Blog do Fernando Rodrigues

Arquivo : Cláusula de desempenho

Oposição no Senado tenta afrouxar cláusula de desempenho
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Senadores votam reforma política nesta 4ª feira

Proposta precisa de pelo menos 49 votos favoráveis

Senador Aloysio Nunes (PSDBS-SP) é relator da proposta da reforma política no Senado

Oposição e governistas tentam acordo para aprovar no Senado ainda hoje (4ª) a reforma política. A proposta de emenda constitucional é de autoria dos senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Aécio Neves (PSDB-MG). O relator é o líder do governo na Casa, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

As informações são da repórter do UOL Gabriela Caesar.

A PEC fixa percentual mínimo que cada partido deve atingir nas eleições para deputado federal. Seriam pelo menos 2% dos votos válidos em 2018 e 3%, em 2022, em 14 unidades da federação. Mas a oposição defende que cada sigla só precise de 1% dos votos válidos em 2018, 1,5%, em 2022 e 2% em 2026, em 9 unidades da federação.

Na noite desta 3ª feira (8.nov.2016), os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tiveram uma reunião para articular a tentativa de mudança. O líder do Psol na Câmara, Ivan Valente (SP), também participou do encontro.

Se a mudança for aceita por Aloysio Nunes (PSDB-SP), a proposta será aprovada com tranquilidade na Casa. Senadores governistas disseram ao Blog que a PEC deve passar mesmo com a versão atual.

Como ficaria

Caso o percentual aprovado para 2018 seja de 1% dos voto válidos, a representação na Câmara passaria de 26 para 17 siglas em 2018, segundo cálculos da oposição. Se a reforma política for aprovada tal como está, a tendência é que esse número caia para 13 na próxima eleição. Leia a análise do Blog sobre o assunto.

Uma PEC exige a aprovação de, pelo menos, 49 dos senadores. A oposição tenta o apoio de PSB, PV e PSC. Os 3 partidos totalizam 10 senadores e podem definir o placar da votação.

 

O Blog está no Facebook, Twitter e Google+.


Análise: Temer começa com o mesmo insumo disponível na fisiologia dilmista
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Apoio no Congresso é frágil e sem compromisso programático

Fragmentação partidária impede montagem de base sólida

Aprovação de reformas polêmicas é incerta nesse ambiente

MichelTemer-foto-divulgacaoVPR

Michel Temer: um xadrez para acomodar 20 partidos no governo

O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), deve assumir o Palácio do Planalto de maneira interina amanhã (5ª) à tarde (12.mai.2016). Está com planos liberais para a economia. Convidou um nome bem aceito pelo mercado para comandar o Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles.

O peemedebista anunciou o corte de 10 dos atuais 32 ministérios de Dilma Rousseff. Quer sinalizar austeridade. Fala em reforma da Previdência Social, ajuste fiscal e possíveis mudanças nas leis trabalhistas. Pretende “destravar” o Brasil, como jornalistas ouvimos dia sim e dia também em Brasília.

É inegável também um certo clima de alívio por parte do establishment em se ver livre de Dilma Rousseff, uma política considerada inábil, turrona e responsável por muitas notórias decisões erradas na economia. Alguns analistas políticos e econômicos falam num tom como se o governo Temer fosse uma espécie de profecia que vai se autocumprir. “Não tem como ficar pior. É claro que vai melhorar”, dizem os peemedebistas.

Mas, será?

Todos esses projetos e desejos dos parágrafos acima esbarram num muro duríssimo, construído com uma liga de titânio com tungstênio. Chama-se Congresso Nacional e sua altíssima fragmentação partidária.

Este ensaio é um pouco longo e será mais bem digerido se o leitor tiver paciência para olhar este quadro (bem feio, mas revelador) sobre o tamanho das bancadas de cada partido na Câmara desde 1986 (clique na imagem para ampliar):

tabela-fragmentacao-partidaria

Quem olha esses números acima sempre diz que o presidencialismo faliu. Ou, de maneira mais sofisticada, afirma que faliu o “presidencialismo de coalizão”, essa espetacular expressão cunhada pelo brilhante Sérgio Abranches.

