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Arquivo : ICIJ

“Há interesse público na revelação de contas do HSBC da Suíça”
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Fernando Rodrigues

Diretora-adjunta do ICIJ, Marina Walker Guevara defende divulgação de dados de quem tem papel ativo na vida social ou política dos países

Marina Walker Guevara na sede do ICIJ, em Washington

Marina Walker Guevara na sede do ICIJ, em Washington

A diretora-adjunta do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), Marina Walker Guevara, explica os critérios usados na apuração da série de reportagens que ficou conhecida como SwissLeaks.

Participam da investigação de maneira colaborativa 163 jornalistas de 55 países e de 65 veículos de comunicação. Sem essa interação multinacional entre repórteres teria sido impossível apurar todas as dezenas de histórias que estão sendo publicadas no mundo todo.

A seguir, trechos da entrevista da diretora-adjunta do ICIJ, uma organização sem fins lucrativos, com sede em Washington, nos EUA:

UOL/Globo – O que é e quando surgiu o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês)?
Marina Walker Guevara
 – O ICIJ é uma entidade sem fins lucrativos que surgiu nos Estados Unidos em 1997 para reunir jornalistas que trabalhavam isoladamente assuntos de interesse global, como o fluxo ilícito de dinheiro. Acreditamos que esses são temas que não podem ser tratados sob uma ótica nacionalista porque têm ramificações. Então nos reunimos. De lá para cá, já fizemos reportagens de grande impacto sobre empresas de tabaco e sobre contratos fechados pelos Estados Unidos no Iraque. Agora são os paraísos fiscais.

É a vez do SwissLeaks?
O SwissLeaks é o terceiro capítulo de uma trilogia. O primeiro foi o OffshoreLeaks, que nos permitiu saber mais sobre cerca de 100 mil empresas abertas em paraísos fiscais e sobre como políticos e celebridades escondiam dinheiro nelas. O segundo capítulo foi focado nas grandes corporações multinacionais e em como muitas delas conseguiram evadir impostos –a série ficou conhecida como Luxembourg Leaks. Falamos de Pepsi, Disney e Ikea, por exemplo. Agora trabalhamos com aqueles que possibilitam isso tudo: os bancos. O SwissLeaks.

O foco então é no HSBC suíço e não em seus correntistas?
Sem dúvida. O HSBC é um dos maiores bancos do mundo e falhou em seu controle de qualidade. Deveria ter se preocupado em saber sobre seus clientes, em buscar informações sobre a origem dos valores que guardava e em não ser usado para lavar dinheiro. É um fato tão claro que essa barreira de controle falhou que, por iniciativa própria, o HSBC veio à público dizer que fez uma “limpeza” na carteira de clientes de 2006/2007 e que seu braço em Genebra abriu mão de 70% dos correntistas.

Mas as reportagens publicadas costumam trazer nomes.
O SwissLeaks já rendeu centenas de reportagens. São mais de 160 jornalistas, em 65 veículos de comunicação, espalhados por 55 países escrevendo sobre isso. Muitos revelam nomes porque isso torna a história mais local. Mas também há outra razão para publicarmos nomes. Há, de fato, interesse público em saber sobre contas no HSBC de empresários, políticos e pessoas que se envolveram em escândalos.

O que deve ser considerado como interesse público?
Informações que, apesar de serem de caráter privado, de origem bancária, disserem respeito a pessoas públicas, a cidadãos que têm um papel ativo na vida social ou política de um país. Não interessa revelar a conta secreta de pessoas comuns, que são irrelevantes e não influenciam no destino do país nem na opinião.

Por que não divulgar a lista completa de correntistas secretos do HSBC?
Divulgar a lista toda não seria fazer jornalismo. O trabalho do repórter é justamente pegar essa base de dados e aplicar sobre ela critérios de interesse público, avaliando que pessoas devem entrar em reportagens e que pessoas não precisam ser expostas. O mais importante é entender o que chamamos de esquemas sistêmicos. Nós do ICIJ estamos interessados em saber como traficantes de drogas e vendedores de diamantes usavam o banco, por exemplo.

Como avalia a atuação dos governos até agora?
Há ainda muitas dúvidas sobre a atuação deles. Por que o Reino Unido só agiu contra uma pessoa? Por que outros países se movem de forma mais lenta? É claro que há cumplicidade, mas também há a agenda política de cada lugar. Na Europa o assunto está quente porque o debate tributário está em pauta.

O que esperar dos governos?
Vamos ver se eles são oportunistas fiscais, que agem só porque há um dinheiro grande a ser recuperado, ou se estão dispostos a repensar estruturas e criar novos acordos.

Podemos confiar na base de dados que foi vazada?
Não encontramos nada que indique que foi manipulada. Nem todas as pessoas que aparecem ali foram à Suíça abrir contas. Há quem tenha sido agregado por familiares sem saber. Há quem tenha investido em fundos que reinvestiram na Suíça, e há quem tenha sido cliente de bancos comprados pelo HSBC. Encontramos muitos casos que não estavam em ordem (contas mantidas ilegalmente) e que há processos abertos em diferentes países. Para nós, isso é sinal claro de que havia mesmo muito o que questionar ali.

Participam da série sobre o SwissLeaks os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion, do UOL, e Chico Otavio, Cristina Tardáguila e Ruben Berta, do jornal “O Globo”.

SwissLeaks: no exterior, US$ 1,3 bilhão já recuperado

Leia tudo sobre o caso SwissLeaks-HSBC no Brasil

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Família Barata nega ter conta no HSBC; demais empresários não respondem
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Fernando Rodrigues

O Blog tentou insistentemente ouvir todos os sócios e diretores de empresas de ônibus no Rio citados na reportagem acima. Os contatos começaram a ser feitos há mais de duas semanas, em 12.fev.2015.

A Rio Ônibus, sindicato patronal que representa as 41 empresas de ônibus que atuam no município, informou que não se manifestaria sobre os sócios e diretores na lista do HSBC por se tratar de assunto de natureza “pessoal”. A entidade também se recusou a fornecer os contatos de assessores ou advogados dos sócios e diretores.

Informado sobre o teor da reportagem, Jacob Barata Filho enviou, por meio de sua assessoria, a seguinte nota ao Blog, em nome de todos os membros de sua família citados na listagem do HSBC: “O empresário Jacob Barata Filho nega veementemente a existência das mencionadas contas relacionadas à sua família, cujos supostos valores informados pelo repórter em seu questionamento são absurdos”. A família Barata também nega possuir contas no Banco Santos.

