Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Netflix

Governo Dilma gasta R$ 10 milhões para criar “Netflix brasileiro” estatal
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Fernando Rodrigues

Serviço de streaming estreia este ano com 30 mil títulos

Acervo terá filmes de domínio público e da Cinemateca

Beneficiários do Bolsa Família ganharão receptor de graça

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Selton Mello em cena do filme “Árido Movie”

A SAV (Secretaria do Audiovisual), órgão vinculado ao Ministério da Cultura, gastará R$ 10 milhões na criação de um”Netflix brasileiro”. O serviço estatal ainda consumirá valores maiores para manutenção e ampliação do projeto no futuro.

O Netflix é um serviço comercial que oferece acesso, via streaming, a filmes e séries de TV. A empresa foi criada nos EUA em 1997 e tem mais de 75 milhões de assinantes no mundo.

Cerca de 30 mil produções da Cinemateca Brasileira, conteúdos da rede pública de televisão, títulos de baixo orçamento e de editais, como o DOCTV América Latina, serão colocados à disposição do público.

O projeto também determina  o intercâmbio de conteúdos de nações da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

As informações são do repórter do UOL, Luiz Felipe Barbiéri.

A plataforma usará soluções híbridas na difusão de conteúdos, como transmissões móveis por meio de sinal UHF, redes P2P e CDN.

Ou seja, não será necessário ter acesso à internet para assistir filmes do “Netflix brasileiro”. Com receptores dedicados para TVs será possível receber o sinal via UHF.

“A ideia é criar uma plataforma pública de vídeo por demanda para devolver esse acervo da memória brasileira para o cidadão, para as escolas e para a rede pública de televisão”, afirma Paulo Roberto Ribeiro, secretário do Audiovisual.

MANUAL
O usuário do serviço fará o cadastro e receberá um login. A 1ª fase do projeto será gratuita, mas a SAV não descarta cobrar pelo acesso a determinados tipos de conteúdo. Os casos serão discutidos de forma individual, informa Ribeiro.

Por enquanto, a plataforma não tem um nome oficial. É chamada de VOD Brasil (Video on Demand) pelos idealizadores. Mas dentro do próprio governo o Blog ouviu várias vezes a designação “Netflix brasileiro”.

O grupo de trabalho está analisando outros modelos de distribuição de conteúdos já existentes no Brasil (Instituto Alana) e também casos argentinos, franceses e canadenses.

BOLSA FAMÍLIA & TV
O governo distribuirá 12 milhões de receptores a famílias inscritas no Bolsa Família e no Cadastro Único Para Programas Sociais.

Os aparelhos receberão sinal digital e terão tecnologia para captar conteúdos do “Netflix brasileiro” (VOD Brasil) via radiodifusão.

A ideia é garantir programação televisiva a pessoas de baixa renda após o desligamento do sinal analógico em todo o Brasil.

Também será um canal direto do governo federal com um universo de pessoas. As 12 milhões de famílias cadastradas no Bolsa Família equivalem a cerca de 40 milhões de brasileiros.

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4ª temporada de House of Cards estreia em 4.mar.2016
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Fernando Rodrigues

Frank Underwood já está em campanha para a Casa Branca

Assista aqui à “propaganda eleitoral” divulgada pela Netflix

Personagem da série tem sido comparada a Eduardo Cunha

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Frank Underwood (Kevin Spacey) em campanha eleitoral para 2016

A Netflix anunciou que a 4ª temporada da série “House of Cards” estreia em 4 de março de 2016, uma sexta-feira. Serão 13 novos episódios, colocados à disposição do público todos de uma só vez.

Tudo indica que nessa época pode estar em tramitação no Congresso, aqui no Brasil, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

“House of Cards” conta a história de Frank Underwood (interpretado por Kevin Spacey). Ele é um político inescrupuloso que faz o que pode para chegar ao poder.

Underwood foi algumas vezes no Brasil comparado ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em “House of Cards”, entretanto, a personagem de Kevin Spacey ascendeu na carreira sendo vice-presidente e conspirando para derrubar o titular e assim comandar a Casa Branca.

Até agora, foram poucas as comparações entre Frank Underwood e Michel Temer, vice-presidente brasileiro.

