Se usados todos os prazos, impeachment de Dilma se arrasta até outubro
Fernando Rodrigues
Presidente sinaliza que terá longa resistência ao processo
Prazo do Senado para iniciar julgamento é impreciso
Temer será interino até eventual cassação definitiva de Dilma
Oposição acha que apoio à petista esfarela após afastamento
Os fatos das últimas semanas indicam que o impeachment de Dilma Rousseff parece inevitável. O senso comum em Brasília é que tudo agora seria muito rápido e inexorável. Mas as regras legislativas e a disposição da presidente da República para resistir até o final podem levar a um processo mais longo do que desejaria a oposição.
Se todos os prazos legais forem respeitados e usados até o seu limite, o julgamento do impeachment só estará concluído no início da 2ª quinzena de outubro. Isso sem considerar atrasos imponderáveis, como ações na Justiça ou protelamentos com base nos regimentos da Câmara e do Senado.
Nesse cenário, o Brasil terá durante 6 meses, de maio a outubro, um presidente da República interino. É que o vice-presidente, Michel Temer, ocupará a principal cadeira do Palácio do Planalto apenas de maneira provisória até que o Senado defina se vai mesmo destituir Dilma Rousseff.
O que está em jogo agora é apenas o impedimento (o “impeachment”, no termo em inglês popularizado no Brasil), não a cassação. Primeiro, a presidente seria afastada do cargo por até 6 meses para ser julgada pelo Senado. Nesse período, abriria-se um vácuo de poder –o Palácio do Planalto ficaria ocupado apenas por um presidente provisório.
O consenso em todos os meios políticos é que o processo se torne irreversível a partir do afastamento provisório: uma vez aprovado o impeachment, é praticamente impossível Dilma Rousseff voltar a presidir o país. Ainda assim, durante a transição, dá-se um período de inescapável instabilidade.
É impossível prever qual será a data exata do desfecho do impeachment por duas razões. Primeiro, trata-se de um processo político (portanto sujeito a fatos imponderáveis, intangíveis). Segundo, o início da tramitação no Senado carece de regras claras a respeito de prazos –o que torna tudo ainda mais imprevisível.
O Blog consultou especialistas nos regimentos da Câmara e do Senado. E apresenta a seguir o que pode ser um cronograma possível do impeachment de Dilma Rousseff, embora ainda sujeito a alterações ao longo dos meses (clique na imagem para ampliar):
Como se observa nesse ''cronograma possível'', até o final de abril é possível que a Câmara finalize a sua parte do impeachment. Mas mesmo o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é interessado em acelerar a tramitação, alerta para imprevistos. É muito incomum haver sessões de 2ª a 6ª, de maneira contínua. Cunha acha que podem ser apresentados recursos eventuais pedindo mais prazos na comissão de 65 deputados que analisa o impedimento. Pode ser aberto um pedido de vista para o relatório final.
Tampouco está descartada alguma ação na Justiça por parte do governo. Embora seja improvável que tudo seja paralisado, algum atraso não seria incomum.
Para ter acesso a um cronograma ainda mais detalhado do impeachment, clique aqui.
COLLOR EM 1992
Em 1992, quando Fernando Collor foi alvo de um processo de impeachment, assumiu o então vice-presidente, Itamar Franco (1930-2011). O impedimento foi votado pela Câmara em 29.set.1992. Itamar virou presidente interino em seguida. Mas o Senado só julgou o caso de maneira definitiva em 30.dez.1992.
Ou seja, mesmo Fernando Collor sendo um presidente fragilizado, sem nenhum apoio relevante na sociedade –e tendo contra si todos os principais partidos, do PT ao PSDB–, foram necessários 3 meses para o Senado finalizar o processo.
[Contexto: Collor, na realidade, acabou renunciando em 29.dez.1992, antes da votação definitiva. Queria evitar o impeachment. O ato foi desconsiderado pelo Senado e até tornou politicamente mais inevitável a cassação. Não há no momento indicações de que Dilma pretenda renunciar].
Itamar Franco rapidamente construiu um certo consenso político ao assumir o Planalto, ainda de forma interina. Mas o então presidente provisório só conseguiu deslanchar a partir de janeiro de 1993, quando se tornou o titular efetivo no Palácio do Planalto.
O cenário de 2016 é diferente do de 1992.
Uma parte das atuais forças políticas –ainda que minoritária– está ao lado de Dilma Rousseff. A própria presidente não dá sinais de que vá se entregar sem oferecer resistência.
Na última 4ª feira (23.mar.2016), a petista ouviu de ministros do PMDB que a sua situação estava se complicando. O partido está prestes a romper formalmente com o Planalto. Cresce entre os peemedebistas a aposta num futuro eventual “presidente Michel Temer”. Dilma reagiu assim ao relato: “Se eles acham que vai terminar por aí estão muito enganados”.
