ramelia Inc. a Antonio Carlos Neves Mattos

Embora seja inusual um funcionário público federal responsável por auditar empresas do setor de petróleo e combustível ser acionista de uma companhia em um paraíso fiscal, não há nada que o impeça de ser sócio de empresas –desde que declaradas ao Fisco. Porém, a lei 8.112, de 1990, proíbe os funcionários de “participar da gerência ou administração de sociedade privada”. Isso pode ser um problema para o chefe dos auditores da ANP.

Escrita em inglês, a procuração assinada pelos diretores da Ramelia Inc. indicados pela Mossack Fonseca em favor de Neves de Mattos explicita que o documento confere a ele poderes para agir individualmente “para gerenciar a corporação através de atos administrativos como tomar ou emprestar dinheiro, comprar produtos, mercadorias, ações e imóveis” entre outros bens e serviços. A lei 8.112, além de proibir a participação na gerência de empresas privadas, veda ao funcionário público “exercer comércio”.

A mais recente procuração em favor de Neves de Mattos –com validade de 5 anos– foi assinada em 15 de setembro de 2015 por Carmen Wong. Como sempre acontece com offshores criadas pela Mossack Fonseca, faz parte dos serviços prestados pelo escritório panamenho indicar diretores de fachada para constarem dos documentos da empresa. Wong é diretora de centenas de outras offshores, além da Ramelia Inc. Seu nome aparece 255 mil vezes nos documentos internos da Mossack Fonseca.

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Procuração assinada em 15 de setembro de 2015 que dá controle da Ramelia Inc. a Antonio Carlos Neves Mattos

A existência da Ramelia Inc. foi descoberta durante a análise dos cerca de 11,5 milhões de documentos resultantes do vazamento dos dados da Mossack Fonseca, que resultou na série Panama Papers, publicada pelo UOL. Os arquivos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) e mais de 100 veículos de mídia do mundo todo. No Brasil, a investigação é feita por UOL, Estado de S.Paulo e Rede TV!.

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Cópia do passaporte de Antonio Carlos Neves Mattos presente nos registros da Mossack Fonseca

Entre os documentos encontrados pela reportagem nos arquivos da Mossack Fonseca estão cópias dos certificados de ações e da procuração que lhe dá “power of attorney” sobre a Ramelia Inc. e uma reprodução do passaporte de Neves de Mattos, válido até outubro de 2016. Ter uma offshore não é ilegal. No entanto, a legislação exige que ela seja declarada à Receita Federal e ao Banco Central se houver remessa de recursos para o exterior. No caso de Neves de Mattos, apenas uma investigação oficial teria poderes para comprovar se houve ou não alguma ilegalidade

OUTRO LADO
O chefe da auditoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Antonio Carlos Neves de Mattos, afirmou que desconhece a existência de qualquer empresa offshore em seu nome. “Apesar de ter ciência que a simples propriedade de empresa offshore não é por si só ilícito, não possuo nenhuma associação a empresa offshore e independente disso sempre pautei minha vida e conduta com retidão, de forma totalmente compatível com a função que exerço na administração pública”, disse à reportagem.

Mattos diz morar em bairro de classe média e que seu estilo de vida e patrimônio – “devidamente declarado em meu Imposto de Renda” –são compatíveis com sua renda familiar. Segundo o Portal da Transparência, o salário bruto do auditor em abril deste ano foi de R$ 28.291,59. “Jamais aluguei ou possuí imóvel relacionado a empresas offshore, nem nunca possuí ou utilizei cartão de crédito de instituição financeira estrangeira. Tão pouco adquiri ou recebi bens de valores elevados, tais como objetos de arte, joias, carros luxuosos, etc. Também não possuo imóvel ou outras propriedades no exterior”, informou.

O auditor afirmou que é funcionário público de carreira concursado há 20 anos. “Em todos os cargos que exerci até a presente data, fui indicado exclusivamente por minhas qualificações técnicas e nunca exerci cargo do alto escalão da administração pública”. Ele não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre por que seu nome e passaporte aparecem nas trocas de e-mail dos funcionários da Mossack Fonseca.

A ANP, procurada pela reportagem, não respondeu se há irregularidade ou não no fato de auditor da agência ser acionista e procurador de offshore. A agência afirmou apenas que o servidor nega qualquer vinculação da sua pessoa à empresa.

Segundo o Ministério da Transparência (ex-Controladoria Geral da União), órgão ao qual Mattos é originalmente vinculado, “pode-se afirmar, em tese, que a existência de uma conta no exterior não configura, por si só, um ilícito, desde que observadas as normas tributárias e financeiras, bem como aquelas relacionadas à observância, pelo servidor público, das exigências previstas na Lei 8.112/90.” Essa lei estabelece que é proibido a funcionários “participar da gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”.

Segundo a ex-CGU, será necessária uma análise específica para verificar se houve utilização da empresa para benefício próprio em razão do cargo exercido. “Além disso, também seria necessária a avaliação quanto à real atuação do servidor como administrador da referida empresa. Em havendo indícios de comportamento indevido, o ministério atuará no sentido de fazer as investigações necessárias que o caso recomendar”.

Participaram da série Panama Papers os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

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