Eis o “teaser” da 4ª temporada, na forma de um comercial de campanha no qual Frank Underwood aparece dizendo: “Eu estou apenas começando”. Vale ver. Só 30 segundos:

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House of Cards massacra o jornalismo
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Fernando Rodrigues

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Na segunda temporada, série da Netflix expõe as fragilidades da mídia

Repórteres e analistas são pouco informados sobre o que se passa na política

ATENÇÃO: “SPOILERS” NESTE TEXTO!

LEIA SÓ ATÉ A METADE, NA PRÓXIMA MARCAÇÃO VERMELHA

A Netflix coloca no ar nesta sexta-feira (14.fev.2014) a segunda temporada de “House of Cards”, possivelmente a série de TV que mais bem retratou até hoje a crueza da vida política de uma grande capital, no caso, Washington, D.C.

De quebra, uma revolução midiática: “House of Cards” foi o primeiro produto de grande qualidade, consumindo milhões de dólares e elenco estelar, feito apenas para ser transmitido via streaming, com todos os episódios da temporada sendo liberados num mesmo dia no planeta inteiro.

O Blog assistiu sob embargo os 4 primeiros dos 13 episódios. Nesta segunda temporada, um subtema ganha destaque de forma cruel: como os jornais e os jornalistas são desinformados sobre política. Ou como é desigual a relação entre fonte (os políticos) e a mídia (os repórteres), estes últimos sempre subjugados e em posição inferior. Pior ainda: como alguns jornalistas se consideram poderosos e no fundo aparecem de forma patética em “House of Cards”, completamente sem saber o que se passa de fato.

“House of Cards” é protagonizada por Kevin Spacey (de “Beleza Americana” e há muitos anos em Londres encenando Shakespeare). Na série da Netflix, ele é o deputado federal Frank Underwood, um democrata da Carolina do Sul. Implacável nos métodos, passa sobre a cabeça de quem for necessário para conseguir seu objetivo –mais poder.

Como explica Underwood em um de seus monólogos olhando para a câmera, ele despreza as pessoas que se interessam muito e apenas por dinheiro. Dinheiro acaba. O poder, não. Poder é para sempre, afirma o deputado.

Na primeira temporada, Underwood destruiu a reputação de um colega que era autoridade na área da educação, manobrou para indicar a Secretária de Estado (equivalente a ministro das Relações Exteriores no Brasil, mas com muito mais poder) e terminou 2013 pronto para ser nomeado vice-presidente da República.

Nos EUA, quando o cargo fica vago, o presidente indica alguém e o Senado ratifica. Daí a frase pronunciada (presente no trailer desta segunda temporada) por Underwood ao tomar posse. Incorporando o seu “Ricardo 3º mode”, ele olha para a câmera diz, cínico: “A um passo da Vice-Presidência e nenhum voto recebido em meu nome… A democracia é tão superestimada”.

Eis o trailer:

No meio de todas as suas manobras na primeira temporada, Underwood ainda encontrou tempo para matar –isso mesmo, matar– o deputado Peter Russo que atrapalhava o seu caminho. Agora, haverá pelo menos mais uma morte.

A segunda temporada é soturna. Tem cenas mais escuras do que a primeira. Essa é a impressão depois de assistir aos 4 primeiros episódios, todos lúgubres e aflitivos. Underwood está lá. Também está sua mulher, a inefável Claire (a excelente atriz Robin Wright). E todas as maquinações dentro do Congresso e da Casa Branca para favorecer um grande milionário na área de energia, tentar emplacar o novo líder da maioria e aprovar um plano de reforma previdenciária reduzindo a idade mínima de aposentadoria.

Esses temas remetem também à política praticada em várias democracias representativas ocidentais que copiam o modelo dos EUA –ou tentam copiar, como o Brasil.

Mas o que me chamou a atenção foram as relações fonte-jornalista. Já na primeira temporada, o deputado Frank Underwood escolhe uma repórter iniciante no principal jornal da capital dos EUA para ser o seu canal privilegiado de vazamentos. Trata-se de Zoe Barnes, interpretada por Kate Mara.

