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Arquivo : Luís Eduardo Schoueri

Lei permite recuperar os US$ 7 bi na Suíça, diz ex-secretário da Receita
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Fernando Rodrigues

Para Everardo Maciel, ainda há tempo para punir eventual crime fiscal  

Dinheiro volta ao país se contas do SwissLeaks não tiverem sido declaradas

Governo precisa primeiro obter documentos da França para depois cobrar imposto e multa

Marisa Caduro/Valor - 3.jan.2001

Everardo Maciel aponta caminho para governo cobrar impostos de brasileiros no SwissLeaks

Fernando Rodrigues
Do UOL, em Brasília

Apesar da lentidão com que tem agido, o governo federal ainda pode tomar medidas para recuperar, no limite, todo o saldo de aproximadamente US$ 7 bilhões (cerca de R$ 21 bilhões) que 8.667 pessoas ligadas ao Brasil mantinham em contas secretas e numeradas na Suíça nos anos de 2006 e 2007.

A avaliação é do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Ele enfatiza que ter conta no exterior não é crime, mas para ficar na legalidade é necessário declarar ao Fisco a existência do dinheiro depositado em outro país. Se ficar comprovado que a lista de 8.667 correntistas do Brasil no HSBC é composta por pessoas que não pagaram imposto, o dinheiro pode ser recuperado.

Esses nomes constam do conjunto de dados bancários vazados do HSBC da Suíça, em 2008, que reúne cerca de US$ 100 bilhões de 106 mil clientes de 203 países e ficou conhecido como SwissLeaks.

Para saber do que se trata o SwissLeaks, leia a explicação detalhada já publicada pelo Blog. Em resumo, é uma apuração jornalística multinacional comandada pelo ICIJ, sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, em parceria com o jornal francês “Le Monde”. No Brasil, a investigação é coordenada pelo jornalista Fernando Rodrigues, membro do ICIJ, que publica as reportagens em seu Blog, hospedado no UOL.

Segundo Everardo Maciel, os brasileiros que não declararam ao Fisco os valores depositados no HSBC da Suíça ainda podem ser cobrados. O ex-secretário da Receita Federal defende que o prazo de 5 anos que comumente é citado como tempo limite para cobrança de um determinado imposto só vale em determinadas situações.

“O nosso sistema de coleta de impostos é declaratório. O contribuinte declara o que teve de renda e recolhe os impostos. Ora, a Receita Federal só pode fiscalizar sobre o que é declarado. Quando há uma omissão ativa, quando o contribuinte procurou de fato esconder um valor, nesse caso o prazo para a cobrança de impostos não se esgota depois de 5 anos”, explica Everardo Maciel.

Ele prossegue: “A Receita Federal só pode cobrar algo quando o fato fica conhecido. Mesmo que tenha sido em 2006 ou 2007. Se esses fatos ficarem conhecidos agora, e, muito importante, se ficar comprovado que não houve declaração no Imposto de Renda da conta no exterior, aí é possível fazer a cobrança do que não foi pago na época devida”.

Everardo cita o artigo 149 do Código Tributário Nacional, que no seu inciso 7º trata de casos em que há “dolo, fraude ou simulação”. Exatamente a situação de pessoas que levam seu dinheiro para fora do Brasil sem informar ao Banco Central nem declarar à Receita Federal.

Eis o artigo e alguns dos incisos da lei 5.172, mencionada por Everardo:

Art. 149. O lançamento [para eventual cobrança de impostos] é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
(…)
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

Nesse caso, comprovado o crime decorrente da omissão da declaração de uma conta bancária no exterior, a Receita Federal cobra 27,5% sobre o saldo encontrado no outro país. É que esse valor é considerado uma renda que ficou oculta.

Além do imposto, segundo Everardo Maciel, é aplicável uma “multa de ofício” cuja alíquota é de 75% sobre o imposto devido. Como esses casos sempre são relacionados a dolo, fraude ou simulação, essa multa é “agravada” e o percentual sobe para 150% sobre o imposto não pago.

