Assim como na Escócia, medo do desconhecido ajuda Dilma no Brasil
Fernando Rodrigues
narrativa do medo funcionou até agora para a petista, que lidera a disputa
ainda assim, Dilma e PT enfrentam em Marina a adversária mais forte até hoje
nunca o 3º colocado numa disputa foi tão anti-PT como Aécio Neves
Por que os eleitores na Escócia rejeitaram se separar do Reino Unido? Há muitos motivos, mas certamente um dos componentes foi o medo do desconhecido, o temor de que a divisão pudesse, eventualmente, trazer mais problemas do que benefícios.
O medo é um dos sentimentos inconscientes mais presentes no dia a dia de qualquer pessoa. Para simplificar, ninguém atravessa uma rua de olhos fechados. Ninguém desce uma escada correndo no escuro.
Em eleições presidenciais, quando o país está mais ou menos estável (embora com a economia tendo um desempenho medíocre), o medo do desconhecido é relevante na hora em que as pessoas tomam suas decisões.
No Brasil, assim como na Escócia, há um sentimento difuso a favor de mudanças.
Os escoceses acham que contribuem mais com o Reino Unido do que recebem de volta. Ainda assim, a maioria achou que deveria manter as coisas como estão.
Entre os brasileiros, esse desejo a favor de mudanças apareceu com força nas manifestações de junho de 2013. O Datafolha mostra, pesquisa depois de pesquisa, que mais de 70% gostariam de ter uma forma diferente de governo no país.
Mas esses mesmos brasileiros, em grande parte, dão hoje a dianteira para Dilma Rousseff (PT), na disputa presidencial, e para Geraldo Alckmin (PSDB), na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Só para lembrar, o PT governa o Brasil há 12 anos. O PSDB manda em São Paulo há 20 anos.
Há uma contradição apenas parcial entre o desejo de mudança e o voto em políticos tradicionais. Mudar, qualquer um sempre quer. Mas como se faz essa mudança? Há riscos? Pode acontecer de as coisas ficarem ainda piores? Essas dúvidas e sentimentos são explorados “ad nauseam” pelos políticos e por seus marqueteiros em uma campanha. É assim no mundo inteiro onde se adota a democracia representativa de modelo ocidental.
Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em ''O Leopardo'', estava certíssimo ao formular uma de suas frases mais conhecidas: ''Se queremos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude''.
No Brasil, no atual ciclo eleitoral, a equipe de marketing de Dilma Rousseff preparou uma bateria de comerciais sobre como poderia ser (no entender dela e do PT) uma eventual administração Marina Silva.
É o chamado processo de “desconstrução” da candidata a presidente pelo PSB. Quando se observam as curvas da pesquisa Datafolha realizada nos dias 17 e 18 de setembro, nota-se uma tendência a favor de Dilma e negativa para Marina. Eis os gráficos:
Dilma Rousseff (PT) lidera com 37%. É seguida por Marina Silva (PSB), com 30%. Num distante terceiro lugar está Aécio Neves (PSDB), com 17%.
A taxa de brancos, nulos e a dos que ainda dizem não saber em quem votar está compatível com esta fase da campanha, comparando com eleições anteriores –13% estão nessa categoria. Em geral, quando esses brasileiros resolvem escolher alguém em quem votar, o grupo de divide na mesma proporção das intenções de voto de cada candidato no dia da eleição.
NARRATIVA DO MEDO
Muitos políticos e analistas não gostaram do tom das propagandas de Dilma Rousseff na TV. Houve comparação da pessebista com Jânio Quadros e com Fernando Collor. Insinuação de que um Banco Central independente tira a comida do prato dos mais pobres. Que o pré-sal seria relegado a segundo plano. E que haveria menos dinheiro de bancos públicos para programas como o Minha Casa, Minha Vida.
A campanha de Marina Silva reagiu. Disse que tudo era mentira.
Do ponto de vista estritamente legal, não houve crime eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral julgou improcedente um pedido de direito de resposta de Marina Silva em relação ao comercial dilmista sobre os riscos de conceder autonomia ao Banco Central.
