Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : HSBC

Doleiro e empreiteiros da Lava Jato tinham conta secreta no HSBC da Suíça
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Fernando Rodrigues

Valor total dos depósitos chegou a US$ 110,5 milhões

Conta já conhecida do delator Barusco aparece na listagem

Relação mostra também integrantes da família Queiroz Galvão

Leia todas as reportagens do SwissLeaks no site do ICIJ

Philippe Huguen/AFP - 12.fev.2015

Pelo menos 11 pessoas ligadas ou citadas de alguma forma no escândalo da Operação Lava Jato mantiveram contas na filial suíça do banco britânico HSBC nos anos de 2006 e/ou 2007. De acordo com informações exclusivas obtidas por este Blog em conjunto com o ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists), essa lista de correntistas totaliza depósitos de US$ 110,5 milhões.

Qualquer brasileiro pode ter uma conta na Suíça ou em outro país. Mas para que a operação seja legal é necessário informar sobre a saída do dinheiro ao Banco Central e declarar à Receita Federal a existência da conta no exterior. Quem não procede dessa forma está cometendo uma infração fiscal e também o crime de evasão de divisas –cuja pena varia de 2 a 6 anos de reclusão, além de multa.

Embora a sonegação fiscal prescreva em 5 anos, no caso da evasão o prazo é mais longo, de até 12 anos. Ou seja, não importa que o saldos das contas bancárias sejam de 2006 ou de 2007, como é o caso dessa listagem com dados sobre os correntistas do HSBC na Suíça.

Os dados ao qual o Blog teve acesso inclui o nome do ex-gerente da Petrobras Pedro José Barusco Filho, delator do esquema e que já havia revelado ter mantido valores no HSBC.

Uma análise detalhada da lista de correntistas do HSBC na Suíça indica que, além de Barusco, tinham contas naquela instituição financeira integrantes da família Queiroz Galvão, o empresário Júlio Faerman (ex-representante da holandesa SBM) e o doleiro Henrique Raul Srour.

Em depoimento prestado em novembro de 2014 na Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná, Barusco admitiu ter contas na Suíça. Ele mantinha, afirmou, US$ 67,5 milhões no exterior fruto do esquema de propinas na estatal.

O ex-diretor da Petrobras declarou que a primeira das contas foi aberta no Banco Republic, em 1997 ou 1998, para recebimento de propinas nos contratos da SBM junto à Petrobras. Posteriormente, o banco foi vendido ao HSBC. Barusco disse que por questões de sigilo fez uma nova mudança, para o BBA Creditan Staut.

Nos registros do HSBC na Suíça, há a informação de que Barusco tinha US$ 1.984.208 depositados na instituição em 2006/2007.

Júlio Faerman, apontado pelo ex-diretor da Petrobras como autor de pagamentos de propinas, tinha na ocasião US$ 20.820.893 no HSBC.

Suspeito de integrar o grupo do doleiro Alberto Yousseff, Raul Henrique Srour tem também o nome grafado na lista de correntistas do HSBC. No entanto, nenhum montante é atribuído à conta dele.

Oito integrantes da família Queiroz Galvão, que controla as empreiteiras Queiroz Galvão e Galvão Engenharia, também estão relacionados na lista de correntistas do HSBC. Tanto a Queiroz Galvão quanto a Galvão Engenharia são investigadas por suspeitas de envolvimento com o esquema investigado pela Operação Lava Jato.

Eis os registros encontrados na lista de correntistas do HSBC para clientes brasileiros na Suíça em 2006/7:

Arte

OUTRO LADO
O Blog tentou contato com todos os citados nesta reportagem. A seguir, as respostas de cada um deles:

A advogada de Pedro Barusco, Beatriz Catta Preta, não quis se manifestar especificamente sobre a conta de seu cliente no HSBC da Suíça. Ela enviou uma breve nota: “Em relação a contas no exterior, o sr. Pedro Barusco reitera seus depoimentos em colaboração, já públicos”.

Na delação premiada, Barusco confirmou ter aberto 19 contas em 9 bancos da Suíça para receber propinas, inclusive na agência do HSBC em Genebra, cujo saldo atual seria de US$ 6 milhões. A Justiça suíça bloqueou os valores.

Raul Henrique Srour afirmou, por meio de seu advogado, Luiz Gustavo Pujol, que manteve uma conta no HSBC na Suíça na década de 1990, mas “não reconhece nem admite” qualquer movimentação nos anos 2006/2007.