Somados o imposto e a multa, chega-se perto da totalidade do saldo depositado ilegalmente no exterior e pode retornar ao Brasil. Mesmo porque haverá ainda a sanção aplicada por conta de uma outra infração –a evasão de divisas.

Trata-se do crime contra o sistema financeiro nacional (descrição na qual se enquadra a evasão de divisas). Nessa hipótese, há uma pena de reclusão que varia de 2 a 6 anos, mais multa. O cálculo dessa multa é controverso e não há como saber o valor que será aplicado pelo juiz responsável.

O Blog falou com operadores do mercado financeiro que conhecem esse tipo de infração. Há um consenso no mundo das finanças: os que foram apanhados cometendo tal ilegalidade (evasão de divisas) quase sempre pagam perto de 20% sobre o valor que foi remetido para fora do país.

Mas mais importante é registrar que a evasão de divisas é um crime sobre o qual não pairam dúvidas a respeito do prazo prescricional. Alguns advogados falam em 12 anos (o dobro da pena máxima). Para outros, entretanto, trata-se de algo imprescritível. Como os saldos das contas do SwissLeaks-HSBC são de 2006 e 2007, há tempo suficiente para que as autoridades brasileiras façam os autos de infração e apliquem as eventuais punições devidas.

Já no caso da sonegação de impostos existe muito debate no meio jurídico.

Luís Eduardo Schoueri, professor titular de direito tributário da USP (Universidade de São Paulo) e advogado do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, diverge da tese defendida por Everardo Maciel.

Schoueri tem sido procurado por clientes que têm ou tiveram contas no HSBC da Suíça –e estão alarmados com o vazamento dos dados.

Para o professor da USP, a tese de que ainda não houve a prescrição para a cobrança de impostos sobre contas com saldo em 2007 é minoritária e tem pouco respaldo em tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.

É claro que desta vez é necessário levar em consideração que se trata do maior vazamento da história de informações bancárias da Suíça. Embora o Brasil nada tenha feito até hoje, vários países já recuperaram parte do dinheiro desviado –o equivalente a US$ 1,36 bilhão, segundo o ICIJ.

Schoueri sustenta, entretanto, que o prazo para cobrar o tributo não começa a contar a partir do momento em que o governo sabe que o valor foi sonegado. Para o professor, o prazo começa a contar no primeiro dia do exercício seguinte ao qual o contribuinte deveria ter declarado.

Um exemplo: se a receita foi obtida em 2007 (o último ano para o qual o SwissLeaks tem dados das contas na Suíça), o contribuinte deveria ter declarado em 2008. Se não o fez, o prazo para que o Fisco possa perseguir o pagamento começa a contar em 1º janeiro de 2009. Nessa hipótese, governo teria até 31 de dezembro de 2013 para tentar receber o imposto sonegado.

A tese defendida por Schoueri também é contemplada pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo 173:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Como se observa, a doutrina sobre a prescrição do prazo para a cobrança de impostos encontra argumentos no Código Tributário Nacional. Ocorre que a conjuntura criada pelo SwissLeaks também é única.

Esse é um assunto que terá de ser dirimido pelos tribunais superiores.

José Hable, auditor fiscal que estuda o tema, escreveu um artigo no qual reconhece que o prazo de 5 anos citado por Schoueri é o entendimento majoritário dos livros de direito e dos tribunais. Mas ele defende a mesma tese de Everardo Maciel: o prazo de 5 anos só deve contar a partir da ciência pelo Fisco dos fatos omitidos.

O cerne do argumento de Hable é simples: não é justo que o contribuinte que sonegou de forma intencional, com dolo, fraude ou simulação, seja beneficiado com o mesmo prazo concedido ao contribuinte de boa-fé. E isso é vedado pelo Código Tributário Nacional.