A esta altura da campanha, parece comprovada em parte a eficácia da “narrativa do medo” usada pelo marqueteiro do PT, João Santana. É inegável que o efeito foi positivo (ainda que limitado) para Dilma Rousseff.
Para julgar o impacto da estratégia dilmista, entretanto, é necessário considerar o cenário da corrida presidencial de 2014: a) cerca de 70% dos eleitores brasileiros dizem desejar mudanças; b) a economia sob Dilma Rousseff, não importa a métrica usada, apresenta um desempenho sempre muito ruim ou medíocre; c) a presidente é uma política pouco loquaz (para dizer o mínimo) e seu carisma tende a ser zero; d) surgiu uma adversária respeitável, Marina Silva, com ares sacralizados depois da morte de Eduardo Campos.
Marina é, sem chance de errar na assertiva, a adversária mais forte que o PT enfrenta desde que ascendeu ao poder federal.
Em meio a todo esse ambiente adverso, Dilma Rousseff nunca chegou a perder votos dentro daquele um terço do eleitorado que há mais de uma década estacionou no petismo. Mais do que isso, a presidente agora mostra que está se aproximando de um patamar superior nas intenções de voto.
O que aconteceu nos últimos 30 dias? A presença maciça dos candidatos na TV e os comerciais no horário eleitoral –e, mais recentemente, os filmes negativos que bateram em Marina Silva para tentar desconstruir a imagem da pessebista.
Em resumo e de forma bem direta, só há uma conclusão (pelo menos, por enquanto): Dilma Rousseff melhorou sua posição nas pesquisas porque bateu em Marina Silva.
Pode-se, é claro, discutir o tamanho desse impacto. Ou se essa estratégia é sustentável até o final do 2º turno. Antes de elaborar a respeito desses tópicos, vale a pena verificar como estavam as pesquisas de intenção de voto para presidente nesta mesma época em todos os ciclos eleitorais anteriores desde 1994:
Como se observa, quem estava à frente numa simulação de 2º turno nesta mesma época em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, acabou vencendo a disputa.
Ocorre que desta vez ninguém está à frente. Há um empate técnico entre Marina, com 46%, e Dilma, com 44%.
É possível inferir que Dilma continuará a recuperar terreno numa velocidade de 2 pontos percentuais por semana? Impossível saber. A petista de fato fez o que estava ao seu alcance até agora. Daqui para a frente, esta eleição continua sem um desfecho claro, pelas suas especificidades.
É útil analisar o que Dilma e Marina têm de pontos a favor e contra.
DILMA E SUAS ARMAS
Os principais ativos de Dilma Rousseff são os seguintes: a) a força do governo e de suas alianças formais pelo país; b) a equipe de marketing mais bem estruturada na comparação com as outras campanhas; c) a aversão ao desconhecido que parte do eleitorado nutre a respeito de Marina Silva; d) a força do PT em momentos decisivos, quando o instinto de sobrevivência do partido fala mais alto e militantes vão para as ruas para empurrar seus candidatos na reta final de uma eleição.
Em teoria, todos esses fatores somados podem fazer com que Dilma acabe suplantando todas as dificuldades. Mas é também necessário confrontar tudo isso com as ferramentas que Marina tem a seu favor.
MARINA E SUAS ARMAS
A candidata do PSB parece ter desidratado um pouco nos últimos 20 dias. Mas para quem tem apenas cerca de 2 minutos na TV, chega a ser quase inacreditável que ela continue com 30% das intenções de voto. Ainda mais considerando-se que sua campanha inteira foi redesenhada há cerca de 30 dias, depois da morte de Eduardo Campos (em 13.ago.2014).