O advogado de Mário de Queiroz Galvão, Eduardo de Queiroz Galvão e Dario de Queiroz Galvão Filho, José Luis Oliveira Lima, respondeu que não se pronunciará sobre o tema. Mário e Eduardo são irmãos de Dario, presidente do grupo, denunciado pelo Ministério Público Federal na Operação Lava Jato.

Os 3 são membros do Conselho de Administração da Galvão Engenharia. Mário acumula a função de diretor do Comitê de Risco da empreiteira e Eduardo, de vice-presidente de gestão corporativa e diretor-presidente da Galvão Finanças. A Galvão Engenharia foi fundada em 1996 por Dario de Queiroz Galvão, pai de Mário, Eduardo e Dario, após vender sua participação na empreiteira Queiroz Galvão, de sua família.

A Queiroz Galvão afirmou, por meio de nota, que “todo o patrimônio dos acionistas da companhia são devidamente declarados à Receita Federal no Brasil.”

O Blog entrou em contato com o advogado de Julio Faerman, Carlos Maurício Ribeiro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Visite também o site do ICIJ e leia todas as reportagens sobre o SwissLeaks.

Para saber como o Blog está apurando este caso SwissLeaks e a política editorial do UOL a respeito do que será publicado, leia o post abaixo.

(Com Bruno Lupion)

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Entenda como é a apuração do SwissLeaks e a política editorial sobre o caso
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Fernando Rodrigues

Só serão publicados dados que tenham interesse público

O UOL teve acesso ao maior vazamento da história sobre contas secretas na Suíça. O caso é conhecido como SwissLeaks (vazamentos da Suíça). Está sendo apurado por este Blog desde o final de 2014 em parceria com o ICIJ, entidade sem fins lucrativos com sede em Washington.

As informações se referem a contas mantidas no HSBC na Suíça. O banco abrigou mais de US$ 100 bilhões de 106 mil clientes de 203 países. Os dados se referem aos anos de 2006 e/ou 2007.

No caso do Brasil, são 6.606 contas bancárias (que atendem a 8.667 clientes) e um valor movimentado/depositado (em 2006 e/ou 2007) de cerca de U$ 7 bilhões –o equivalente a cerca de R$ 20 bilhões, um montante próximo ao que o governo da presidente Dilma Rousseff precisa economizar em 2015 para fazer o ajuste fiscal do país.

A imensa maioria dos nomes contidos na listagem brasileira do HSBC da Suíça é desconhecida do grande público. Há uma minoria de pessoas conhecidas. Empresários, banqueiros, artistas, esportistas, intelectuais.

Quais nomes e contas bancárias serão divulgados? Em primeiro lugar, os que tiverem interesse público, e, portanto, jornalístico. Em segundo lugar, todos sobre os quais se puder provar que existe uma infração relacionada ao dinheiro depositado no HSBC na Suíça.

O Blog vem tentando apurar esses dados desde o final do ano passado. Esbarrou na má vontade das autoridades brasileiras, que têm meios para rapidamente identificar eventuais irregularidades.

Uma fração mínima de nomes sob os quais há alguma suspeita foram mostrados ao governo, de maneira reservada. A apuração demorou mais de três meses e continua incompleta. Ou seja, não há interesse da administração pública federal comandada pela presidente Dilma Rousseff em apurar o que ocorreu.

O Blog e o UOL entendem que o governo não pode revelar os nomes de quem cometeu crime fiscal. Mas pode dizer –e a sociedade tem o direito de saber– quantos são os que mantiveram dinheiro de forma irregular no HSBC da Suíça.

Com a falta de interesse e disposição do governo, o Blog está fazendo já há algum tempo uma minuciosa checagem de todas as mais de 8.000 linhas de informações sobre brasileiros correntistas no HSBC da Suíça.

Quando for identificado algum nome que possa estar relacionado a um fato ou atividade de interesse público, o titular da conta bancária será contatado para que possa explicar do que se trata o valor depositado no HSBC. Uma reportagem será publicada a respeito.

A lista completa nunca será publicada? Não, pois seria uma invasão de privacidade indevida no caso de pessoas que podem ter aberto contas no exterior de boa fé, respeitando a lei e pagando impostos.

O ICIJ vai publicar algum dia todas as informações? Não.

Leia as reportagens do ICIJ e a política editorial da entidade no caso dos SwissLeaks.