Nos episódios de 2013, Zoe Barnes já demonstra algumas fraquezas éticas. Vai para a cama e faz sexo com o deputado. Permite a ele, numa prova de que é uma repórter confiável, fotografá-la nua depois de terem transado. Essas imagens reaparecem agora nos episódios de 2014, de maneira assustadora.

RACHEL MADDOW
No início do segundo episódio desta segunda temporada, Frank Underwood toma posse como vice-presidente dos EUA. Enquanto se prepara para cerimônia dando um nó na gravata, uma TV está sintonizada na comentarista Rachel Maddow , da MSNBC, o canal a cabo mais identificado com os democratas. Ela tem mais de 2.8 milhões de seguidores no Twitter.

Maddow aparece como ela própria. Dá ainda mais verossimilhança à série. Em 2013 outros jornalistas e analistas políticos também apareceram representando a si mesmos –Soledad O’Brien (da CNN), Bill Maher (HBO) e George Stephanopoulos (ABC), entre outros.

Desta vez a aparição de Maddow é constrangedora. Ao assistir fiquei me perguntando: por que uma jornalista de prestígio como ela aceitaria ser mostrada nessas condições, quase como uma tonta?

Frank Underwood manobrou o presidente da República para virar vice-presidente. Conseguiu escolher a dedo uma deputada novata para ficar no lugar que fora dele como líder da maioria na Câmara. Tem nas mãos também um magnata amigo da Casa Branca. Enfim, trata-se de alguém que manda em Washington.

Não obstante, Rachel Maddow analisa a nomeação da seguinte forma: “… Não é a escolha mais inspiradora para vice-presidente, certo? Quer dizer… Um respeitado operador, pragmático… Mas vamos admitir, provavelmente […] só um esquentador de cadeira até 2016”.

A análise é obtusa. Errada. Maddow representando a si própria demonstra que não conhece talvez o poder do político mais influente na administração federal. Não faz menção à guerra de bastidores vencida pelo novo vice-presidente. Enfim, para quem assiste a “House of Cards”, a comentarista da MSNBC surge cometendo o pior pecado de um jornalista: ser desinformado.

Por outro lado, é até louvável que Maddow tenha participado como ela própria no seriado, de forma magnânima, mostrando uma vulnerabilidade desalentadora da mídia. Não deixa de ser um alerta para quando assistimos aos “talking heads” politólogos na TV todas as noites. Nos EUA o mesmo aqui no Brasil.

Mas o problema maior da relação entre fonte e jornalista está entre Frank Underwood e Zoe Barnes.

ATENÇÃO, MAIS SPOILERS! MUITOS
Se você não quer saber o que se passa, PARE AQUI! Fuja das redes sociais e nunca nem pense em digitar “House of Cards” num buscador. Assista antes aos episódios da segunda temporada.

Quando a série terminou em 2013, Zoe Barnes estava perto de descobrir se Frank Underwood matou uma pessoa –o deputado federal Peter Russo que estava atrapalhando a vida do protagonista da série.

No início desta segunda temporada, Zoe avança um pouco na apuração com a ajuda de seu novo namorado, o repórter Lucas Goodwin, um editor do jornal “The Washington Herald” (uma referência direta ao “Washington Post”), e da amiga também repórter Janine Skorsky.

A esta altura, tanto Zoe quanto Janine já saíram do “Washington Herald” e trabalham para o site online de notícias “Slugline” –outra referência aos tempos difíceis enfrentados pela mídia.

Zoe se aproveita do namorado, que tem muitas fontes entre policiais de Washington e pode checar as circunstâncias em que o deputado assassinado por Underwood foi apresentado como suicida.

Fica sempre a impressão de que entre Zoe e Lucas a relação é assimétrica. Ele parece nutrir algum sentimento. Ela, interesse.

A direção de “House of Cards” é especialmente severa na composição da personagem Zoe Barnes. Em 2013, a jornalista foi para a cama com Underwood. Agora, logo no primeiro episódio, aparece nua e de bruços sobre a cama enquanto espera seu namorado chegar ao orgasmo. Com cara de tédio, a jornalista vira o rosto para trás e pergunta: “Are you finished…? I am good” (Você acabou…? Eu estou bem”).