O Blog contatou a empresa Braso Lisboa em 13.fev.2015, na semana anterior ao Carnaval, e falou com o administrador Hélio, que não quis revelar o sobrenome. Ele se recusou a indicar contatos dos sócios citados na lista do HSBC ou indicar representantes. Na manhã desta 3ª feira (24.fev.2015), o Blog fez novo contato e a telefonista Regina informou que o administrador Hélio estava ocupado. A reportagem explicou novamente o motivo do contato e deixou um número de telefone, mas não obteve resposta.

A empresa Rodoviária A. Matias foi contatada inicialmente em 13.fev.2015. A telefonista respondeu que não havia nenhum diretor na empresa e indicou um e-mail institucional, para o qual o Blog enviou uma descrição da reportagem e solicitou resposta. Houve nova tentativa de contato na manhã desta 3ª feira (24.fev.2015). A secretária Ana Paula anotou o telefone do repórter e disse que um diretor analisaria o assunto e talvez respondesse. Até a publicação deste texto, não houve resposta por e-mail ou telefone.

A Auto Viação Jabour foi informada da reportagem em 13.fev.2015. Um funcionário do departamento jurídico da empresa, chamado Renato, respondeu que não havia ninguém no local que pudesse atender ao Blog. Ao longo desta 3ª feira (24.fev.2015), o Blog fez seguidas tentativas de contato com a Auto Viação Jabour e foi instruído pelas secretárias Gabriela e Érica a enviar um e-mail. Não houve resposta por e-mail ou telefone.

A secretária da Viação Ideal, Tatiele, pediu que o Blog enviasse o pedido por e-mail. Não houve resposta. Na Vila Real, a atendente Priscila, após consultar seu superior, orientou a reportagem a contatar a empresa Braso Lisboa, o que foi feito.

A Viação Tijuca pediu que o Blog entrasse em contato com a Rio Ônibus. Informada que o sindicato patronal não se manifestaria sobre o tema, manteve a mesma orientação.

O Blog não conseguiu localizar Francisco Ribeiro Machado, que em 2006 e 2007 era administrador da Auto Viação Bangu e da Viação Andorinha. A secretária Adriana, da Andorinha, informou que Francisco não trabalhava mais na empresa e ninguém no local teria seu contato ou de seu representante.

O Blog continua disposto a publicar os comentários e explicações dos empresários aqui citados. Isso será feito assim que chegarem as respostas.

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Entenda o caso SwissLeaks-HSBC
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Fernando Rodrigues

US$ 1,4 bilhão foi recuperado em impostos e multas por países que já investigaram

Brasil ainda não está investigando e pretende requerer os dados ao governo da Suíça

SwissLeaks-logo

A seguir, as respostas para as perguntas mais frequentes a respeito da série internacional de reportagens SwissLeaks.

Este post é um complemento ao que já foi publicado aqui neste Blog em 12.fev.2015 (Entenda como é a apuração do SwissLeaks e a política editorial sobre o caso).

O que é o caso SwissLeaks?
Trata-se de uma apuração jornalística multinacional coordenada pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) em parceria com o jornal francês “Le Monde”.

O nome (“SwissLeaks”) pode ser traduzido para o português como “vazamentos suíços”. É uma referência ao maior vazamento de dados bancários suíços da história, ocorrido na agência de “private bank” do HSBC em Genebra.

O vazamento se deu em 2008, mas até hoje (2015) a imensa maioria dos dados era mantida em segredo.

 

Qual o volume de dados vazados e o total de dinheiro envolvido?
Segundo análise do ICIJ, o SwissLeaks envolve depósitos totais de mais de US$ 100 bilhões, mantidos na agência de “private bank” do HSBC de Genebra por cerca de 106 mil clientes de 203 países. Os dados se referem aos anos de 2006 e 2007.

 

Quanto desse total se refere ao Brasil?
Os arquivos do HSBC indicam que os correntistas brasileiros tinham cerca de US$ 7 bilhões em 2006 e 2007 no banco em Genebra. Eram 6.606 contas e 8.667 clientes –muitos clientes compartilhavam contas.

O Brasil é o 9º país com o maior valor depositado no SwissLeaks e 5º em número de clientes.

SwissLeaks-countries-ranking

 

Existem de fato listas de contas que o HSBC fez para cada país?
Não, longe disso. O que há são centenas de milhares de fichas individuais de cada cliente e planilhas com informações variadas.

A equipe de jornalistas do ICIJ passou vários meses depurando os dados e montando as “listas” internas apenas para facilitar o trabalho dos repórteres em campo.

Quando uma reportagem é produzida, é necessário checar cada dado novamente nas fichas individuais dos clientes, pois é ali que estão as informações no seu formato original e sem nenhum tipo de manipulação.

Vale também registrar: se o governo brasileiro, algum dia, tiver acesso aos dados da forma como vazaram do HSBC na Suíça, será necessário algum tempo até que técnicos da Receita Federal, Banco Central e Coaf processem e organizem as informações para entender do que se trata. Os arquivos do HSBC não contém os tradicionais números de referência usados por órgãos de controle no Brasil, como CPF, RG ou número do passaporte dos correntistas.

 

Qual é a fonte dos dados e dos vazamentos?
Os documentos foram obtidos pelo ICIJ com base em um acervo de informações que foi retirado do HSBC por Hervé Falciani, um ex-funcionário do banco.

Falciani retirou os dados do HSBC e os entregou para as autoridades francesas em 2008. Por que e em que condições ele fez isso? Há várias respostas possíveis. Este perfil de Falciani produzido pelo ICIJ (em inglês) tenta encontrar algumas explicações.

As informações bancárias (valores) se referem aos anos de 2006 e 2007, embora estejam ali também registros antigos sobre as aberturas das contas.

 

O que o governo francês fez com as informações?
Os dados foram entregues ao Fisco da França, que passou a investigar todos os franceses citados –por possível crime de evasão de divisas e sonegação de impostos. O caso foi amplamente noticiado pela mídia.

Em 2010, o governo da França passou a compartilhar o acervo vazado do HSBC com outros países que demonstraram interesse.

 

Quanto dinheiro já foi recuperado pelos países?
De 2010 até 2014, cerca de US$ 1,36 bilhão foi recuperado em impostos e multas.  Na Bélgica, o governo recuperou o equivalente a US$ 490 milhões. Na Espanha, US$ 298 milhões.

O governo brasileiro nunca demonstrou interesse em ter acesso ao material, embora o assunto tenha recebido destaque na mídia internacional há anos.

Após a divulgação do SwissLeaks, órgãos do governo brasileiro passaram a dizer que tentarão obter os dados do governo da Suíça. Trata-se de um caminho errado. O governo suíço não fornece essas informações.

 

Como o ICIJ obteve acesso a todos os dados?
O jornal “Le Monde” obteve o material do Fisco francês, que estava investigando o caso.

