Bahamas Leaks expõe brasileiros com offshore em paraíso fiscal no Caribe
Fernando Rodrigues
Filho de Joseph Safra é ligado a 4 empresas no paraíso fiscal
Executivos de várias empresas mantêm offshores nas Bahamas
Estão lá dirigentes do Banco Original, Santander, BTG Pactual e Gávea
Também na lista: Grendene, Icatu, Globo, Grupo Ultra e JHSF
Presidente do Partido Novo, João Dionísio, criou empresa em 2015
Grandes empresários, um dos fundadores do Partido Novo e um ex-presidente do BNDES estão entre os brasileiros donos de empresas offshore nas Bahamas, pequena ilha no Caribe conhecida por ser um paraíso fiscal.
As informações têm como base uma nova investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês). A organização tornou público um banco de dados com 175 mil registros de empresas nas Bahamas.
Entre as centenas de pessoas físicas ou jurídicas do Brasil que aparecem com offshores registradas no país caribenho, o Blog fez uma varredura para checar nomes sobre os quais há interesse público ou relevância jornalística –pela exposição que têm ou tiveram na sociedade. Estão nessa categoria políticos e agentes públicos, grandes empresários, executivos de grandes empresas e dirigentes de estatais e partidos políticos. Leia ao final deste post as listas de nomes que foram checadas pelo Blog.
Nesse processo de cruzar nomes com o banco de dados de offshores nas Bahamas, já foram descobertos e divulgados pelo Blog pelo menos 7 investigados na Lava Jato.
Ter uma offshore não é ilegal. O ICIJ inclusive faz essa ressalva a todos que pesquisam nomes de pessoas e de empresas: “Há uso legítimo de companhias offshores e trusts”. A organização não tem “intenção de sugerir ou inferir que pessoas, empresas ou qualquer entidade infringiram a lei”.
A afirmação vale para o Brasil. Um brasileiro pode ter uma offshore legalmente desde que a declare em seu Imposto de Renda. Caso tenha havido remessa de dinheiro ao exterior, quantias acima de US$ 100 mil devem ser informadas ao Banco Central.
Se é legal ter uma offshore, por que deve ser divulgada essa informação? A interpretação do ICIJ e do Blog é a de que no século 21 qualquer pessoa que abra uma empresa em seu país fica exposta. No Brasil, é fácil ter acesso à lista de pessoas jurídicas registradas em Juntas Comerciais. Há interesse jornalístico nessas informações. Os cidadãos têm o direito de saber quais são as empresas em funcionamento numa determinada sociedade. Por essa lógica, não faz sentido que apenas uma elite possa manter seus negócios longe do escrutínio do público apenas porque tem acesso a bons advogados e pode ir ao Caribe montar uma offshore que fica quase secreta.
Os dados tornados públicos pelo ICIJ na investigação chamada Bahamas Leaks dão acesso a um vasto acervo de informações de empresas registradas nas Bahamas. Podem ser consultados o nome da offshore, sua data de criação, o endereço físico do empreendimento e, em alguns casos, os nomes dos diretores da empresa.
A consulta a essas informações já era possível de maneira presencial em Nassau, capital das Bahamas. Há também um registro online, que poderia ser usado para esse fim. Mas, em geral, trata-se de um arquivo quase sempre incompleto. Além disso, há um custo: US$ 10 para cada empresa consultada.
Agora, o acesso a todos os dados é gratuito e sem necessidade de registro, por meio do banco de dados Offshore Leaks, do ICIJ, que reúne dados de várias investigações jornalísticas do consórcio.
Conheça alguns casos de brasileiros identificados pelo Blog com offshores registradas nas Bahamas (em ordem alfabética):
Accenture: Guilherme Horn
O nome do executivo financeiro da empresa de consultoria de gestão Accenture aparece relacionado à offshore GH Holdings Limited. O Blog entrou em contato com sua assessoria por meio de e-mail na 5ª feira (22.set), certificou-se de que a mensagem foi recebida, mas não obteve resposta.
Arcom: Dilson Pereira da Silva e Eliane Pereira da Silva Santana
Sócios da empresa do ramo atacadista sediada em Uberlândia (MG), Dilson Pereira da Silva e Eliane Pereira da Silva Santana estão ligados a duas offshores: DM Invest Ltd. e Indianapolis Enterprises Ltd., respectivamente. O Blog entrou em contato com a empresa por telefone na 5ª feira (22.set) e uma secretária pediu que um e-mail fosse encaminhado. A mensagem foi enviada na própria 5ª, mas não houve resposta.