Se alguém pensou na relação e no diálogo de uma prostituta com seu cliente, acertou. Essa é a ideia que fica, de maneira quase grosseira (“termine logo”). O grave aqui é que se trata de uma jornalista e sua fonte-namorado. E mais: a repórter que está investigando o político mais poderoso naquele momento em Washington. Eis aí como aparece a mídia em “House of Cards”.

Em completo anticlímax, Lucas para de transar. Esparrama-se ao lado de Zoe na cama. Ela caminha nua até o box para tomar um banho. Ouve Lucas dizer que não está certo ouvir dela “finished” e “shut down” nessas ocasiões. A repórter se volta e olha para o namorado. E ele: “Aqui está seguro, Zoe. Eu não sou ele” –numa referência direta a Frank Underwood.

Nos dias seguintes Zoe tenta obter mais pistas sobre o deputado que suspeita ter sido assassinado. Mas quem mais dá dicas a ela é Lucas, que descobre que o político morto foi encontrado no banco do carona do carro, e não na posição do motorista –a morte foi por asfixia e inalação de gases do escapamento do carro. Lucas e Zoe não sabem, pois isso não consta do relatório da polícia, mas Underwood se aproveitou que o colega congressista estava bêbado e o deixou desacordado na garagem fechada, com o motor do carro ligado e a porta fechada.

Underwood pede um encontro com Zoe. A repórter discute essa possibilidade com o namorado e com a amiga jornalista, que se mostram reticentes. “Eu só vou falar com ele. Não vou foder com ele”, responde Zoe.

O encontro se realiza num dos diversos parques de Washington, Rock Creek Park. Enquanto isso, Lucas já havia conseguido o relatório da polícia sobre o caso do “suicídio” e envia dados por SMS para Zoe –a história do banco do carona.

Quando Underwood e Zoe estão frente a frente há um forte componente autoritário por parte do político. É a autoridade versus alguém visivelmente mais frágil. “Onde está seu celular?”, é a primeira pergunta do deputado.

E Zoe: “Está aqui. Não está gravando”.

São duas pessoas que já tiveram sexo e compartilham segredos de Estado, mas ainda têm de começar uma conversa com a desconfiança a respeito de o diálogo estar ou não sendo gravado.

Quem manda ali é Underwood, o político. Não Zoe, a repórter.

Zoe começa a fazer perguntas sobre o deputado que havia cometido “suicídio”. Sugere que Underwood saiba mais do que admite.

Frank se levanta…

“Você vai me culpar se eu achar difícil confiar em você agora?”, pergunta a repórter. Sem mexer um músculo da face, o político dá o bote: “Confie em mim ou não, eu estou para ser confirmado como vice-presidente e a nossa relação vai se estender para o Salão Oval agora”.

É a fonte poderosa tentando engambelar a repórter. Na prática, propõe um negócio: dê imunidade para mim e eu dou a você acesso ao poder.

A repórter fica em silêncio. Demonstra estar tentada a aceitar.

Underwood insiste:

“Não saia da luz do sol agora sem razão… Vamos começar um novo capítulo a partir do zero… Pense a respeito [com o indicador toca no queixo de Zoe e levanta seu rosto]… A gente se vê”.

Mas Zoe continua em dúvida. Revela uma certa ingenuidade ao querer novamente falar com Underwood sobre o mesmo assunto. Parece em busca de argumentos para mentalmente aliviar-se e desincumbir-se de culpa por não conseguir apurar a história integralmente.

Zoe e Underwood se encontram na estação de metrô Cathedral Heights. A repórter admite que ultrapassou limites éticos e físicos com ele. Mas quer saber detalhes da operação da qual ela julga ter participado de maneira talvez inadvertida.

Ríspido, Underwood quer saber qual operação. “Do assassinato de alguém”, responde Zoe.

“Jesus”, exclama Underwood, irritado. E sai andando.

Eles estavam quase de costas um para o outro, em torno de um tapume que havia sobre a plataforma da estação de metrô, parcialmente em reforma.

Zoe se volta para a direção na qual o deputado se dirigia. “Eu quero acreditar em você”.