Trata-se de um acervo muito vasto. Seria muito difícil só um jornal analisar e investigar tudo sozinho. O “Le Monde” então compartilhou as informações com o ICIJ na condição de que seria formada uma força-tarefa internacional para investigar jornalisticamente em vários países, sob vários ângulos.

O trabalho inicial, de análise de fichas individuais dos correntistas, demorou vários meses até que se pudesse chegar aos números aproximados de número de pessoas por país.

 

Como foi a operação montada pelo ICIJ?
O ICIJ montou um time de mais de 140 jornalistas em 45 países. Esse número continua a ser ampliado. Entre outros, participam da equipe repórteres do “Le Monde”, da rede de TV britânica BBC, do jornal inglês “The Guardian”, do programa televisivo norte-americano “60 Minutes” e do jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”.

No Brasil, foi escolhido o jornalista Fernando Rodrigues, integrante do ICIJ desde a década de 1990 e atualmente no portal UOL.

 

Quem são todos os jornalistas que participam da apuração?
A lista completa está no site do ICIJ.

 

Quais são as descobertas mais importantes do SwissLeaks?
São quatro:

1) O setor de “private bank” do HSBC na Suíça continuou por um período a oferecer serviços a clientes cujos nomes já eram relacionados de maneira crítica pela ONU, além de estarem em ações judiciais e mencionados em reportagens sobre tráfico de armas, contrabando de diamantes e pagamento de propina;
2) Entre os clientes atendidos pelo HSBC na Suíça estavam o ex-presidente do Egito Hosni Mubarak, o ex-presidente da Tunísia Ben Ali e o atual chefe político da Síria, Bashar al-Assad;
3) As contas bancárias do HSBC na Suíça incluem os nomes de políticos aposentados ou em atividade em países como Reino Unido, Rússia, Ucrânia, Geórgia, Quênia, Romênia, Índia, Liechtenstein, México, Líbano, Tunísia e Congo;
4) O HSBC repetidamente assegurou aos seus clientes que não iria divulgar os detalhes das contas para autoridades de nenhum país –mesmo que houvesse indícios de que o dinheiro depositado não tivesse sido declarado para as autoridades fiscais. Os funcionários do HSBC também discutiam com os clientes, em reuniões reservadas, um elenco de medidas para reduzir o pagamento de impostos em seus países de origem. Essas práticas incluíam manter as contas em nomes de empresas em paraísos fiscais.

 

Todos os correntistas do HSBC citados no caso SwissLeaks estão agindo de maneira ilegal?
Possivelmente, não. Mas não se sabe. E talvez nunca será possível ter uma resposta completa para essa pergunta. Seria necessário que todos os países analisassem, uma a uma, as contas de seus nacionais e divulgassem oficialmente o que fosse encontrado.

Em princípio, qualquer pessoa pode manter legalmente uma conta no exterior. Essa é a regra no Brasil. Basta declarar a conta no Imposto de Renda e informar ao Banco Central quando os valores forem remetidos para outro país.

No caso do HSBC, entretanto, há muitos indícios de que as contas que fazem parte do acervo do SwissLeaks são em sua maioria para esconder dinheiro e pagar menos impostos. São contas identificadas apenas por um código alfanumérico e muitas vezes relacionadas a uma empresa num paraíso fiscal.

 

No caso do Brasil, como os dados são de 2006 e de 2007, os crimes fiscais estão prescritos?
Para casos de sonegação fiscal, o prazo prescricional é de 5 anos.

Mas há o crime mais grave, de evasão de divisas. Está tipificado na lei 7.492, de 1986, que trata “dos crimes contra o sistema financeiro nacional”. Eis o que diz o artigo 22 que define o que é evasão: “Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País”. A pena para quem comete esse crime é “reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.

Esse crime de evasão de divisas só prescreve depois de 12 anos. Ou seja, hoje (fev.2015) está sujeito a algum tipo de punição quem tinha dinheiro depositado no HSBC da Suíça em 2007 e não havia feito o devido registro do envio de recursos no Banco Central do Brasil.

 

A quem compete no Brasil investigar o caso?
Três órgãos podem investigar: Receita Federal, Banco Central e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

O vazamento dos dados do HSBC da Suíça ficou conhecido já em 2008, quando as informações chegaram ao governo da França. Em 2010, as autoridades francesas passaram a compartilhar dados com as de outros países. O governo brasileiro até hoje (fev.2015) nunca tinha tomado nenhuma atitude a respeito.

 

Se as contas são apenas numeradas, como é possível saber quem são os titulares?
Aí está o ineditismo do SwissLeaks.

Já houve casos em que uma ou algumas contas numeradas na Suíça tiveram seus titulares revelados. Desta vez, os dados que vazaram trazem também o arquivo ultrassecreto que liga as contas numeradas aos seus titulares (pessoas físicas) e a eventuais empresas em paraísos fiscais.

 

Como reagiu o HSBC?
No início das investigações, o HSBC reagiu de maneira agressiva. Disse que se tratava de informação furtada (o que é verdade) e que não merecia crédito. O banco demandou ao ICIJ que destruísse todas as informações e não publicasse nenhuma reportagem baseada nesses dados.

No Brasil, essa também foi a primeira reação do banco, com uma mensagem que sugeria uma ameaça de processo se algo fosse publicado pelo UOL.

Quando verificou que o ICIJ e os veículos associados em vários países seguiriam adiante, o HSBC recuou de sua posição inicial. Passou a admitir que no passado as regras do banco não eram tão rígidas a respeito de aceitar clientes suspeitos e tolerar sonegação de impostos.

Por fim, uma vez publicadas as primeiras reportagens, em 8.fev.2015, o HSBC publicou anúncios em vários jornais britânicos no domingo 15.fev.2015, pedindo desculpas.

O HSBC é um dos maiores bancos do mundo. Sua sede é em Londres e a organização está presente em 74 países.

 

Por que o ICIJ não publica os arquivos completos do SwissLeaks?
O ICIJ publicou um resumo de como tem conduzido o caso. No texto, explica por que não publica a íntegra dos arquivos obtidos. O ICIJ afirma ser uma “organização de jornalismo investigativo”, e, sendo assim, “publica reportagens que tenham interesse público”. O caso SwissLeaks expõe “falhas sistêmicas significativas dentro de um dos maiores bancos do mundo, o HSBC”. Os arquivos mostram que “alguns clientes algumas vezes foram ajudados pelos funcionários do banco a sonegar impostos e praticar evasão de divisas de seus países”. Já “outras partes dos arquivos são de natureza privada e não têm interesse público”.

“O ICIJ não fará divulgação em massa de dados pessoais, mas vai continuar a investigar todos os dados com a ajuda de seus parceiros na mídia”.

 

Quem financia o ICIJ?
O ICIJ é uma organização não governamental sem fins de lucro. A parte principal do financiamento vem de fundações e de apoio financeiro do público em geral.