Treinado para olhar e analisar a política há mais de 30 anos, discordo dessas avaliações sobre a falência do modelo por completo.

O que faliu não foi o presidencialismo como um todo. A falência está na leniência da lei que permitiu ao Brasil chegar à sua maior fragmentação partidária da história. Em 2014, foram eleitos deputados federais de 28 partidos políticos diferentes. Hoje (maio de 2016), há 25 siglas representadas no Congresso –pois alguns fecharam ou foram fagocitados por novas legendas.

O quadro acima mostra que desde 1998 (há quase 20 anos) nenhum partido consegue eleger mais de 100 deputados (do total das 513 cadeiras hoje disponíveis).

A tendência está aí, irrefreável: é um bom negócio abrir um partido e muitos novos ainda vão brotar. Sem uma (improvável) alteração na lei, é enorme a chance de haver 30 ou mais legendas no Congresso depois da eleição de 2018.

Contexto (que valeria um outro ensaio): um dos principais responsáveis por essa balbúrdia atende pelo nome de Supremo Tribunal Federal. Festejado agora nos processos do mensalão e da Lava Jato, o STF teve um dos seus dias mais tristes quando, por unanimidade, decretou em dezembro de 2006 que era inconstitucional a cláusula de desempenho –que teria colocado um fim na cacofonia partidária. Mas essa é outra história.

O fato é que hoje com cerca de 500 mil assinaturas coletadas (há empresas que fazem isso; cobram R$ 2 por assinatura) qualquer um pode ter 1 partido para chamar de seu. Uma vez aprovado pelo TSE, no dia seguinte o dono da legenda já começa a receber dinheiro do Fundo Partidário e a ter o direito de aparecer na TV e no rádio a cada 6 meses.

Trata-se de um claro desvio de finalidade da democracia, sistema no qual deve ser assegurado o direito da minoria. O caso brasileiro é de democratismo negocial.

PROPOSTAS TENEBROSAS
Não é por outra razão que Michel Temer (podia ser qualquer um) está enfrentando propostas tenebrosas com resultados ainda piores.

Nesta 4ª feira (12.mai.2016), enquanto o Senado começava a votar o impeachment de Dilma Rousseff, o vice-presidente da República recebia pela manhã o polêmico Newton Cardoso e seu filho homônimo, o deputado federal Newton Cardoso Jr., ambos do PMDB de Minas Gerais. Propuseram Junior, de 36 anos, para ser o ministro da Defesa. Saíram do Jaburu dando como certa a nomeação e anunciando a quem quisesse ouvir. Teve até nota oficial divulgada.

O deputado Newton Cardoso Jr. acabou durando pouco como “cotado”. A forte reação dos militares nos bastidores derrubou o jovem político mineiro em algumas horas. O fato é que não importava mais qual seria o desfecho depois de vazada a informação de maneira destrambelhada. .

Se Junior virasse o comandante das Forças Armadas Brasileiras, seria um ministro sem experiência comprovada nessa área e acostumado a fazer um tipo de política de difícil compatibilidade com o meio militar. Seria uma crise comprada para daqui a alguns dias, semanas ou meses.

Se Junior, por outro lado, não virasse ministro (como de fato não virou), Michel Temer pagaria (já deve estar pagando) o preço de conviver com uma família/ala tradicional da política mineira emburrada com a nova administração.

Há inúmeros exemplos semelhantes das últimas semanas.

Tome-se o caso do Partido Republicano Brasileiro, o PRB, que tem 22 deputados e uma forte ligação com políticos de origem religiosa (9 dos seus deputados são da Igreja Universal do Reino Deus).

