Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : André Meloni Nassar

Servidores públicos de alto escalão estão nos arquivos da Mossack
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Procuradora do MPF e servidora da Câmara usaram offshores 

UOL fez varredura nos nomes de cerca de 40 mil funcionários federais 

esplanada-sergio_lima_folha_2005

A esplanada dos ministérios, em Brasília

Uma procuradora da República e uma analista da Câmara dos Deputados mantiveram offshores fornecidas pela empresa panamenha Mossack Fonseca. Um secretário do Ministério da Agricultura também é citado, embora não possua uma empresa.

Pelo menos outros 12 nomes de servidores públicos surgem quando se faz uma varredura na base de dados da Mossack. Nesses casos, porém, as informações não foram suficientes para descartar a ocorrência de homônimos.

Em geral, os servidores públicos brasileiros estão proibidos por lei de comandar ou fazer parte do processo de tomada de decisão de empresas sediadas no Brasil, embora possam ter ações ou ser sócios.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada no domingo (3.abr.2016), é uma iniciativa do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung. O material está sendo investigado há cerca de 1 ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o jornal “O Estado de S.Paulo” e a RedeTV!.

Foram checados os nomes dos 30 mil servidores mais bem remunerados do Poder Executivo, os de 8.970 servidores da Câmara e do Senado, e os de 1.404 juízes federais, entre vários outros grupos. Ao todo, foram mais 40 mil nomes verificados. Saiba mais sobre este processo aqui.

Anna Claudia Lazzarini é procuradora do Ministério Público Federal (MPF), da Procuradoria da República de São Paulo. Em novembro de 2014 ela se tornou proprietária da Blue Birds Portfolio Ltd, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Também foram registrados como donos da empresa Marcelo Augusto Lazzarini e Caio Marco Lazzarini, familiares da procuradora.

A offshore foi constituída de modo à garantir a transferência aos demais de qualquer bem que esteja em nome da empresa, em caso de morte –o que é muito comum em operações dessa natureza. A empresa está ativa, de acordo com os registros da Mossack.

À reportagem, Anna Cláudia disse que a offshore foi aberta por ela e pelos irmãos, com o objetivo de custear estudos para os filhos dos 3, no futuro. A companhia, entretanto, nunca teria desenvolvido atividades ou recebido aportes financeiros.

blue-bird-edit

Certificado de ações da Blue Birds Portfolio Ltd.

Vera Cecília Cavalcanti Dantas Motta é analista legislativa da Câmara dos Deputados, um cargo para o qual só se admite pessoas que prestam concurso. Hoje, está na Direção Geral da Câmara, mas já trabalhou em vários setores da Casa.

Em março de 2012, ela criou uma offshore chamada Eveline International Holdings Ltd. O intermediário na abertura dessa empresa é o escritório de advocacia de Miami Barbosa Legal. É o mesmo escritório que intermediou a offshore de Luciano Lobão e de Joaquim Barbosa

Além de Vera, também aparece como titular a filha dela, Danielle Eveline Dantas. O objetivo da companhia, segundo ela, era adquirir um imóvel na Flórida. Em outubro de 2013 a offshore tornou-se inativa, por falta de pagamento.

vera-cecilia-edit

Documento de incorporação da Eveline Holdings

André Meloni Nassar é secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. Ele chegou a comandar a pasta em ausências da titular, Kátia Abreu (PMDB) (atualizado às 20h10 de 8.abr.2016). O nome é mencionado neste documento. Nassar aparece como membro do “organismo de controle” da Fundación Solidaridad Latinoamericana, junto com outras 4 pessoas.

Ele é o único brasileiro no grupo. A Fundación é sediada no Panamá e foi constituída em mar.2009. A ata de fundação diz que o grupo é ligado à Solidaridad Network, uma ONG de origem holandesa. Em seu site, a empresa diz trabalhar para “facilitar o desenvolvimento de cadeias produtivas socialmente responsáveis, ecologicamente corretas e lucrativas”.

OUTRO LADO

Anna Claudia Lazzarini
A procuradora da República foi procurada por meio da assessoria de imprensa da Procuradoria da República de São Paulo (PRSP), onde ela atua. Ela enviou esclarecimentos por e-mail. Eis a íntegra:

“A empresa foi aberta em novembro de 2014, mas nunca teve ativos nem desenvolveu atividades. Na época, eu e meus irmãos resolvemos abrir uma firma dessa natureza para custear os estudos de nossos filhos no exterior no futuro. 

Alguns meses depois, no entanto, chegamos à conclusão de que a operação seria economicamente desvantajosa e, por isso, em novembro de 2015, optamos por pedir o encerramento da empresa, sem ter feito nenhum aporte e, repito, sem o exercício de qualquer atividade durante todo o período.

Nunca tivemos conhecimento de que a empresa estivesse vinculada a qualquer agente interposto no exterior. Os pedidos de abertura e fechamento foram feitos por meio de advogado brasileiro com escritório internacional, e todas as exigências legais foram atendidas perante as autoridades brasileiras.  