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HSBC abrigou dinheiro obscuro ligado a ditadores e traficantes de armas
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Fernando Rodrigues

Equipe de jornalistas de 45 países revela contas bancárias secretas mantidas por criminosos, traficantes, sonegadores fiscais, políticos e celebridades

icij

Por Gerard Ryle, Will Fitzgibbon, Mar Cabra, Rigoberto Carvajal, Marina Walker Guevara, Martha M. Hamilton and Tom Stites

[texto integral, em inglês]

Documentos secretos revelam que o banco HSBC lucrou fazendo negócios com traficantes de armas que entregaram morteiros para soldados infantis na África, homens que levam dinheiro de ditadores do Terceiro Mundo, traficantes de diamantes e outros criminosos internacionais.

Os arquivos vazados, oriundos da filial suíça do HSBC, estão relacionados a contas com mais de U$ 100 bilhões em depósitos. Oferecem um olhar raro dentro do supersecreto sistema bancário suíço.

Os documentos, obtidos pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists) por meio do jornal francês “Le Monde”, mostram o banco tratando com clientes envolvidos em um amplo espectro de atividades ilegais, especialmente em esconder centenas de milhões de dólares de autoridades fiscais.

Os arquivos também revelam registros privados de jogadores famosos de futebol e tênis, estrelas do rock, atores de Hollywood, realeza, políticos e executivos.

As revelações iluminam a intersecção entre o crime internacional e negócios legítimos. Ampliam dramaticamente o que é conhecido sobre comportamento potencialmente ilegal ou antiético no HSBC, um dos maiores bancos do mundo.

Os registros de contas vazados mostram alguns clientes viajando a Genebra para sacar grandes quantias de dinheiro vivo. Também documentam grandes somas controladas por vendedores de diamantes conhecidos por atuar em zonas de guerra e vender pedras preciosas para financiar insurgentes que provocaram inúmeras mortes.

O HSBC, sediado em Londres e com filiais em 74 países e territórios, inicialmente insistiu que o ICIJ destruísse os arquivos. No Brasil, o banco ofereceu resposta parecida. Leia o post “Clientes do Brasil tinham US$ 7 bilhões em 5.549 contas secretas“.

No último mês, após ser informado sobre o inteiro teor das descobertas da reportagem, o HSBC deu uma resposta final mais conciliatória, afirmando: “Nós reconhecemos que a cultura de ‘compliance’ e padrões de ‘due diligence’ na filial suíça do HSBC, assim como no setor em geral, eram significativamente menores do que são hoje”.

Na nota, o banco afirma: “[O HSBC] tomou passos significativos ao longo dos últimos anos para implementar reformas e se desfazer de clientes que não cumpriam os novos e rigorosos padrões do HSBC, inclusive aqueles sobre os quais nós tínhamos preocupações relacionadas a pagamento de tributos”.

O banco acrescentou que redesenhou parte de seus negócios: “Como resultado desse reposicionamento, a filial suíça do HSBC reduziu sua base de clientes em quase 70% desde 2007”.

O modo pelo qual o setor bancário em paraísos fiscais abriga dinheiro e esconde segredos tem grande impacto para as sociedades ao redor do mundo. Pesquisadores estimam, de forma conservadora, que US$ 7,6 trilhões são mantidos em paraísos fiscais, custando aos tesouros governamentais pelo menos US$ 200 bilhões por ano.

“O setor offshore é uma grande ameaça a nossas instituições democráticas e ao nosso contrato social”, afirmou ao ICIJ o economista francês Thomas Piketty, autor de “O Capital no Século 21”. “A opacidade financeira é uma das chaves para a crescente desigualdade global. Ela permite a uma grande parcela dos maiores rendimentos e maiores fortunas a pagar taxas ínfimas, enquanto o resto de nós paga altas taxas para financiar serviços públicos indispensáveis para o desenvolvimento”.

Não é ilegal na maioria dos países manter contas bancárias em paraísos fiscais, e ser identificado como titular de uma conta no HSBC Private Bank não significa por si só nenhum malfeito.

Os documentos obtidos pelo ICIJ são baseados em arquivos originalmente vazados por um antigo funcionário do HSBC, Hervé Falciani, entregue a autoridades francesas em 2008. O “Le Monde” obteve o material das autoridades da França e o compartilhou com o ICIJ com o compromisso que fosse formado um time de jornalistas de vários países para analisar os dados por múltiplos ângulos. O ICIJ reuniu mais de 140 jornalistas de 45 países.