CENÁRIOS
Há 2 principais cenários para o desfecho da atual crise política. São análises antípodas: uma mais governista; outra, da oposição.
Quem enxergar verdade apenas em 1 dos cenários corre o risco de incorrer em miopia política.
Possivelmente, a realidade dos próximos meses mostrará um desfecho com elementos combinados das análises do governo e da oposição. O Blog descreve a seguir o pensamento majoritário de cada um dos lados da atual disputa pelo Palácio do Planalto:
O CENÁRIO VISTO/DESEJADO PELO GOVERNO
Petistas e movimentos sociais organizados que orbitam em torno do governo federal estão seguros do seguinte:
1) Dilma não renuncia: a presidente fica na cadeira e resiste até o último dia, mesmo que seja inevitável o impeachment (afastamento do cargo) e a destituição (no julgamento pelo Senado);
2) Resistência na Câmara: o Planalto tentará obstruir a votação ou obter alguma decisão favorável no STF para pausar o processo. O governo também espera algum fato novo da Lava Jato ou na Justiça que possa remover o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do comando do caso;
3) Resistência no Senado: como não existe uma regra definida sobre os prazos iniciais de tramitação no Senado, Dilma pretende contar com a ajuda de Renan Calheiros para atrasar o quanto possível a votação da admissibilidade do processo. Enquanto os senadores não apreciarem o assunto em plenário, a petista não pode ser afastada;
4) Defesa pós-impeachment: mesmo se for afastada, Dilma quer utilizar todos os 180 dias (prazo máximo) para sua defesa no Senado. Com essa estratégia, espera dificultar o governo interino de Michel Temer, que ficaria fragilizado pela crise econômica e sem condições de oferecer segurança sobre planos futuros para o establishment;
5) Protestos nas ruas: se o impeachment for aprovado, o PT e a presidente acham que as manifestações de classe média que pedem “fora Dilma” vão arrefecer, pois é raro ver alguém mostrando um cartaz “entra Michel Temer”. Ao mesmo tempo, sindicatos, MST, MTST e outras organizações sociais devem continuar a protestar de maneira mais intensa –sobretudo por causa do agravamento do desemprego, resultado da recessão econômica. Greves, invasões de propriedades e outros atos são aguardados como forma de elevar a tensão sobre o governo interino de Michel Temer. No Congresso, a bancada petista trabalhará para obstruir os trabalhos e impedir a votação de reformas;
6) Mais Lava Jato: o PT sabe que é um dos alvos mais vistosos da investigação, mas acha que as delações premiadas de grandes empreiteiras mostrarão corrupção generalizada em todos os principais partidos –carregando junto para o abismo alguns líderes da oposição. Com o jogo embolado, a aprovação do impeachment perderia força no Congresso;
7) Julgamento no TSE: se a saída da presidente se tornar incontornável, o PT deve passar a pressionar para acelerar na Justiça Eleitoral o processo contra a chapa completa de 2014. A delação de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, como já revelou o Blog, traz provas materiais sobre dinheiro ilegal irrigando a reeleição da dupla Dilma Rousseff e Michel Temer;
8) Impeachment de Michel Temer: com Dilma eventualmente afastada e se o processo no TSE não andar, o PT usará as provas apuradas pela Lava Jato para tentar abrir um processo de cassação de Michel Temer;
9) Fisiologia anti-impeachment: enquanto houver esperança, o Planalto não vai abdicar de amarrar votos contra o pedido de impeachment. Haverá farta de distribuição de cargos e liberação de emendas ao Orçamento propostas por deputados. Há 5 partidos na mira: PSD, PTB, PR, PDT e PP. Essas siglas juntas têm 160 cadeiras na Câmara e comandam um orçamento somado de R$ 49,4 bilhões em seus ministérios –conforme publicado nesta 2ª feira (28.mar.2016) pelo jornal Correio Braziliense.
10) Eleições municipais: deputados e senadores têm interesse nas disputas de prefeitos e vereadores de outubro. As eleições em mais de 5.600 cidades determinam quais serão os apoios disponíveis em 2018, quando haverá renovação do Congresso. O governo argumentará que o impeachment não estará resolvido até outubro. Para congressistas, em teoria, valeria mais a pena ficar em seus cargos federais, apoiando Dilma contra o impeachment, e assim ter o poder da máquina pública ao seu lado nas eleições municipais de 2016.