O presidente nacional do PRB, Marcos Pereira, bispo licenciado da Universal, foi primeiramente cotado para assumir a Agricultura. Depois, iria para a pasta da Ciência e Tecnologia. Em seguida, cogitou-se colocá-lo no Esportes. Agora, por fim, o entorno de Michel Temer começou a sugerir que Pereira poderia comandar o Turismo.

É difícil encontrar alguém em qualquer partido com tantas aptidões para estar qualificado para pastas com interesses tão díspares. Na realidade, o que se busca não é um bom político-administrador. Trata-se apenas de encontrar uma colocação que possa cumprir a missão de contentar um grupo de deputados em troca de votos no Congresso.

RESPONSABILIDADE DIFUSA
A conjuntura de hoje foi sedimentada aos poucos. A culpa pela sua existência não é de um político em particular, mas de todos, coletivamente. PMDB, DEM, PT, PSDB e todos os demais são cúmplices perfeitos nessa implosão lenta e gradual do modelo partidário.

Dilma Rousseff, Lula, FHC e todos os demais presidentes sentiram os efeitos disso. Mas sempre acharam que era possível dar um jeito e ir tocando. Um cargo na Funasa aqui. Uma diretoria do Dnit acolá. O Dnocs para aquele deputado nordestino pidão. E as coisas andavam. Agora, com 25 partidos na Câmara está cada vez mais inelástico o espaço na máquina pública para acomodar tanta demanda fisiológica. É quase uma mágica usar essa receita enferrujada para obter uma governança minimamente decente e eficaz na aprovação de projetos dentro do Congresso.

Seria fácil dizer que Michel Temer deveria priorizar, portanto, uma imediata reforma no sistema partidário-eleitoral. Como se diz nas redes sociais, #sóquenão.

Não há a mínima condição de o presidente interino que assume possivelmente amanhã (12.mai.2016) virar-se para o Congresso e dizer: “Muito bem. Agora, quero que vocês votem uma lei que vai dizimar uns 20 partidos e mais da metade de vocês perderá o mandato na próxima eleição”.

Qual é a alternativa? Dentro dos cânones da política tradicional só há um caminho: continuar a tocar as coisas usando a tecnologia que esteve presente em administrações anteriores.

Michel Temer tem à sua disposição a mesma massa disforme de apoio político que serviu a Dilma Rousseff. Como um dia disse Luiz Inácio Lula da Silva, os 300 picaretas com anel de doutor que circulam no Congresso.

Esse tecido fisiológico implantou-se no Congresso há décadas. Ganhou tração e sofisticação nos anos 80, quando o presidente era José Sarney (PMDB).

A fórmula funcionou quase à perfeição por muito tempo, mas havia uma bomba de efeito retardado armada na gênese desse modelo: a possibilidade de o número de partidos crescer ad infinitum dentro do Congresso.

Uma coisa era José Sarney distribuir emissoras de rádio e de TV para congressistas em troca de ficar com um mandato de 5 anos no Planalto. Em 1986, os 3 maiores partidos da Câmara (PMDB, PFL e PDS) somavam 411 deputados. É claro que havia fragmentação interna nessas siglas –mas era operacionalmente mais viável fazer as partilhas com 5 ou 6 caciques.

Agora, a vida de Michel Temer e de seus assessores é um balcão sem fim para atender políticos de 20 legendas. Cada uma delas com 2 ou 3 grupos internos antagônicos. Não se faz outra coisa a não ser ouvir deputados e senadores pidões dentro do Palácio do Jaburu nas últimas semanas.

Há um fato indisputável a favor de Michel Temer: ele e seu grupo são os mais versados nessa arte de ouvir políticos para tentar acordos. Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Henrique Alves, Moreira Franco e Romero Jucá formam, sob o comando de Temer, uma espécie de “vingadores do baixo clero”.

Se existe uma turma com know-how para tentar montar uma base de apoio pró-Temer é esse quinteto Geddel-Padilha-Henrique-Moreira-Jucá.