Marina tem alguns fatores que jogam a seu favor. A saber: a) ela é a candidata que mais incorporou em sua narrativa o desejo de mudanças expresso nas manifestações de junho de 2013. Quando fala de uma “nova política”, está falando aos milhões de brasileiros que não toleram mais assistir todas as noites aos telejornais mostrando as mesmas caras de políticos antigos em Brasília; b) no eventual segundo turno contra Dilma, os tempos de propaganda eleitoral na TV e no rádio são iguais, com cada uma das candidatas recebendo 10 minutos; c) o PT enfrenta cenários adversos nos 2 principais cenários do Nordeste, Bahia e Pernambuco; d) o terceiro colocado da eleição deste ano deve ser Aécio Neves (PSDB), cujo eleitorado é preponderantemente anti-PT, anti-Lula e anti-Dilma. Nas 3 últimas eleições presidenciais (2002, 2006 e 2010), os terceiros e quartos colocados tinham eleitores mais propensos a votar no candidato no PT (Anthony Garotinho, Ciro Gomes, Heloisa Helena, Cristovam Buarque, Plínio de Arruda Sampaio e Marina Silva). Não será simples para Dilma Rousseff ter os votos de eleitores aecistas mais adiante.
É bem verdade que Aécio Neves tem feito uma propaganda forte contra Marina Silva nas últimas semanas (''Marina é a Dilma com outra roupa''). Ainda assim, não está claro se o eleitorado do PSDB –possivelmente perto de 20% dos votos válidos nesta eleição– vai preferir dar mais 4 anos ao PT no Palácio do Planalto ou se vai arriscar uma novidade, apoiando a candidata do PSB no 2º turno.
A decisão dos aecistas –e de muitos outros eleitores– vai depender de como Marina Silva reagirá nas próximas duas semanas (até o 1º turno, em 5.out.2014). Se a pessebista demonstrar fragilidade excessiva e entrar muito desidratada na fase final da campanha, a profecia de que ela não tem como ganhar vai se autocumprir.
Como se observa na tabela acima deste post, nunca um candidato que entrou no 2º turno muito atrás nas pesquisas conseguiu reverter o quadro para vencer a disputa.
Desde a semana passada, Marina Silva resolveu reagir dentro do campo em que se dá melhor: o da emoção. No sábado (13.set.2014), ela começou a mostrar sua artilharia. Mais recentemente, falou sobre como foi sentir fome quando era criança no Acre, seu Estado natal. Todas as pesquisas internas das campanhas presidenciais indicam que esses comerciais tiveram impacto positivo para Marina.
É claro que ninguém faz campanha até o último dia apenas provocando emoção nos eleitores ao relatar uma infância difícil. Mas essa foi uma amostra grátis de como será Marina no 2º turno, quando terá reforço na campanha de TV e rádio –hoje basicamente sob o comando de Diego Brandy, que trabalha com poucos recursos e tempo exíguo. O cineasta Fernando Meirelles deve ser incorporado ao time em breve.
Ocorre que Marina precisa também dissipar o medo do desconhecido que existe no eleitorado em relação a ela. Nesse caso, seus programas e exposição midiática terão de encontrar uma narrativa que satisfaça aqueles que estão hoje em dúvida. Não é fácil, embora tampouco seja impossível.
E COMO FICA O PSDB
É importante fazer um último registro antes que tucanos se irritem e digam que o próprio Aécio tem chances de ir ao 2º turno. Tudo ainda é possível numa eleição tão cheia de surpresas como a atual. É claro que, tecnicamente, qualquer um dos 11 candidatos inscritos na corrida pelo Planalto pode chegar à rodada final de votação.
Mas a história recente das disputas presidenciais mostra que seria um fato realmente muito inaudito ver o candidato hoje com 17% conseguir passar ao 2º turno. Basta olhar a tabela acima neste post e verificar que isso nunca ocorreu no Brasil.
O segundo turno será realizado, como determina a Constituição, no último domingo de outubro, que neste ano é o dia 26. E tudo indica que o PSDB está fora desse jogo.
A se confirmar esse cenário, Aécio Neves terá sido o candidato a presidente pelo PSDB com o pior desempenho nos últimos 20 anos. O estrago poderá ser ainda maior se ele também registrar um revés em Minas Gerais, com o seu candidato a governador, Pimenta da Veiga, sendo derrotado, como sinalizam as pesquisas.
Tudo considerado, esta é a eleição presidencial brasileira mais cheia de possibilidades desde a de 1989. E como não poderia deixar de ser, o desfecho continua completamente indefinido.
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