Entre os financiadores recentes do ICIJ estão os seguintes: Adessium Foundation, Open Society Foundations, The Sigrid Rausing Trust, The Ford Foundation, Pew Charitable Trusts e Waterloo Foundation. O filantropo australiano Graeme Wood também fez uma doação recente.

Se você desejar ajudar o ICIJ, basta entrar na página de doações da entidade.

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HSBC abrigou dinheiro obscuro ligado a ditadores e traficantes de armas
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Fernando Rodrigues

Equipe de jornalistas de 45 países revela contas bancárias secretas mantidas por criminosos, traficantes, sonegadores fiscais, políticos e celebridades

icij

Por Gerard Ryle, Will Fitzgibbon, Mar Cabra, Rigoberto Carvajal, Marina Walker Guevara, Martha M. Hamilton and Tom Stites

[texto integral, em inglês]

Documentos secretos revelam que o banco HSBC lucrou fazendo negócios com traficantes de armas que entregaram morteiros para soldados infantis na África, homens que levam dinheiro de ditadores do Terceiro Mundo, traficantes de diamantes e outros criminosos internacionais.

Os arquivos vazados, oriundos da filial suíça do HSBC, estão relacionados a contas com mais de U$ 100 bilhões em depósitos. Oferecem um olhar raro dentro do supersecreto sistema bancário suíço.

Os documentos, obtidos pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists) por meio do jornal francês “Le Monde”, mostram o banco tratando com clientes envolvidos em um amplo espectro de atividades ilegais, especialmente em esconder centenas de milhões de dólares de autoridades fiscais.

Os arquivos também revelam registros privados de jogadores famosos de futebol e tênis, estrelas do rock, atores de Hollywood, realeza, políticos e executivos.

As revelações iluminam a intersecção entre o crime internacional e negócios legítimos. Ampliam dramaticamente o que é conhecido sobre comportamento potencialmente ilegal ou antiético no HSBC, um dos maiores bancos do mundo.

Os registros de contas vazados mostram alguns clientes viajando a Genebra para sacar grandes quantias de dinheiro vivo. Também documentam grandes somas controladas por vendedores de diamantes conhecidos por atuar em zonas de guerra e vender pedras preciosas para financiar insurgentes que provocaram inúmeras mortes.

O HSBC, sediado em Londres e com filiais em 74 países e territórios, inicialmente insistiu que o ICIJ destruísse os arquivos. No Brasil, o banco ofereceu resposta parecida. Leia o post “Clientes do Brasil tinham US$ 7 bilhões em 5.549 contas secretas“.

No último mês, após ser informado sobre o inteiro teor das descobertas da reportagem, o HSBC deu uma resposta final mais conciliatória, afirmando: “Nós reconhecemos que a cultura de ‘compliance’ e padrões de ‘due diligence’ na filial suíça do HSBC, assim como no setor em geral, eram significativamente menores do que são hoje”.

Na nota, o banco afirma: “[O HSBC] tomou passos significativos ao longo dos últimos anos para implementar reformas e se desfazer de clientes que não cumpriam os novos e rigorosos padrões do HSBC, inclusive aqueles sobre os quais nós tínhamos preocupações relacionadas a pagamento de tributos”.

O banco acrescentou que redesenhou parte de seus negócios: “Como resultado desse reposicionamento, a filial suíça do HSBC reduziu sua base de clientes em quase 70% desde 2007”.

O modo pelo qual o setor bancário em paraísos fiscais abriga dinheiro e esconde segredos tem grande impacto para as sociedades ao redor do mundo. Pesquisadores estimam, de forma conservadora, que US$ 7,6 trilhões são mantidos em paraísos fiscais, custando aos tesouros governamentais pelo menos US$ 200 bilhões por ano.

“O setor offshore é uma grande ameaça a nossas instituições democráticas e ao nosso contrato social”, afirmou ao ICIJ o economista francês Thomas Piketty, autor de “O Capital no Século 21”. “A opacidade financeira é uma das chaves para a crescente desigualdade global. Ela permite a uma grande parcela dos maiores rendimentos e maiores fortunas a pagar taxas ínfimas, enquanto o resto de nós paga altas taxas para financiar serviços públicos indispensáveis para o desenvolvimento”.

Não é ilegal na maioria dos países manter contas bancárias em paraísos fiscais, e ser identificado como titular de uma conta no HSBC Private Bank não significa por si só nenhum malfeito.

Os documentos obtidos pelo ICIJ são baseados em arquivos originalmente vazados por um antigo funcionário do HSBC, Hervé Falciani, entregue a autoridades francesas em 2008. O “Le Monde” obteve o material das autoridades da França e o compartilhou com o ICIJ com o compromisso que fosse formado um time de jornalistas de vários países para analisar os dados por múltiplos ângulos. O ICIJ reuniu mais de 140 jornalistas de 45 países.

Os repórteres encontraram os nomes de diversas pessoas na lista de sanções dos EUA, como Selim Alguadis, um empresário turco acusado  de fornecer componentes elétricos sofisticados para o projeto nuclear da Líbia, e Gennady Timchenko, um bilionário associado ao presidente russo Vladimir Putin e alvo de sanções em resposta à anexação da Criméia.

Os dados não explicitam o exato papel de Alguadis ou Timchenko em relação às contas. O porta-voz de Timchenko disse que os motivos para as sanções eram “profundamente falsos” e que seu cliente “sempre cumpriu integralmente as obrigações fiscais”.

Consta dos arquivos Rachid Mohamed Rachid, ex-ministro de Comércio do Egito, que fugiu de Cairo em fevereiro de 2001 durante o levante contra Hosni Mubarak. Rachid, cujo nome aparece listado em uma conta com US$ 31 milhões, foi condenado à revelia por desvio de recursos públicos.

Outro nome relacionado a contas no HSBC suíço é Frantz Merceron, acusado de ser responsável por conduzir dinheiro do ex-presidente do Haiti Jean Claude “Baby Doc” Duvlaier, acusado de roubar US$ 900 milhões antes de fugir de seu país.

Também há menções a traficantes de armas nos arquivos do HSBC. O banco manteve Aziza Kulsum e sua família como clientes mesmo após ele ter sido apontado pela ONU como financiador da guerra civil no Burundi, na década de 90.

O nome de Fana Hlongwane, político e empresário da África do Sul, consta no banco de dados de clientes do banco. Ele é acusado pelo governo do Reino Unido de receber dinheiro para promover compra e venda de armas. O advogado de Hlongwane não respondeu a pedido de entrevistas.