Os repórteres encontraram os nomes de diversas pessoas na lista de sanções dos EUA, como Selim Alguadis, um empresário turco acusado  de fornecer componentes elétricos sofisticados para o projeto nuclear da Líbia, e Gennady Timchenko, um bilionário associado ao presidente russo Vladimir Putin e alvo de sanções em resposta à anexação da Criméia.

Os dados não explicitam o exato papel de Alguadis ou Timchenko em relação às contas. O porta-voz de Timchenko disse que os motivos para as sanções eram “profundamente falsos” e que seu cliente “sempre cumpriu integralmente as obrigações fiscais”.

Consta dos arquivos Rachid Mohamed Rachid, ex-ministro de Comércio do Egito, que fugiu de Cairo em fevereiro de 2001 durante o levante contra Hosni Mubarak. Rachid, cujo nome aparece listado em uma conta com US$ 31 milhões, foi condenado à revelia por desvio de recursos públicos.

Outro nome relacionado a contas no HSBC suíço é Frantz Merceron, acusado de ser responsável por conduzir dinheiro do ex-presidente do Haiti Jean Claude “Baby Doc” Duvlaier, acusado de roubar US$ 900 milhões antes de fugir de seu país.

Também há menções a traficantes de armas nos arquivos do HSBC. O banco manteve Aziza Kulsum e sua família como clientes mesmo após ele ter sido apontado pela ONU como financiador da guerra civil no Burundi, na década de 90.

O nome de Fana Hlongwane, político e empresário da África do Sul, consta no banco de dados de clientes do banco. Ele é acusado pelo governo do Reino Unido de receber dinheiro para promover compra e venda de armas. O advogado de Hlongwane não respondeu a pedido de entrevistas.

IMPOSTOS
Os arquivos obtidos mostram que alguns clientes europeus foram aconselhados a respeito de como evitar o pagamento de taxas sobre contas bancárias, que entrou em vigor na União Europeia em 2005. A regra aplica-se apenas a indivíduos, não a empresas, e a filial suíça do HSBC aproveitou-se da brecha para vender serviços que transformavam indivíduos em corporações, com finalidades fiscais.

Os dados compartilhados por autoridades francesas embasam hoje investigações formais em diversos países. Juízes franceses estão examinando se o banco ajudou alguns clientes a evitar o pagamento de taxas em 2006 e 2007.

O HSBC afirmou ao ICIJ que está “integralmente comprometido a fornecer informações a autoridades” e “ativamente implantando medidas para assegurar que os clientes são transparentes em relação a impostos”.

A reportagem completa do ICIJ detalha os negócios de outras dezenas de correntistas citados nos arquivos do HSBC.

Contribuíram também para este artigo: Gerard Davet, Fabrice Lhomme, Elliot Blair Smith, Ryan Chittum, Charles R. Babcock, Cecile Schilis-Gallego, Matthew Caruana Galizia, Hamish Boland-Rudder, Emilia Diaz-Struck, Marcos Garcia Rey, Delphine Reuter, Karen Chang, Frederic Zalac, David Leigh and James Ball.

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Clientes do Brasil tinham US$ 7 bilhões em 5.549 contas secretas
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Fernando Rodrigues

ATENÇÃO: leia atualização dos números no final deste post.

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O conjunto de dados secretos do HSBC contém informações sobre 5.549 contas bancárias secretas de brasileiros (pessoas físicas ou jurídicas) na Suíça. O saldo total máximo registrado para esses correntistas foi de US$ 7 bilhões. Os proprietários dessas contas não fazem comentários.

Este Blog entrou em contato com autoridades brasileiras no final do ano passado. Os dados estão sendo analisados para determinar se há ilegalidade nessas operações bancárias ou se os valores foram declarados à Receita Federal do Brasil.

Apesar de a checagem ser relativamente fácil, as autoridades brasileiras ainda não finalizaram o trabalho.

Na América Latina, nacionais de vários países estão na lista do HSBC. Segundo uma compilação do ICIJ, o saldo total máximo mantido nessas contas secretas de latino-americanos ultrapassa US$ 31 bilhões.

A filial brasileira do HSBC enviou um comunicado ao Blog, mas a resposta foi protocolar, praticamente idêntica à enviada pelo banco ao ICIJ em Washington e em vários países. A íntegra está aqui.