Banco Original: Emerson Loureiro
Superintendente de tesouraria e ex-presidente do Banco Original, Emerson Fernandes Loureiro é diretor da offshore Saturn Ventures Limited. A empresa nas Bahamas está declarada à Receita Federal, segundo comprova documento enviado ao Blog.
Banco Safra: Jacob Joseph Safra
Filho do banqueiro Joseph Safra, o atual diretor do grupo é citado também como diretor das offshores Strategic Investments Fund I, Strategic Investments Fund II, Strategic Investments Fund III e Strategic Investments Fund IV. Ao Blog, a assessoria informou apenas que as empresas estavam declaradas, mas não que a pessoa citada seria filho de Joseph Safra. Nesta 4ª feira (28.set.2016), a assessoria ligou para dar essa informação adicional.
Banco Santander: Roberto de Oliveira Campos Neto
O executivo do banco é diretor da offshore Peacock Asset Ltd, aberta em fevereiro de 2010. De acordo com Campos, a empresa foi criada para realizar investimentos, sem vínculo com o Santander, e está declarada ao Fisco.
BTG Pactual: Guilherme da Costa Paes e Sérgio Cutolo Santos
Ex-ministro da Previdência e ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Sérgio Cutolo dos Santos é sócio do BTG Pactual e diretor da offshore SCS Securities Limited. Outro sócio do banco, Guilherme da Costa Paes, também figura como diretor de offshore nas Bahamas, a GCP Securities Limited. A assessoria do banco diz que as empresas são declaradas à Receita Federal. Em 22 de setembro, o Blog já havia revelado que André Esteves, também do BTG Pactual e investigado na Lava Jato, aparece nos Bahamas Leaks relacionado às offshores Latin Holdings Investment Corporatione ASE Securities Limited. As duas empresas são declaradas à Receita Federal, segundo sua assessoria.
Gávea Investimentos: Luiz Henrique Fraga
O economista Luiz Henrique Fraga aparece como diretor da offshore Cypress Point Asset Management Inc. Fraga é sócio-fundador da Gávea Investimentos ao lado do primo Armínio Fraga. A gestora carioca administra aproximadamente R$ 15,5 bilhões. O Blog falou com Luiz Henrique Fraga por telefone e enviou um e-mail na 5ª feira (22.set.2016). Nesta 4ª feira (28.set.2016), Fraga respondeu que a offshore está declarada à Receita Federal.
Grendene: Pedro e Alexandre Grendene Bartelle
Os irmãos, fundadores da empresa de calçados Grendene, estão relacionados à Emerald Ridge Investments Limited. Pedro Grendene afirma (leia a nota) que a offshore “é uma subsidiária [de] integral propriedade de EPC Investment”. A EPC está declarada ao Imposto de Renda, conforme documento apresentado ao Blog.
Grupo Icatu
Os nomes de diretores e conselheiros do Grupo Icatu, do ramo de seguros, estão associados à offshore Nalbra Fund Inc. São eles: Antonio Carlos Dantas Mattos, Luis Patricio Miranda de Avillez, Pedro Luiz Bodin de Moraes, Alarico Silveira Neto, Luciano Soares e Ricardo Coelho Taboaco. A assessoria do Grupo Icatu respondeu que a offshore está declarada à Receita Federal e se “enquadrada nas normas legais, com balanços auditados”.
Grupo Globo: José Roberto Marinho e Paulo Daudt Marinho
Vice-presidente do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho, o empresário José Roberto Marinho está relacionado à offshore New World Real Estate Services Limited.
O executivo do Grupo Globo Paulo Daudt Marinho consta como diretor da offshore Canary Global Ltd. Paulo Marinho é filho de José Roberto Marinho.
Nos 2 casos, a assessoria da família Marinho disse que as empresas foram declaradas à Receita Federal.
Grupo Ultra-Ultrapar: Pedro Igel de Barros Salles
O empresário Pedro Igel de Barros Salles é neto de Ernesto Igel, fundador da 1ª distribuidora de gás de cozinha no Brasil. Nas Bahamas, tem uma offshore chamada Lincoln Hill Holdings Limited. Ao Blog, Pedro Salles disse ter declarado a empresa à Receita Federal.