IMPOSTOS
Os arquivos obtidos mostram que alguns clientes europeus foram aconselhados a respeito de como evitar o pagamento de taxas sobre contas bancárias, que entrou em vigor na União Europeia em 2005. A regra aplica-se apenas a indivíduos, não a empresas, e a filial suíça do HSBC aproveitou-se da brecha para vender serviços que transformavam indivíduos em corporações, com finalidades fiscais.

Os dados compartilhados por autoridades francesas embasam hoje investigações formais em diversos países. Juízes franceses estão examinando se o banco ajudou alguns clientes a evitar o pagamento de taxas em 2006 e 2007.

O HSBC afirmou ao ICIJ que está “integralmente comprometido a fornecer informações a autoridades” e “ativamente implantando medidas para assegurar que os clientes são transparentes em relação a impostos”.

A reportagem completa do ICIJ detalha os negócios de outras dezenas de correntistas citados nos arquivos do HSBC.

Contribuíram também para este artigo: Gerard Davet, Fabrice Lhomme, Elliot Blair Smith, Ryan Chittum, Charles R. Babcock, Cecile Schilis-Gallego, Matthew Caruana Galizia, Hamish Boland-Rudder, Emilia Diaz-Struck, Marcos Garcia Rey, Delphine Reuter, Karen Chang, Frederic Zalac, David Leigh and James Ball.

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Clientes do Brasil tinham US$ 7 bilhões em 5.549 contas secretas
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Fernando Rodrigues

ATENÇÃO: leia atualização dos números no final deste post.

HSBC-Brasil-resumo

O conjunto de dados secretos do HSBC contém informações sobre 5.549 contas bancárias secretas de brasileiros (pessoas físicas ou jurídicas) na Suíça. O saldo total máximo registrado para esses correntistas foi de US$ 7 bilhões. Os proprietários dessas contas não fazem comentários.

Este Blog entrou em contato com autoridades brasileiras no final do ano passado. Os dados estão sendo analisados para determinar se há ilegalidade nessas operações bancárias ou se os valores foram declarados à Receita Federal do Brasil.

Apesar de a checagem ser relativamente fácil, as autoridades brasileiras ainda não finalizaram o trabalho.

Na América Latina, nacionais de vários países estão na lista do HSBC. Segundo uma compilação do ICIJ, o saldo total máximo mantido nessas contas secretas de latino-americanos ultrapassa US$ 31 bilhões.

A filial brasileira do HSBC enviou um comunicado ao Blog, mas a resposta foi protocolar, praticamente idêntica à enviada pelo banco ao ICIJ em Washington e em vários países. A íntegra está aqui.

Atualização às 15h de 13.fev.2015: Os arquivos do HSBC constituem uma larga base de dados e estão sob análise contínua do ICIJ. O número de correntistas do Brasil foi atualizado para 8.667 clientes, titulares de 6.606 contas bancárias, com cerca de US$ 7 bilhões depositados.

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As verdadeiras “donas de casa” do HSBC
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Fernando Rodrigues

icij

Por Will Fitzgibbon e Martha M. Hamilton

Era apenas um dia na vida de uma dona de casa.

Hanne Tox, uma dinamarquesa estão com 57 anos, foi a uma agência suíça do HSBC em 2005 para tratar de sua conta.

Pareceu um pouco complicado. Um funcionário observou: “Proprietário de conta morando na Dinamarca, isto é crítico e já é uma ação criminosa ter uma conta no estrangeiro não declarada (…) problema poderia ser resolvido por (…) alternativas como criar uma companhia off-shore”.

Meses depois, Tox visitou seu banco novamente. Desta vez, Tox passou a noite em Zurique num dos hotéis mais luxuosos e históricos do mundo, o Baur au Lac, fundado em 1844. “Proprietária da conta ficou no Baur au Lac, que ela apreciou muito” anotou o banco, segundo os arquivos de sua conta.

No dia seguinte, ela fez um “saque de 100 mil coroas dinamarquesas (apenas entregamos o dinheiro)”, equivalente à época a US$ 16 mil. “Após isso a senhora H.T. voou de volta para casa”, dizem os registros do banco.

Senhora H.T., como o HSBC se referiu a Tox é identificada como uma “assistente e dona de casa” na base de dados do banco sobre a identidade de seus clientes. Para Tox, cujo marido morreu em 2003, segundo os registros, isso parece ser uma descrição fidedigna de como ela passa seus dias.

Tox não respondeu a pedidos de comentários enviados pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists).

A descrição de sua visita está nos arquivos do HSBC Private Bank na Suíça obtido pelo ICIJ e o jornal “Le Monde”. Os dados contêm nomes dos correntistas, depósitos e outras informações individuais que mostram que o banco às vezes estava disposto a acomodar clientes desagradáveis, alguns dos quais não eram donas de casa, mas criminosos condenados e traficantes de armas.

Quando está discriminada a profissão nos arquivos das contas do HSBS da Suíça, “dona de casa” aparece com frequência incrível, mais do que profissões lucrativas como médicos, advogados e vendedores de diamantes.

Isso pode ser utilizado para descrever uma mulher rica e casada, mas também se aplica em alguns casos para mulheres como empresárias pioneiras, arquitetas, jornalistas, professoras, princesas e herdeiras.

Donas de casa são citadas mais de 7.300 vezes nos arquivos do HSBC, mais do que o dobro de outras duas categorias que indicam que a pessoa não tem remuneração: “sem profissão” e “estudante” somaram menos de 4.000 registros.

PIONEIRA DA PROPAGANDA
Uma das mulheres indicadas como dona de casa pelo HSBC é a pioneira do setor publicitário Mary Wells Lawrence, hoje com 86 anos. Fundadora da empresa de publicidade Wells Rich Green em 1966, quando executivas eram escassas como são na premiada série de TV “Mad Men”. Ela se tornou uma das mulheres mais bem pagas no setor, bem como a primeira mulher a dirigir uma empresa listada na bolsa da Nova York.

Os arquivos obtidos pelo ICIJ mostram que ela era titular de 4 contas –2 delas ainda ativas em 2006. Dessas 2, uma estava em nome de uma offshore em Bahamas, Five Angels Investmente Limited, e chegou a ter um saldo máximo de U$ 138,5 milhões em 2006/2007. A outra conta, em nome de Sandia Corporation Limited, tinha U$ 1,9 milhões durante esses anos.

Lawrence não respondeu a pedidos de entrevista da ICIJ.

Enquanto muitas das donas de casa listadas pelo HSBC não são tão bem sucedidas profissionalmente como Lawrence, outras o são de forma extraordinária, que não viriam à mente quando alguém é normalmente descrito como dona de casa.

Outra cliente do HSBC indicada dessa maneira é uma princesa saudita e uma das vozes mais ativas no Oriente Médio em defesa da educação de mulheres, Lolowah al-Faisal Al Saud, que também aparece como dona de casa.