Atualização às 15h de 13.fev.2015: Os arquivos do HSBC constituem uma larga base de dados e estão sob análise contínua do ICIJ. O número de correntistas do Brasil foi atualizado para 8.667 clientes, titulares de 6.606 contas bancárias, com cerca de US$ 7 bilhões depositados.

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As verdadeiras “donas de casa” do HSBC
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Fernando Rodrigues

icij

Por Will Fitzgibbon e Martha M. Hamilton

Era apenas um dia na vida de uma dona de casa.

Hanne Tox, uma dinamarquesa estão com 57 anos, foi a uma agência suíça do HSBC em 2005 para tratar de sua conta.

Pareceu um pouco complicado. Um funcionário observou: “Proprietário de conta morando na Dinamarca, isto é crítico e já é uma ação criminosa ter uma conta no estrangeiro não declarada (…) problema poderia ser resolvido por (…) alternativas como criar uma companhia off-shore”.

Meses depois, Tox visitou seu banco novamente. Desta vez, Tox passou a noite em Zurique num dos hotéis mais luxuosos e históricos do mundo, o Baur au Lac, fundado em 1844. “Proprietária da conta ficou no Baur au Lac, que ela apreciou muito” anotou o banco, segundo os arquivos de sua conta.

No dia seguinte, ela fez um “saque de 100 mil coroas dinamarquesas (apenas entregamos o dinheiro)”, equivalente à época a US$ 16 mil. “Após isso a senhora H.T. voou de volta para casa”, dizem os registros do banco.

Senhora H.T., como o HSBC se referiu a Tox é identificada como uma “assistente e dona de casa” na base de dados do banco sobre a identidade de seus clientes. Para Tox, cujo marido morreu em 2003, segundo os registros, isso parece ser uma descrição fidedigna de como ela passa seus dias.

Tox não respondeu a pedidos de comentários enviados pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists).

A descrição de sua visita está nos arquivos do HSBC Private Bank na Suíça obtido pelo ICIJ e o jornal “Le Monde”. Os dados contêm nomes dos correntistas, depósitos e outras informações individuais que mostram que o banco às vezes estava disposto a acomodar clientes desagradáveis, alguns dos quais não eram donas de casa, mas criminosos condenados e traficantes de armas.

Quando está discriminada a profissão nos arquivos das contas do HSBS da Suíça, “dona de casa” aparece com frequência incrível, mais do que profissões lucrativas como médicos, advogados e vendedores de diamantes.

Isso pode ser utilizado para descrever uma mulher rica e casada, mas também se aplica em alguns casos para mulheres como empresárias pioneiras, arquitetas, jornalistas, professoras, princesas e herdeiras.

Donas de casa são citadas mais de 7.300 vezes nos arquivos do HSBC, mais do que o dobro de outras duas categorias que indicam que a pessoa não tem remuneração: “sem profissão” e “estudante” somaram menos de 4.000 registros.

PIONEIRA DA PROPAGANDA
Uma das mulheres indicadas como dona de casa pelo HSBC é a pioneira do setor publicitário Mary Wells Lawrence, hoje com 86 anos. Fundadora da empresa de publicidade Wells Rich Green em 1966, quando executivas eram escassas como são na premiada série de TV “Mad Men”. Ela se tornou uma das mulheres mais bem pagas no setor, bem como a primeira mulher a dirigir uma empresa listada na bolsa da Nova York.

Os arquivos obtidos pelo ICIJ mostram que ela era titular de 4 contas –2 delas ainda ativas em 2006. Dessas 2, uma estava em nome de uma offshore em Bahamas, Five Angels Investmente Limited, e chegou a ter um saldo máximo de U$ 138,5 milhões em 2006/2007. A outra conta, em nome de Sandia Corporation Limited, tinha U$ 1,9 milhões durante esses anos.

Lawrence não respondeu a pedidos de entrevista da ICIJ.

Enquanto muitas das donas de casa listadas pelo HSBC não são tão bem sucedidas profissionalmente como Lawrence, outras o são de forma extraordinária, que não viriam à mente quando alguém é normalmente descrito como dona de casa.

Outra cliente do HSBC indicada dessa maneira é uma princesa saudita e uma das vozes mais ativas no Oriente Médio em defesa da educação de mulheres, Lolowah al-Faisal Al Saud, que também aparece como dona de casa.