JHSF Participações: André Luis Rodrigues, Wilmar Rodrigues e Eduardo Camara
Os executivos André Luis Rodrigues, Wilmar Rodrigues e Eduardo Camara aparecem relacionados à offshore JHSF International Limited. A empresa afirma que a offshore foi comprada como parte de uma negociação informada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2016 e noticiada pela imprensa. De acordo com a assessoria da JHSF, os 3 citados não são mais administradores da offshore. Eis a íntegra da nota e documentos (conclusão da venda, comunicado ao mercado,aprovação da venda, proposta de venda e assinatura do contrato).
Lojas Leader: família Rodrigues Gouvêa
Os filhos do fundador das lojas Leader mantêm, pelo menos, 7 offshores nas Bahamas. As empresas estão em nome de 4 membros da família Rodrigues Gouvêa: Rodrigo, Robson, Emerson e Denize. Os irmãos Rodrigo e Robson afirmaram ao Blog, por telefone, que todas as offshores são legais e que foram abertas logo depois da venda da participação da família ao BTG Pactual em 2012.
Opus: Vitor Hugo Roquete
O sócio da corretora Opus aparece relacionado à offshore VH Holdings Ltd. Vitor Hugo confirma ser dono da offshore. Procurado pelo Blog, por tefelone, disse que o patrimônio consta declarado em seu Imposto de Renda.
Partido Novo: João Dionísio de Amoêdo
O presidente e fundador do Partido Novo, João Dionísio de Amoêdo, tem uma offshore em Nassau, capital das Bahamas. A Miramare Project Investment Ltd. foi aberta em 23 de novembro de 2015. Ao Blog, Amoêdo confirmou que a offshore é dele e disse ter declarado a empresa no Imposto de Renda.
RJX Capital: José Pio Borges de Castro Filho (ex-BNDES)
O empresário e ex-presidente do BNDES está listado como sócio, junto a Luiz Fernando Bodstein, da offshore RJX Capital Ltd. Os 2 mantêm uma consultoria com o mesmo nome no Brasil. Ao Blog, o ex-presidente do BNDES disse por telefone na 5ª feira (22.set) que não tem offshore e pediu para ligar mais tarde. Depois, não atendeu mais às ligações.
Vinci Partners: Gilberto Sayão (ex-Pactual)
O sócio do Vinci Partners e ex-acionista do banco Pactual Gilberto Sayão aparece na lista vinculado a duas empresas offshore: a Latin Holdings Investment Corporation e a EP Holding Ltd. Sayão foi sócio do Pactual até 2006. Por meio da assessoria, afirma que suas declarações de bens e renda sempre estiveram em conformidade com a legislação.
HOMÔNIMO
Andres Sanchez: um nome idêntico nas Bahamas
Na base de dados do ICIJ, são comuns os casos de homonímia em que os documentos não permitem comprovar a identidade por trás da offshore. Um dos exemplos nos Bahamas Leaks é o de Andres Sanchez, presidente da Private Wealth Partners Ltd. O Blog contatou o deputado federal do PT de São Paulo, que foi presidente do Corinthians. Ele afirmou não ter nenhuma relação com a empresa. O “Andres Sanchez” dos Bahamas Leaks seria, portanto, um homônimo.
OS NOMES JÁ CHECADOS PELO BLOG
Até agora, o Blog fez algumas varreduras no banco de dados do ICIJ sobre os Bahamas Leaks. Foram checadas as informações sobre os seguintes grupos de brasileiros:
- todos os condenados na Lava Jato;
- todos os ministros de Estado;
- presidente e ex-presidentes da República;
- 11 ministros do STF e os que se aposentaram nos últimos 15 anos;
- todos os ministros do TCU e os que se aposentaram nos últimos 15 anos;
- 513 deputados federais;
- 81 senadores e seus suplentes;
- diretores da Petrobras desde a fundação da estatal.
Participaram da apuração dos Bahamas Leaks os repórteres do UOL Douglas Pereira, Gabriela Caesar, Gabriel Hirabahasi, Guilherme Moraes, Luiz Felipe Barbiéri, Mateus Netzel, Pablo Marques, Rodrigo Zuquim, Tales Faria, Victor Gomes e Victor Fernandes.