Princesa Lolowah, 67 anos, é uma entre os 9 filhos do antigo rei saudita Faisal bin Abdulaziz Al Saud com sua quarta mulher. Ela foi educada na Suíça e é vice-presidente do Conselho de Administração da Universidade Effat, a primeira universidade privada sem fins lucrativos para mulheres da Arábia Saudita. Hoje divorciada, ela viaja o mundo falando em defesa do direito das mulheres e é uma figura presente no Fórum Econômico Mundial, de Davos, onde em 2007 defendeu o direito de mulheres dirigirem veículos na Arábia Saudita.

Segundo o banco de dados do HSBC, ela era, ao lado de outros membros da família real saudita, beneficiária de uma conta em nome da Pearl Enterprises Limited, com sede nas Ilhas Cayman, e tinha U$ 1,75 milhão em 2006/2007. A princesa Lolowah não respondeu aos pedidos de entrevista do ICIJ.

Outra dona de casa fora do comum citada nos arquivos do banco é Arlette Ricci, herdeira de uma fortuna multimilionária de sua avó Nina e do pai Robert Ricci, que criaram uma das empresas de moda mais antigas da França, a Nina Ricci, fundada em 1932 e hoje controlada por um conglomerado espanhol.

Para o HSBC, Ricci, hoje com 73 anos, é dona de casa e herdeira. Em todos os outros lugares, ela é melhor conhecida como diretora de teatro. Ricci é proprietária de uma conta vinculada à empresa panamenha Parita Compania Financiera S.A., que chegou a ter um saldo máximo de U$ 22,5 milhões em 2006/2007. Ricci também é relacionada a outras 2 contas no HSBC.

A Justiça francesa já acusou Ricci de fraude fiscal, relacionada a contas suíças. Policiais a detiveram em 2011, na sua residência em Paris. Ela foi mantida sob custódia por 48 horas.

“Nós contestamos os valores e eventos relacionados nas contas do arquivo Falciani e todas as ligações com essas companhias [offshore]”, afirmou o advogado de Ricci, Jean-Marc Fedida, em 2013, a jornalistas. A investigação francesa sobre as contas de Ricci no HSBC está em andamento.

A reportagem original do ICIJ (em inglês) cita outros exemplos de donas de casa fora do comum citadas nos arquivos do HSBC. [LINK]

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Denunciante? Ladrão? Herói? A fonte dos dados que balançaram o HSBC
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Fernando Rodrigues

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A longa e estranha jornada de Hervé Falciani, de especialista em tecnologia bancária a fugitivo encarcerado e porta-voz de denunciantes

Leia o texto original do ICIJ, em inglês

Por Martha M. Hamilton

Eles quase o pegaram. Em 22.dez.2008, policiais suíços prenderam Hervé Falciani, então com 36 anos e especialista em sistemas de computador suspeito de roubar dados do HSBC Private Bank da Suíça, seu empregador, e tentar vendê-los a bancos no Líbano. A polícia apreendeu seu computador, fez buscas em sua casa em Genebra e o interrogou por horas.

Falciani

Hervé Falciani

A polícia o liberou sob a condição de que Falciani retornaria no dia seguinte para continuar o interrogatório.

E ele não retornou. Falciani alugou um carro, pegou sua mulher e filha e dirigiu direto para a França. Lá, começou a fazer o download de grandes quantidades de dados do HSBC que havia guardado em servidores remotos e estavam provocando caos para pessoas ricas de todo o mundo que utilizavam contas em paraísos fiscais para esconder dinheiro. Havia nomes de clientes e anotações das conversas do banco com eles.

O dia da fuga foi o ponto de inflexão em uma longa e estranha jornada de Falciani, que vem mudando de país para país, esquivando-se de autoridades suíças –e possivelmente de criminosos que o perseguem.

Ele se apresenta como um denunciante e atraiu grande atenção da mídia. Até tentou, sem sucesso, candidatar-se ao Parlamento Europeu. Já usou identidades falsas, vestiu disfarces e apareceu em público com guarda-costas. Foi preso e acusado. A promotoria suíça acusou Falciani de roubo de dados do HSBC, argumentando que seu objeto era “ganhar dinheiro”.

GENEBRA
Tudo começou em 2006, quando Falciani, que tem cidadania francesa e italiana, foi transferido do HSBC de Mônaco para o HSBC de Genebra. Lá, segundo conta, ele tentaria melhorar a supervisão das atividades do banco e proteção de dados dos clientes. Mas, ele diz, encontrou resistência.

Falciani diz que ajudou a criar sistemas em Mônaco “que permitiam descobrir atividades fraudulentas de alguém que era acusado de crimes” e que ele pretendia fazer o mesmo na Suíça. “Trabalhei com colegas em um grupo chamado ‘mude o banco’, mas estávamos contra outro grupo chamado ‘administre o banco’, que queria fazer as coisas sem ser monitorado”, disse em depoimento na França em junho de 2013.

Falciani afirmou ter alertado diretores do banco sobre problemas no sistema de dados. Mas uma investigação na Suíça afirma que isso não foi confirmado por ninguém do HSBC e nem por provas documentais.

Para as autoridades suíças, Falciani roubou os dados e tentou lucrar com eles, primeiro os oferecendo a bancos no Líbano e depois a autoridades de outros países.

LÍBANO
Em fevereiro de 2008, Falciani foi ao Líbano com Georgina Mikhael, com quem ele havia trabalhado no HSBC e havia o ajudado a criar uma empresa chamada Palorva. Essa firma, em seu site, dizia que poderia ajudar os bancos a atrair clientes ricos mediante pesquisa de dados.

Juntos, ele contataram diversos bancos com filiais no Líbano e teriam oferecido venda de dados, sem responder como os teriam obtido. A iniciativa deflagrou um alerta. Um dos bancos divulgou uma nota no site da Associação dos Bancos Suíços informando que alguém estava tentando vender “dados de clientes de vários bancos suíços”. A Promotoria da Suíça leu o aviso e abriu uma investigação.

Após voltarem do Líbano, Falciani e Mikhael entraram em contato por e-mail com autoridades tributárias europeias oferecendo “a lista de clientes de um dos maiores bancos de administração de fortunas”. Segundo reportou o “The Wall Street Journal”, o e-mail enviado às autoridades não pedia dinheiro.

Em 20.jan.2009, a Promotoria de Nice, respondendo a um pedido suíço, autorizou uma busca na casa do pai de Falciani, onde ele estava morando. Falciani afirmou à polícia de Nice que a busca envolvia dados “relevantes para a França” e a Promotoria decidiu não enviar o material apreendido para as autoridades suíças.

DADOS
A França começou então a trabalhar no grande volume de dados entregue por Falciani (aproximadamente 600 arquivos somando cerca de 100 gigabytes), para organizá-los de forma legível, com ajuda do próprio denunciante.