Princesa Lolowah, 67 anos, é uma entre os 9 filhos do antigo rei saudita Faisal bin Abdulaziz Al Saud com sua quarta mulher. Ela foi educada na Suíça e é vice-presidente do Conselho de Administração da Universidade Effat, a primeira universidade privada sem fins lucrativos para mulheres da Arábia Saudita. Hoje divorciada, ela viaja o mundo falando em defesa do direito das mulheres e é uma figura presente no Fórum Econômico Mundial, de Davos, onde em 2007 defendeu o direito de mulheres dirigirem veículos na Arábia Saudita.

Segundo o banco de dados do HSBC, ela era, ao lado de outros membros da família real saudita, beneficiária de uma conta em nome da Pearl Enterprises Limited, com sede nas Ilhas Cayman, e tinha U$ 1,75 milhão em 2006/2007. A princesa Lolowah não respondeu aos pedidos de entrevista do ICIJ.

Outra dona de casa fora do comum citada nos arquivos do banco é Arlette Ricci, herdeira de uma fortuna multimilionária de sua avó Nina e do pai Robert Ricci, que criaram uma das empresas de moda mais antigas da França, a Nina Ricci, fundada em 1932 e hoje controlada por um conglomerado espanhol.

Para o HSBC, Ricci, hoje com 73 anos, é dona de casa e herdeira. Em todos os outros lugares, ela é melhor conhecida como diretora de teatro. Ricci é proprietária de uma conta vinculada à empresa panamenha Parita Compania Financiera S.A., que chegou a ter um saldo máximo de U$ 22,5 milhões em 2006/2007. Ricci também é relacionada a outras 2 contas no HSBC.

A Justiça francesa já acusou Ricci de fraude fiscal, relacionada a contas suíças. Policiais a detiveram em 2011, na sua residência em Paris. Ela foi mantida sob custódia por 48 horas.

“Nós contestamos os valores e eventos relacionados nas contas do arquivo Falciani e todas as ligações com essas companhias [offshore]”, afirmou o advogado de Ricci, Jean-Marc Fedida, em 2013, a jornalistas. A investigação francesa sobre as contas de Ricci no HSBC está em andamento.

A reportagem original do ICIJ (em inglês) cita outros exemplos de donas de casa fora do comum citadas nos arquivos do HSBC. [LINK]

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Denunciante? Ladrão? Herói? A fonte dos dados que balançaram o HSBC
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Fernando Rodrigues

icij

A longa e estranha jornada de Hervé Falciani, de especialista em tecnologia bancária a fugitivo encarcerado e porta-voz de denunciantes

Leia o texto original do ICIJ, em inglês

Por Martha M. Hamilton

Eles quase o pegaram. Em 22.dez.2008, policiais suíços prenderam Hervé Falciani, então com 36 anos e especialista em sistemas de computador suspeito de roubar dados do HSBC Private Bank da Suíça, seu empregador, e tentar vendê-los a bancos no Líbano. A polícia apreendeu seu computador, fez buscas em sua casa em Genebra e o interrogou por horas.

Falciani

Hervé Falciani

A polícia o liberou sob a condição de que Falciani retornaria no dia seguinte para continuar o interrogatório.

E ele não retornou. Falciani alugou um carro, pegou sua mulher e filha e dirigiu direto para a França. Lá, começou a fazer o download de grandes quantidades de dados do HSBC que havia guardado em servidores remotos e estavam provocando caos para pessoas ricas de todo o mundo que utilizavam contas em paraísos fiscais para esconder dinheiro. Havia nomes de clientes e anotações das conversas do banco com eles.

O dia da fuga foi o ponto de inflexão em uma longa e estranha jornada de Falciani, que vem mudando de país para país, esquivando-se de autoridades suíças –e possivelmente de criminosos que o perseguem.

Ele se apresenta como um denunciante e atraiu grande atenção da mídia. Até tentou, sem sucesso, candidatar-se ao Parlamento Europeu. Já usou identidades falsas, vestiu disfarces e apareceu em público com guarda-costas. Foi preso e acusado. A promotoria suíça acusou Falciani de roubo de dados do HSBC, argumentando que seu objeto era “ganhar dinheiro”.

GENEBRA
Tudo começou em 2006, quando Falciani, que tem cidadania francesa e italiana, foi transferido do HSBC de Mônaco para o HSBC de Genebra. Lá, segundo conta, ele tentaria melhorar a supervisão das atividades do banco e proteção de dados dos clientes. Mas, ele diz, encontrou resistência.