Eles estão em um ponto cego no qual câmeras do Metrô nada gravam. Underwood se vira rapidamente. Agarra Zoe pelos ombros com as duas mãos. Arremessa a repórter com violência para o fosso da plataforma um segundo antes de um trem passar.

Zoe morre. Underwood sai do local vestindo sobretudo e chapéu. Anda normalmente.

Ao chegar em casa, é recebido pela mulher, Claire. A sala está escura. Há um pequeno bolo à mesa e uma vela acesa. É aniversário de Underwood. Ele se senta, coloca o dedo sobre a vela e a apaga. Não há diálogo.

Esse roteiro é um pouco além do que a realidade pode nos propiciar? Pode ser. Políticos bandidos já não matam inimigos nem mesmo repórteres com suas próprias mãos. Eles têm quem faça para eles o trabalho sujo.

Mas “House of Cards” é uma metáfora. Uma alegoria do poder se sobrepondo à mídia, incapaz de fazer investigações. É um espetáculo que merece ser assistido.

Num dado momento, Frank Underwood vai comer suas costelas de porco favoritas num boteco de Washington. A carne está melhor do que o de costume. O atendente explica que tem comprado o produto de um novo açougueiro. O animal é morto com sangria de forma bem lenta. É cruel e possivelmente ilegal, diz. Mas a carne fica mais suculenta.

É como diz Underwood: “Para aqueles de nós escalando até o topo da cadeia alimentar, não pode haver misericórdia. Só há uma regra. Cace, ou seja caçado”.

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A política e todos os seus vícios na TV
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Fernando Rodrigues

“House of Cards” é um grande seriado e mostra o pior dos políticos

Produção da Netflix descreve com precisão as traições e a falta de caráter no Congresso

Há um aspecto sombrio no formato do novo seriado televisivo “House of Cards”, já muito bem mencionado por Mauricio Stycer em sua coluna na Folha de domingo (10.fev.2013). A Netflix elevou ao paroxismo a fórmula de dar ao telespectador o que ele deseja assistir.

Mas há também o seriado “House of Cards” propriamente. Trata-se de uma representação fina e muito próxima da realidade vista nos bastidores de dezenas de Congressos pelo mundo afora. No caso, trata-se do Congresso dos Estados Unidos com toda a sua perfídia, traições, mau-caratismo e um interesse desmedido pelo poder.

Aqui, o trailer oficial:  http://www.youtube.com/watch?v=ULwUzF1q5w4

Num dos episódios, a personagem principal (um deputado que é o líder do Partido Democrata) conversa com um lobista. Em seguida, sozinho, afirma desprezar as pessoas que se interessam muito e apenas por dinheiro. Dinheiro acaba, diz ele. O poder, não. Poder é para sempre.

A definição vale para políticos em várias partes do mundo, embora no Brasil muitos pareçam ter uma predileção pelo binômio poder & dinheiro, não necessariamente nessa ordem.

Talvez por estar vivendo em Brasília por dever do ofício já há muito tempo, considerei “House of Cards” muito feliz ao representar manobras e conchavos políticos dos mais diversos. O deputado democrata que é a personagem principal manipula seus aliados, mente de forma descarada e influi no noticiário com muita habilidade. Já vi esse filme dezenas de vezes.

Logo no início, o deputado protagonista é desconsiderado para um cargo de ministro. Estava tudo acertado com o presidente da República que acabara de ser eleito. Mas o acordo foi rompido. O deputado engole a seco a desfeita. Finge estar calmo e diz, dentro da Casa Branca, que continuará a ajudar o governo mesmo assim –para em seguida começar a tramar o oposto nos bastidores. Destrói a reputação do colega que foi indicado em seu lugar.

O engenho e arte das manobras está em fazer as vítimas não perceberem o que se passa. Mais: acharem que o algoz é, na realidade, um aliado.

(Alguém pensou em PMDB ou quejandos? Acertou. Mas seria injustiça creditar apenas ao PMDB tais atitudes. Esse comportamento está disseminado em todas as legendas, PT e PSDB inclusos).