O CENÁRIO VISTO/DESEJADO PELA OPOSIÇÃO
A oposição acredita que a conjuntura no país vai mudar no momento em que Dilma Rousseff sair do Palácio do Planalto. O cenário que enxergam e/ou desejam os oposicionistas é o seguinte:
1) Efeito “Maurício Macri”: assim como na Argentina, a simples troca do grupo que está no poder vai mudar o ambiente geral. Os agentes políticos, econômicos e financeiros vão acusar a troca de comando e o Brasil voltará a atrair investimentos e a confiança dos mercados no país e no exterior;
2) Avalanche na Câmara: quando um impeachment está em jogo, não se trata de contar votos. Ou tem-se a esmagadora maioria (cerca de 450 dos 513 deputados) ou não se tem nada. Com o rompimento iminente do PMDB e de outros partidos nos próximos dias e semanas, o Planalto ficará cada vez mais isolado. No dia da votação na Câmara, acredita a oposição, Dilma sofrerá grande derrota;
3) Bola de neve no Senado: embora hoje Renan Calheiros permaneça publicamente com seu comportamento ambíguo, se o impeachment passar pelos deputados, o Senado e seu presidente não terão forças para barrar nem atrasar o processo. Em uma ou duas semanas, o plenário da Casa aprovará o afastamento de Dilma;
4) Rapidez no julgamento: o prazo de 180 dias será abreviado ao máximo. Não haverá clima para manter o país 6 meses esperando a saída definitiva de Dilma. O PT sozinho ou com alguns senadores avulsos não terá poder para obstruir os trabalhos. O STF tampouco se prestará a interferir no trâmite dos trabalhos legislativos;
5) PT deserda Dilma: prostrados pela iminente cassação, os petistas abandonam Dilma de uma vez, encerrando uma relação que nunca foi de amor verdadeiro. A presidente é egressa do PDT brizolista e só se filiou ao PT em 2001. A força dos sindicatos, centrais de trabalhadores, MST e outros movimentos sociais arrefecerá naturalmente, pois perderão o apoio velado que existiu durante os anos petistas no governo federal. Apesar da crise econômica, a oposição acha que uma sensação de alívio tomará conta do país;
6) Lava Jato: a oposição enxerga Michel Temer saindo ileso das investigações. Mesmo com alguns políticos do PSDB, DEM e outras siglas anti-Dilma sendo abatidos, o eventual novo presidente conseguirá amalgamar forças para montar um governo de união nacional. Já está acertado que a equipe econômica será entregue ao PSDB (José Serra e Armínio Fraga, entre outros). Cerca de 15 a 20 ministérios dominados pelo PT e por siglas de esquerda serão esvaziados para loteamento entre partidos pró-Temer, o que também deve arrefecer as resistências no Congresso;
7) TSE em marcha lenta: o processo que pede a cassação da chapa presidencial de 2014 (Dilma-Temer) deve entrar em hibernação. Também crescerá a defesa da tese segundo a qual há contabilidades separadas nas campanhas de presidente e de vice-presidente –livrando assim Temer de punição.
8) Mídia favorável na TV aberta: com a eventual saída de Dilma do Planalto, a cobertura de assuntos políticos trataria o governo interino de Michel Temer com uma certa condescendência no início do processo. Essa é a expectativa geral da oposição, sobretudo por causa do acirramento recente das relações entre o governo federal/PT e a TV Globo, maior rede aberta do país.
9) Fisiologia pró-impeachment: para se contrapor ao Planalto, as forças a favor de Michel Temer jogam com as expectativas. Vão perguntar aos congressistas: qual é a vantagem de ficar com um cargo por alguns meses e depois perder tudo se Dilma for cassada? Os deputados serão confrontados com a possibilidade de entrar no barco já, ''comprando'' um lugar no próximo eventual governo enquanto tudo ainda está disponível.
10) Eleições municipais: o argumento pró-impeachment é que estar ao lado do governo Dilma Rousseff durante as disputas de prefeitos e vereadores de outubro pode ser mortal para muitos candidatos. Mesmo que percam seus cargos agora ao romper com o Planalto, deputados e senadores sinalizam para os eleitores que estão ao lado dos ventos de mudança. Isso compensaria a difícil decisão de abdicar dos benefícios do fisiologismo imediato oferecidos pelo Planalto.
CONCLUSÃO
Como se observa, há aspectos críveis tanto no cenário governista como no da oposição. É impossível ainda saber qual deles terá mais itens prevalecendo nas próximas semanas.
De todos os fatores considerados, o mais imprevisível, de longe, é a Operação Lava Jato e suas descobertas. Quem imaginaria que o líder do governo no Senado faria uma delação tão cheia de detalhes? Ou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria conduzido coercitivamente para depor à Polícia Federal?
Na semana passada, uma lista com mais de 200 políticos e 24 partidos emergiu entre os documentos apreendidos com um executivo da Odebrecht.
Entre as esperanças do Planalto, uma que deve ser levada em conta é a capacidade de resistência de Dilma e do PT em não entregar os pontos. Se um Collor fraco teve um processo com 3 meses de duração no Senado, por que uma presidente petista seria cassada com mais rapidez?
Já na lista dos desejos da oposição está a certeza de que a simples saída de Dilma da cadeira de presidente tende –ainda que de maneira temporária– a dar um oxigênio que no momento está faltando para a administração pública federal. Essa melhoria do clima geral seria suficiente para aplacar a hiperestesia vista hoje nos movimentos sociais.
A ver.