Governo volta a discutir repatriação de recursos de brasileiros no exterior
Fernando Rodrigues
Ideia é criar fundo para compensar Estados com a unificação do ICMS
Outro uso seria no ajuste fiscal e para turbinar obras de infraestrutura
Estimativas indicam que US$ 100 bilhões poderiam retornar ao país
Sonegadores seriam perdoados mediante pagamento de multa
Assunto foi debatido entre senadores e Joaquim Levy nesta 5ª feira
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, recebeu nesta 5ª feira (11.jun.2015) um grupo de senadores governistas para um café da manhã e tentar encontrar formas de obter recursos para o fundo de compensação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O dinheiro seria usado para ressarcir as perdas de Estados com a unificação das alíquotas desse imposto.
A proposta de unificação das alíquotas de ICMS entre todos os Estados tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A ideia é acabar com a chamada “guerra fiscal”—quando alguns Estados concedem descontos no imposto para atrair investimentos.
Não há uma estimativa precisa sobre quanto seria necessário para compensar as perdas de Estados que aceitassem a unificação. O valor consensual gira em torno de R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões por ano.
No café da manhã de hoje, foram apresentadas várias alternativas para a geração desses recursos. Por exemplo, a criação de uma espécie de “Cide dos serviços”. A Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico já existe sobre combustíveis. Os senadores presentes ao encontro com Levy rejeitaram a proposta. Seria mais um ônus para a população e o Congresso tenderia a votar contra.
Uma das opções que teve maior aceitação foi a aprovação de uma lei para incentivar brasileiros a repatriarem dinheiro que está depositado no exterior de maneira irregular. Há vários projetos no Congresso a respeito do tema. O mais recente é o do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que é um dos integrantes da CPI do SwissLeaks –que investiga 8.667 clientes brasileiros no HSBC suíço que mantinham cerca de US$ 7 bilhões de saldo nessa instituição nos anos de 2006/07.
Na conversa de hoje do ministro da Fazenda com senadores, a cifra mencionada de recursos de brasileiros no exterior ficou na casa de US$ 100 bilhões.
“A possibilidade de criar uma ‘Cide dos Serviços’ é muito difícil. O momento não suporta isso. Já essa opção da repatriação foi discutida. O ministro Levy ficou de analisar. Tudo precisará ser muito bem construído, juridicamente e politicamente”, diz o senador Romero Juca (PMDB-RR), um dos presentes ao café da manhã de hoje.
“Se vier, terá de ser fruto de entendimento político. Não dá para o Fernandinho Beira Mar repatriar o dinheiro dele”, explica Jucá, dizendo que a proposta teria de excluir dinheiro de crime.
A ideia é fixar uma alíquota de imposto (na prática, uma multa) na faixa de 25% a 30% sobre o saldo do valor que um brasileiro tem no exterior e pretenda repatriar. O dinheiro seria internalizado com o pagamento dessa taxa e estaria legalizado. O eventual crime de evasão de divisas seria perdoado.
Segundo Romero Jucá, essa repatriação seria “um tiro rápido, de uns 180 dias”, período no qual seria possível a volta do dinheiro no exterior. Depois disso, a janela se fecharia e quem ficou de fora não poderia mais entrar.
O Blog conversou com grandes empresários a respeito do tema. Todos foram céticos a respeito da alíquota/multa de 25% a 30%. Acham que nesse patamar não valeria a pena a repatriação.
Se der certo a ideia discutida entre Fazenda e senadores, com cerca de US$ 100 bilhões retornando ao país, o governo arrecadaria US$ 30 bilhões (pouco mais de R$ 90 bilhões) de recursos num período muito curto de tempo.
Romero Jucá explica que esse dinheiro seria usado de várias formas. Pelo menos dois fundos seriam criados. Um seria para a compensação financeira dos Estados por conta da unificação das alíquotas de ICMS. O outro fundo seria para obras de infraestrutura e para melhorar as condições de investimentos produtivos no país.
Há um cardápio extenso em discussão na formatação desse projeto. Os brasileiros que repatriarem seus recursos e concordarem em investir o dinheiro em título de longo prazo do governo (mínimo de 10 anos) teriam um desconto nas alíquotas cobradas na internalização.
O maior problema será político. Há na sociedade e no Congresso uma certa aversão por esse tipo de operação, vista por muitos como um perdão para quem cometeu crimes contra os sistemas tributário (sonegação) e financeiro (evasão de divisas). No caso de evasão de divisas, trata-se de delito punido com pena de prisão de até 6 anos.
“Nós temos uma justificativa grave que é o momento econômico. Não será aberto espaço para repatriação de dinheiro de narcotráfico e outros crimes graves. Será como em países que já fizeram, como Itália e outros. Não se trata de uma jabuticaba que só nasce por aqui”, argumenta Romero Jucá.
Além de Jucá, estiveram na reunião com Joaquim Levy os senadores Eunício Oliveira (PMDB-CE), Delcídio Amaral (PT-MS), Blairo Maggi (PR-MT), Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Wellington Fagundes (PR-MT).
TEMA POLÊMICO
A repatriação de recursos de brasileiros no exterior é um tema recorrente dentro do governo. Há mais de 20 anos o assunto é debatido, mas nunca avança por causa de resistências políticas.
O argumento contrário é que se trata de medida deseducativa, pois milhões de contribuintes brasileiros que mantiveram seus recursos no país, pagando impostos, poderiam se sentir lesados.
Como se não bastasse, há uma série de escândalos de corrupção em destaque na mídia. Acusados na Operação Lava Jato estão tendo seus recursos confiscados em decorrência das ações promovidas pelo Ministério Público.
O Ministério Publico e a Receita Federal são duas instituições que quase sempre se manifestam de maneira contrária à anistia dos crimes de quem tem dinheiro não declarado em outros países.
Também é muito difícil ter segurança sobre as origens dos recursos que serão eventualmente repatriados. O caso mais benigno seria o do contribuinte que decidiu levar dinheiro para fora do país nas últimas décadas para se proteger da inflação e dos sucessivos planos econômicos.
A vantagem para o país seria a de ter muito rapidamente recursos em grande volume –a depender do grau de adesão dos brasileiros que mantêm dinheiro escondido em outros países.
O governo sabe que será espinhosa a construção de uma saída política para aprovar a lei da repatriação –por muitos considerada apenas um perdão para criminosos mediante a uma pequena multa. No momento, entretanto, é uma das únicas saídas encontradas para gerar recursos para fazer os ajustes necessários na economia.