A relação entre fonte e repórter também é explorada à perfeição em “House of Cards”. O deputado protagonista escolhe uma repórter jovem do jornal mais influente da capital norte-americana. A moça deseja dar furos e prosperar na profissão.

O deputado oferece no primeiro contato uma informação valiosa. Havia de fato relevância jornalística no que estava sendo vazado. Até aí, tudo bem. Mas depois, a coisa muda de figura. A repórter fica refém da fonte: se não publicar o que receber, pode nunca mais ter acesso a novos furos.

O segundo dado vazado pelo deputado é um fiapo irrelevante do ponto da vista da informação: era só a cópia de um jornalzinho de faculdade, impresso há 35 anos e no qual o então editor era o atual ministro que agora está prestes a ter a reputação destruída. Na publicação há um editorial, sem assinatura, cheio de opiniões polêmicas sobre as relações entre EUA e Israel.

Esperta, a repórter olha, lê e logo conclui: “Mas não há como dizer que esse editorial foi de fato escrito por ele”. O deputado retruca: “Não interessa. Há uma pergunta a ser respondida”. Qual? “Ele aprovou a publicação do que está no artigo?”.

Ou seja, coloque no jornal e lance uma dúvida sobre o que pensa esse ministro e o que ele dizia na época em que era estudante.

Ao “vender” o seu novo furo para seu editor, a repórter usa exatamente o mesmo argumento proposto por sua fonte, o deputado. Repete as mesmas palavras. A reputação do ministro é destruída em dias.

Os encontros da repórter com a fonte podem parecer inverossímeis para algumas pessoas que olham de fora. Os dois se avistam em um museu e no banco de uma estação de metrô, entre outros locais. Por que um deputado líder da maioria iria se expor dessa forma? Posso responder a essa pergunta com tranquilidade: quem está no poder às vezes arrisca-se mais do que o necessário. Em Brasília, já participei de reuniões em circunstâncias muito mais improváveis do que essas.

“House of Cards” é codirigida por David Fincher (“A Rede Social” e “Clube da Luta”). O ator principal é Kevin Spacey (de “Beleza Americana”). O texto é baseado numa série dos anos 1990 produzida pela BBC. Para ganhar em verossimilhança jornalistas e analistas políticos verdadeiros, que atuam em Washington, foram contratados para fazer pontas como si próprios –entre outros, Donna Brazile, Candy Crowley, John King, Dennis Miller e Soledad O’Brien (da CNN), Bill Maher (HBO) e George Stephanopoulos (ABC).

A Netflix gastou US$ 100 milhões com “House of Cards”. Inovou ao lançar os 13 episódios da primeira temporada de uma só vez, no dia 1º de fevereiro. Isso mesmo: é possível assistir a tudo de uma vez.

O 1º capítulo tem 56 minutos. Quem aprecia, estuda ou acompanha política não consegue tirar os olhos da tela da TV por um segundo. Tudo o que se sabe sobre os bastidores do Congresso está ali, escancarado.

Só é possível assistir a “House of Cards” sendo assinante do Netflix. Não sei se o seriado será um sucesso. Para mim, vale cada centavo.

 

Post Scriptum: a Netflix poderia ser mais cuidadosa com as legendas em português de “House of Cards”. O termo “majority whip” é traduzido como “corregedor”, um erro crasso.
Nos Congresso dos EUA,  a função de líder da bancada majoritária se divide em duas: o “leader” (o líder propriamente) que tem o poder de decidir o que vai ser votado e toma as decisões mais estratégicas e políticas, e o “whip” (o açoitador), uma espécie de líder do plenário, que vai se responsabilizar pelo foco da bancada, para que todos os seus integrantes votem como deseja a direção partidária e/ou o governo.
É difícil traduzir “majority whip” para o português. Não existe cargo equivalente no Congresso brasileiro, onde há o líder e os vice-líderes –e todos trabalham para “açoitar” os deputados quando há uma votação. A melhor forma de traduzir, portanto, seria “vice-líder da maioria”, ainda que a expressão possa conferir menos importância que de fato tem o cargo de “majortity whip”.
Não se perderia nada se “majority whip” fosse simplesmente traduzido como “líder da maioria”.
Uma coisa é certa: “majority whip” não é o corregedor.

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