Terminada a organização dos dados, autoridade francesas começaram a compartilhar listas menores com outros países europeus, incluindo Grã-Bretanha, Itália, Espanha, Bélgica e Grécia, onde haveria clientes do HSBC que poderiam estar devendo impostos.

Em 1.jul.2012, após ter escapado de outra tentativa de prisão feita por autoridades suíças, Falciani foi detido em Barcelona e mantido preso por 5 meses e meio sob um mandado de prisão suíça. Ele foi solto em 18.dez.2012, após a Justiça espanhola concluir que ele estava colaborando com autoridades europeias em investigações fiscais e demonstrando uma atitude positiva.

PORTA-VOZ DE DENUNCIANTES
Na versão de Falciani, ele é parte James Bond, fugindo de oponentes poderosos e cooperando com agências de inteligência, parte um idealista frustrado, chocado pela realidade ele encontrou no banco onde ele já foi funcionário. É uma história que ele conta com frequência, apesar de nem sempre de forma consistente.

Hoje, Falciani se apresenta como um porta-voz de todos os denunciantes. Em 2014, ele apareceu mais à vontade, indo a reuniões de scooter. Foi contratado durante um período pelo Instituto Francês para Pesquisa em Ciência da Computação e Automação. Recentemente, disse ao “Le Monde” que estava desempregado, fazendo trabalhos de curto prazo.

Ele também está envolvido em uma ONG que tenta criar uma plataforma para tornar mais fácil e seguro que denunciantes falem. (O diretor do ICIJ Gerard Ryle é um dos 5 diretores dessa ONG, registrada na França).

“Não sou um cavaleiro branco, mas há algo belo e estimulante em estabelecer a verdade. Isso o faz continuar durante os períodos ruins”, disse. “Não tenho que me preocupar sobre uma aposentadoria eu não terei. Posso me preocupar com algo a mais: somos úteis”.

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Disney usa empresa em paraíso fiscal para manobra que reduz imposto
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Fernando Rodrigues

Vazamento de papéis sigilosos indica prática realizada a partir de Luxemburgo

Koch Industries, Skype e outras 32 empresas também se beneficiariam da estratégia

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

Mickey Mouse, personagem da Disney, posa em frente a castelo em parque temático na França

A The Walt Disney Company, conglomerado norte-americano proprietário de estúdios de cinema, canais de televisão e parques temáticos, tem empresas no paraíso fiscal de Luxemburgo que podem ser utilizadas para reduzir o imposto devido nos Estados Unidos.

A manobra foi revelada por um vazamento de papéis confidenciais obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), ONG com sede em Washington.

Em novembro, o ICIJ já havia divulgado que empresas multinacionais como Pepsi, Ikea e FedEx e os bancos brasileiros Bradesco e Itaú-Unibanco fizeram uso do mesmo artifício. O caso ficou conhecido como “Lux Leaks”.

O ICIJ recebeu o novo lote de documentos após a primeira séria de reportagens. Além da Disney, estão na lista divulgada nesta 3ª feira (9.dez.2014) a Koch Industries, segunda maior empresa de capital fechado dos EUA, a gigante de telefonia por internet Skype e outras 32 companhias. As manobras teriam sido realizadas entre 2003 e 2011.

As repórteres Alison Fitzgerald e Marina Walker Guevara, do ICIJ, relatam que a Disney e a Koch foram instruídas pela consultoria Ernst & Young a registrar algumas de suas empresas em Luxemburgo e a criar companhias financeiras internas, como se fossem bancos próprios.

Essa é uma das estratégias utilizadas por empresas multinacionais para enviar parte de seus lucros a Luxemburgo. O banco interno sediado no paraíso fiscal concede empréstimos a filiais em outros países, como França ou Alemanha, e recebe de volta o pagamento de juros. Por meio desse canal, o lucro é transferido a baixa tributação, inferior a 1% em alguns casos.

Segundo o ICIJ, é impossível determinar quanto a Disney e a Koch teriam economizado em pagamento de impostos nos EUA sem acessar o imposto de renda declarado ao governo norte-americano, protegido sob sigilo.

As regras de Luxemburgo são legais dentro do país, mas podem ser contestadas por outras autoridades se houver entendimento de que elas reduzem o pagamento do imposto devido nos locais de origem.

Outra maneira de as companhias enviarem seus lucros para Luxemburgo é registrar suas marcas e patentes em uma subsidiária no paraíso fiscal e fazer as filiais instaladas ao redor do mundo pagarem royalties pelo seu uso.

Segundo Fitzgerald e Guevara, a estratégia utilizada pela Disney segue um roteiro de 34 etapas proposto em outubro de 2008 pela Ernst & Young. A movimentação contábil confere à Disney a capacidade de retirar seu lucro de países com tributação pesada, como França e Alemanha.

A peça-chave dessa estrutura é uma empresa financeira da Disney chamada Wedco Participations SCA, sediada em Luxemburgo. Essa empresa concede empréstimos às outras subsidiárias a alta taxas, extraindo o lucro na forma de pagamento de juros. Segundo os documentos obtidos pelo ICIJ, a Wedco registrou em 4 anos lucro de € 1 bilhão e pagou € 2,8 milhões em impostos, taxa menor que 1%.

Em duas transações, a Wedco emprestou € 75 milhões para a subsidiária francesa da Disney e recebeu mais de € 16 milhões em juros, o que pode ter permitido reduzir o pagamento de impostos na França.

A Wedco e outras duas empresas da Disney criadas em Luxemburgo sob orientação da Ernst & Young registraram mais de € 2,8 bilhões de lucros entre 2009 e setembro de 2013, apesar de terem somente um funcionário. As 3 firmas estão instaladas em um edifício residencial.

Um repórter do ICIJ foi à sede da Wedco. Lá, um homem se identificou como diretor das companhias, mas se recusou a informar seu nome. “Nós utilizamos um apartamento espaçoso no quarto andar como escritório. Não é necessário muitos funcionários, uma pessoa qualificada com dedicação integral pode administrar essas empresas”, disse.

Zenia Mucha, porta-voz da Disney nos EUA, afirma que a empresa paga globalmente uma taxa média de 35% em impostos. “Nós administramos nossos deveres fiscais responsavelmente e buscamos cumprir integralmente todas as leis aplicáveis. Suas afirmações não estão baseadas em uma compreensão correta da nossa posição fiscal no mundo”, afirmou Mucha ao ICIJ. Ela se recusou a responder a várias questões detalhadas e não especificou o que ela considerava incorreto.

Fitzgerald e Guevara apontam que não está claro se a Disney chegou a enviar lucros registrados em Luxemburgo para os EUA, onde ele seria taxado em 35%.