A ausência de ativos ou capital integralizado dispensa a necessidade de menção à empresa nas declarações de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), de acordo com as instruções normativas RFB nº 1545, de 3 de fevereiro de 2015, e nº 1.613, de 1º de fevereiro de 2016.

Quanto à composição societária, destaco que minha condição estava em plena conformidade com a Lei Complementar n. 75/1993, que permite, em seu artigo 237, que membros do Ministério Público da União participem de sociedades comerciais enquanto cotistas ou acionistas.”

Vera Cecília Cavalcanti
Conversou com o UOL por telefone. Disse que a offshore foi aberta para a aquisição de um imóvel, operação que acabou não se concretizando. Eis a íntegra da resposta, enviada por ela via e-mail após o telefonema:

“Em relação aos seus questionamentos relativamente a empresa offshore chamada Eveline International Holdings Ltd., informamos o seguinte:

a) no ano de 2012, em viagem de turismo aos EUA com minha família, pesquisamos preço de imóveis que há época estavam atrativos, com condições de uso imediato, apesar de haver financiamento para compra;

b) identificamos um imóvel através de uma corretora brasileira em Miami e nos interessamos por sua aquisição, porque pensávamos destiná-lo aos filhos, naquela época ainda menores de idade;

c) como desconhecíamos os trâmites legais, fomos orientados a realizar a compra do imóvel por meio de uma pessoa jurídica, uma vez que os impostos e a sucessão familiar nos EUA são de enorme valor, e o patrimônio investido poderia vir a ser perdido, caso houvesse mudança futura no nome dos proprietários;

d) assim, por indicação, solicitamos a um advogado nos EUA que formalizasse essa situação, já que não conhecíamos a legislação sobre o tema;

e) nos disseram que era simples e praxe em todas as aquisições imobiliárias nos EUA; e que não haveria maior implicação neste quesito, uma vez que se destinava única e exclusivamente para aquisição de um imóvel;

f) autorizamos a constituição da empresa única e exclusivamente para esta finalidade;

g) todavia, após retornar ao Brasil, não conseguimos efetuar o pagamento do imóvel, que seria financiado em vários prestações devido à enorme burocracia para remessa legal dos valores das prestações,via Banco do Brasil. Depois de algumas tentativas, acabamos desistindo e cancelando a compra do imóvel.

Em conclusão:

1. a constituição da empresa teve este único e exclusivo objetivo, qual seja a aquisição de um apartamento na cidade de Miami, EUA, que restou frustada;
2. como a compra e venda não se efetivou, a empresa ficou INATIVA deste então, e nunca mais voltamos aos EUA; até porque nossos filhos foram aprovados no vestibular na universidade federal aqui em Brasília.
3. a empresa não possui qualquer patrimônio; não possui conta-corrente ou qualquer valor ou bens no exterior ou no Brasil;
4. já solicitamos a um contador verificar os procedimentos de declaração ao IR, mesmo em face da inatividade, e o prazo é até 30/04/2016”.

André Meloni Nassar
O Blog procurou Nassar por meio de sua equipe no Ministério da Agricultura. Um e-mail com pedido de esclarecimentos foi enviado em 8.mar para o endereço institucional do secretário. Não houve resposta.

Atualização [às 20h de 8.abr]: O secretário de política agrícola, André Nassar, enviou as seguintes informações, por e-mail:

“-A Fundação Solidaridad América Latina é o braço da ONG Solidaridad para execução de projetos na região.
– André Nassar é membro do conselho da Fundação Solidaridad América Latina. O regulamento interno da Fundação, divulgado pela reportagem, foi apresentado como um dos documentos para a abertura da Solidariedad, entidade sem fins lucrativos no Panamá.
– Nenhum membro do conselho é sócio ou responsável pela entidade no Panamá. A participação é voluntária, sem remuneração ou pagamento de jeton.
– Desde que Nassar foi empossado no Ministério da Agricultura, em março de 2015, não participou das duas reuniões do conselho que ocorreram no ano passado: abril e novembro.
– Não há nenhuma irregularidade na participação do secretário no conselho da Fundação Solidariedad, uma vez que a atividade não é remunerada.”

O Blog reitera que Meloni foi procurado em seu endereço de e-mail institucional, mais tarde identificado pela assessoria como sendo o efetivamente usado pelo secretário. Na tarde de 08.mar, a reportagem conversou com a servidora responsável pelo ramal **** 2505, alertando sobre o conteúdo da reportagem.

Saiba como foi feita a série Panama Papers

Leia tudo sobre os Panama Papers

O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore

Participaram da série Panama Papers  os repórteres Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel e Douglas Pereira (do UOL), Diego Vega e Mauro Tagliaferri (da RedeTV!) e José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte e Isabela Bonfim (de O Estado de S. Paulo).

Blog está no FacebookTwitter e Google+.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>