Falciani diz que ajudou a criar sistemas em Mônaco “que permitiam descobrir atividades fraudulentas de alguém que era acusado de crimes” e que ele pretendia fazer o mesmo na Suíça. “Trabalhei com colegas em um grupo chamado ‘mude o banco’, mas estávamos contra outro grupo chamado ‘administre o banco’, que queria fazer as coisas sem ser monitorado”, disse em depoimento na França em junho de 2013.

Falciani afirmou ter alertado diretores do banco sobre problemas no sistema de dados. Mas uma investigação na Suíça afirma que isso não foi confirmado por ninguém do HSBC e nem por provas documentais.

Para as autoridades suíças, Falciani roubou os dados e tentou lucrar com eles, primeiro os oferecendo a bancos no Líbano e depois a autoridades de outros países.

LÍBANO
Em fevereiro de 2008, Falciani foi ao Líbano com Georgina Mikhael, com quem ele havia trabalhado no HSBC e havia o ajudado a criar uma empresa chamada Palorva. Essa firma, em seu site, dizia que poderia ajudar os bancos a atrair clientes ricos mediante pesquisa de dados.

Juntos, ele contataram diversos bancos com filiais no Líbano e teriam oferecido venda de dados, sem responder como os teriam obtido. A iniciativa deflagrou um alerta. Um dos bancos divulgou uma nota no site da Associação dos Bancos Suíços informando que alguém estava tentando vender “dados de clientes de vários bancos suíços”. A Promotoria da Suíça leu o aviso e abriu uma investigação.

Após voltarem do Líbano, Falciani e Mikhael entraram em contato por e-mail com autoridades tributárias europeias oferecendo “a lista de clientes de um dos maiores bancos de administração de fortunas”. Segundo reportou o “The Wall Street Journal”, o e-mail enviado às autoridades não pedia dinheiro.

Em 20.jan.2009, a Promotoria de Nice, respondendo a um pedido suíço, autorizou uma busca na casa do pai de Falciani, onde ele estava morando. Falciani afirmou à polícia de Nice que a busca envolvia dados “relevantes para a França” e a Promotoria decidiu não enviar o material apreendido para as autoridades suíças.

DADOS
A França começou então a trabalhar no grande volume de dados entregue por Falciani (aproximadamente 600 arquivos somando cerca de 100 gigabytes), para organizá-los de forma legível, com ajuda do próprio denunciante.

Terminada a organização dos dados, autoridade francesas começaram a compartilhar listas menores com outros países europeus, incluindo Grã-Bretanha, Itália, Espanha, Bélgica e Grécia, onde haveria clientes do HSBC que poderiam estar devendo impostos.

Em 1.jul.2012, após ter escapado de outra tentativa de prisão feita por autoridades suíças, Falciani foi detido em Barcelona e mantido preso por 5 meses e meio sob um mandado de prisão suíça. Ele foi solto em 18.dez.2012, após a Justiça espanhola concluir que ele estava colaborando com autoridades europeias em investigações fiscais e demonstrando uma atitude positiva.

PORTA-VOZ DE DENUNCIANTES
Na versão de Falciani, ele é parte James Bond, fugindo de oponentes poderosos e cooperando com agências de inteligência, parte um idealista frustrado, chocado pela realidade ele encontrou no banco onde ele já foi funcionário. É uma história que ele conta com frequência, apesar de nem sempre de forma consistente.

Hoje, Falciani se apresenta como um porta-voz de todos os denunciantes. Em 2014, ele apareceu mais à vontade, indo a reuniões de scooter. Foi contratado durante um período pelo Instituto Francês para Pesquisa em Ciência da Computação e Automação. Recentemente, disse ao “Le Monde” que estava desempregado, fazendo trabalhos de curto prazo.

Ele também está envolvido em uma ONG que tenta criar uma plataforma para tornar mais fácil e seguro que denunciantes falem. (O diretor do ICIJ Gerard Ryle é um dos 5 diretores dessa ONG, registrada na França).

“Não sou um cavaleiro branco, mas há algo belo e estimulante em estabelecer a verdade. Isso o faz continuar durante os períodos ruins”, disse. “Não tenho que me preocupar sobre uma aposentadoria eu não terei. Posso me preocupar com algo a mais: somos úteis”.

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