Koch
A Koch Industries utilizou estratégia semelhante em benefício de sua subsidiária Invista BV, que produz fibras da marca Lycra, segundo os documentos obtidos pelo ICIJ. O guia que orientou a empresa, também preparado pela Ernst & Young, estabelece 26 passos para reestruturar a Invista e centralizar seu fluxo financeiro em Luxemburgo.

Como a Disney, a Koch também montou um banco interno, chamado Arteva Europe S.à.r.l,, para administrar o fluxo financeiro de sua operação europeia. De 2010 a 2013, a Arteva registrou lucro de US$ 269 milhões e pagou US$ 6,4 milhões de impostos. A taxa anual mais alta aplicada foi de 4,15%.

Indagado pelo ICIJ, Rob Tappan, diretor de relações externas da Koch, afirmou que “como todas as empresas Koch, a Invista conduz seus negócios de forma legal e paga seus impostos de acordo com as leis aplicáveis”. A Koch não respondeu a perguntas detalhadas sobre sua operação em Luxemburgo.

A Disney e a Koch podem estar de beneficiando de uma brecha no código tributário dos EUA que permite que elas peçam ao governo que ignore as várias subsidiárias e considere apenas a filial estrangeira principal na hora de auferir os tributos. Isso livra as subsidiárias de pagarem impostos aos EUA sempre que o dinheiro fluir de uma para outra.

Em 2009, o presidente Barack Obama incluiu um projeto para fechar essa brecha em uma lista de modificações fiscais que ele desejava implementar. O governo dos EUA estima que proibir essa prática resultaria em arrecadação extra de US$ 86 bilhões em 10 anos. Companhias privadas fizeram forte lobby contrário à modificação e a proposta foi abandonada em menos de 1 ano.

Reação
Após o primeiro lote de vazamentos do “Lux Leaks”, Jean-Claude Juncker, novo presidente da Comissão Europeia, que era primeiro ministro de Luxemburgo quando muitas dessas políticas fiscais controversas foram criadas, disse que elas eram legítimas, mas admitiu que o sistema “não estava sempre alinhado com a justiça tributária” e pode ter aberto brechas “em padrões éticos e morais”.

Margrethe Vestager, comissária da União Europeia para a Concorrência, disse que sua equipe analisará as práticas fiscais reveladas pelo ICIJ. “Vamos examinar e avaliar se isso irá ou não resultar na abertura de novas investigações”, afirmou.

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Azerbaijão prende jornalista que investiga enriquecimento de presidente
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Fernando Rodrigues

Khadija Ismayilova foi detida na 6ª feira por 2 meses, sem julgamento

Repórter aponta envolvimento da família presidencial em corrupção

Khadija Ismayilova chega para audiência judicial em Corte no Azerbaijão

Khadija Ismayilova chega para audiência judicial em Corte no Azerbaijão

A jornalista Khadija Ismayilova, repórter investigativa no Azerbaijão, foi presa na 6ª feira (5.dez.2014) em Baku, capital do país, em um movimento para intimidá-la a abandonar sua série de reportagens sobre o enriquecimento da família do presidente azeri Ilham Aliyev.

Khadija é acusada pela Promotoria local de incitar um homem a cometer suicídio. Ela compareceu a uma audiência judicial na 6ª feira e saiu da Corte presa, sem ser julgada, em medida preventiva com duração de 2 meses.

Khadija é integrante do ICIJ (Consórcio internacional de Jornalistas Investigativos), que reúne 185 repórteres de 65 países. Ela já ganhou prêmios por reportagens para a rádio Free Europe e a rádio Liberty’s, no Azerbaijão.

O trabalho que incomodou o governo local foi uma série de reportagens sobre negócios empresariais da família do presidente Aliyev. Ela apontou envolvimento oculto das filhas do presidente no setor de telecomunicações do país, fortunas depositadas em paraísos fiscais e o pagamento de propinas no setor de mineração de ouro.

Na 5ª feira (4.dez.2014), um dia antes de Khadija ser presa, Ramiz Mehdiyev, chefe de gabinete de Aliyev, divulgou documento de 60 páginas em que acusa a jornalista de “desacato” e “postura destrutiva contra membros conhecidos da comunidade do Azerbaijão”, com o objetivo de “agradar seus chefes no exterior”.

A prisão de Khadija provocou reação em organizações de jornalistas. Drew Sullivan, da OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), que trabalha com Khadija, afirmou que o episódio “soa como uma escalada na intimidação” contra a repórter por ter divulgado notícias relevantes para a população do Azerbaijão.

Marina Guevara, diretora do ICIJ, enviou ofício à Promotoria do Azerbaijão e à embaixada do país nos Estados Unidos pedindo a imediata suspensão das acusações e a soltura de Khadija. Para o ICIJ, as denúncias contra a jornalista são “falsas” e funcionam como pretexto para silenciar a repórter.

“Khadija não trabalha sozinha. Ela trabalha em equipe. Seus colegas estão localizados em diversos países do mundo e continuarão o trabalho ainda não concluído de Khadija. O senhor terá que nos prender no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Romênia, na Suécia e em mais de outros 60 países se quiser silenciar Khadija Ismayilova”, afirma a diretora o ICIJ.

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Liberado banco de dados com 100 mil empresas secretas em paraísos fiscais
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Fernando Rodrigues

ONG Consórcio de Jornalistas Investigativos libera informações para pesquisa

Busca por “Brazil” acha empresas que têm essa expressão no nome

O ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) liberou hoje para consulta um banco de dados interativo que revela informações de aproximadamente 100 mil empresas secretas em paraísos fiscais.

O ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) é uma ONG com sede em Washington, capital dos EUA.

O banco de dados The Offshore Leaks permite aos internautas explorar as relações entre clientes das empresas listadas. As empresas nos exterior não estão necessariamente cometendo algum crime.

Quando se escreve a palavra “Brazil” no campo de busca, encontram-se 4 empresas que tem essa expressão no nome (não necessariamente irregulares):

 

Todas as informações fazem parte dos 2,5 milhões de arquivos vazados sobre empresas em paraísos fiscais pelo mundo. O ICIJ analisou as informações de maneira colaborativa com 112 jornalistas de mais de 40 meios de comunicação em 58 países.

Ao compartilhar os dados, o ICIJ pretende oferecer uma ferramenta que possa ser usada “amplamente por jornalistas no mundo todo, particularmente em países mais afetados por corrupção e negócios escusos”.

O aplicativo The Offshore Leaks foi desenvolvido pelo jornal “La Nación”, da Costa Rica, a pedido do ICIJ, com contribuições de jornalistas e programadores do Reino Unido, dos EUA e da Espanha.

Mais informações (em inglês) podem ser encontradas aqui.

E para saber sobre como o banco de dados foi montado, clique aqui.

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