 

LEGALIDADE DOS DADOS
No caso SwissLeaks, há ainda um fator complicador. Os dados foram subtraídos do HSBC por um ex-funcionário do banco, Hervé Falciani. O acervo de informações foi entregue por ele ao governo francês –que já compartilhou tudo com governos de vários países.

No Brasil, entretanto, advogados criminalistas devem recorrer à doutrina dos “frutos da árvore envenenada” –se Falciani subtraiu esses dados do HSBC, os documentos não podem servir como prova.

Ocorre que a França recepcionou as informações. Ao mesmo tempo, homologou os dados e os considerou íntegros e válidos. Muitos países seguiram o mesmo caminho.

No Brasil, os tribunais tendem a ser mais conservadores na interpretação da lei, o que muitas vezes beneficia o acusado de um crime. Em teoria tudo pode acabar sendo rejeitado. Exceto na hipótese de o próprio governo da Suíça enviar os dados extraídos legalmente de dentro do HSBC.

A Suíça não tem acordo de colaboração com o Brasil para casos de sonegação fiscal. Quando há outros crimes envolvidos isso possível. Muitos dos correntistas brasileiros têm ou tiveram pendências com a Justiça. Esses podem ser os mais vulneráveis porque há espaço legal para o governo brasileiro requerer seus dados bancários pelas vias oficiais.

 

CONTAS ZERADAS
Das 8.667 pessoas ligadas ao Brasil e com conta no HSBC de Genebra, na Suíça, 4.485 apresentam saldos zerados em 2006 e 2007. Essa situação pode ocorrer por duas razões.

A primeira delas é quando alguém aparece apenas como beneficiário eventual do valor de uma conta conjunta, mas ainda sem acesso ao dinheiro depositado. Nos arquivos detalhados do HSBC é possível identificar vários desses casos.

A segunda situação de conta zerada indica apenas que o titular mantinha seu registro no HSBC aberto e ativo, mas não havia dinheiro depositado em 2006 e 2007, período ao que se referem os arquivos retirados do banco por Hervé Falciani.

Há, entretanto, também os casos em que uma conta não apenas está zerada, mas também com uma indicação de que foi encerrada (em geral, há uma data sinalizando que isso aconteceu). Nessa hipótese, não fica claro porque o HSBC mantinha em seus registros contas antigas, encerradas e sem saldo.

Nos casos de contas zeradas, o Fisco brasileiro teria de ter acesso aos extratos bancários dos períodos anteriores a 2006 e posteriores a 2007 para saber o que se passou. Como a Suíça não fornece ao Brasil informações por suspeita de sonegação, seria necessário sustentar os pedidos ao governo daquele país demonstrando que as pessoas das quais se requer os dados são acusadas de outros tipos de crimes, como corrupção ou lavagem de dinheiro.

 

CONFISSÃO DE CRIME
Os correntistas brasileiros do HSBC na Suíça que se apresentarem espontaneamente, confessando não terem declarado valores à Receita Federal, terão de pagar 27,5% de imposto sobre o saldo não declarado (que entra como renda nesse cálculo).

Haverá também uma multa de 20% sobre o total depositado na cota. “Quem pagar à vista pode reduzir o percentual da multa para 10%”, diz Everardo Maciel.

Mas essa confissão de crime fiscal não extingue o crime de evasão de divisas, que será apurado investigado pela Polícia Federal e depois analisado pelo Ministério Público.

Na hipótese de se tornarem alvo de processo criminal, Schoueri orienta seus clientes com contas no HSBC da Suíça a confessar. Esse ato reduz a pena e favorece punições alternativas, como prestação de serviços comunitários.

Ele também alerta os brasileiros com contas na Suíça a não tentarem “consertar” esses depósitos no exterior, esquentando o dinheiro de alguma forma. Isso os enquadraria no crime de lavagem, mais grave que a evasão.

Participou da apuração desta reportagem o jornalista Bruno Lupion (do UOL).

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