A dúvida é se a tecnologia forjada nos últimos anos se tornou obsoleta para conter a hidra do fisiologismo, da qual a cada momento nasce uma nova cabeça pedindo mais um cargo.

As próximas semanas dirão, mas a tarefa é uma das mais difíceis que poderiam existir na política neste momento.

Blog está no FacebookTwitter e Google+.


PMDB é único partido a ter deputados dos 26 Estados e de Brasília em 2015
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Pela segunda eleição consecutiva, sigla sai das urnas como a mais nacional

Apenas 7 legendas ultrapassaram linha de 5% dos votos para deputado federal no país

O artigo 17 da Constituição determina que um partido político precisa ter “caráter nacional”. Pela segunda eleição consecutiva, só o PMDB cumpre de fato essa exigência: foi a única legenda que elegeu deputados federais em todos os 26 Estados e no Distrito Federal.

Desde a volta do Brasil ao regime democrático civil, em 1985, tem sido incomum algum partido eleger deputados federais em todas as unidades da Federação. A primeira eleição para o Congresso pós-ditadura militar foi em 1986. De lá para cá, só houve 3 ocorrências de partidos com representantes eleitos para a Câmara em todos os Estados e no Distrito Federal –em 1986, com o antigo PFL (hoje DEM), e em 2010 e 2014, sendo o PMDB o protagonista.

O PT, que no último domingo (5.out.2014) elegeu a maior bancada, com 70 deputados, ficará desguarnecido na Câmara em relação a 6 Estados nos quais não elegeu representantes para enviar a Brasília: Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Tocantins.

O PSDB, embora apenas com a terceira maior bancada, conseguiu sair das urnas mais nacional do que o PT. Os tucanos só não elegeram deputados em 4 Estados: Amapá, Piauí, Sergipe e Tocantins. Nestes 2 últimos, os tucanos sequer tinham candidatos.

Aliás, uma curiosidade: o PSDB foi a única legenda grande (com mais de 5% dos votos para deputado federal no país inteiro) que nesta eleição de 2014 não lançou candidatos para a Câmara em todas as unidades da Federação.

De 1994 até hoje, a bancada do PMDB na Câmara é a que reuniu deputados de mais unidades federativas. Em 1994 e em 2002, os peemedebistas empataram com o antigo PFL (hoje DEM). Em 1998, 2006, 2010 e 2014, lideraram sozinhos.

Abaixo, a tabela histórica com o número de deputados e UFs representadas por partido, desde 1986 (clique na imagem para ampliá-la):

 

camara-tabelaov4

Cláusula de desempenho
O número de legendas com mais de 5% dos votos para a Câmara oscila de 7 a 8 desde 1990. Essa estabilidade das grandes bancadas ocorre apesar da crescente fragmentação na Casa –neste ano, foram eleitos deputados de 28 partidos, contra 22 em 2010 (tabela abaixo).

Outro dado histórico que chama a atenção: desde 1998 nenhum partido político brasileiro consegue eleger uma bancada com 100 ou mais deputados federais.

Arte
A constância do número de partidos que ultrapassam os 5% dos votos para deputado federal em todo o país indica como seria a atividade na Câmara se a cláusula de desempenho estivesse em vigor.

Esse mecanismo tem o objetivo de reduzir os benefícios de siglas menores, muitas vezes incapazes de obter apoio na sociedade por várias eleições seguidas. A cláusula de desempenho foi aprovada no Brasil em 1995 (lei 9.096) para valer a partir da eleição de 2006, mas o dispositivo acabou derrubado pelo Supremo naquele ano, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade.

A regra de 1995 estabelecia que os partidos só teriam amplo acesso ao Fundo Partidário, ao horário de rádio e de TV e direito de ter estrutura de “funcionamento parlamentar” para seus congressistas e Lideranças no Congresso se obtivessem, ao menos, 5% dos votos para deputado federal no Brasil e 2% destes votos em, no mínimo, 9 unidades da Federação.

Diferentemente do que se imagina, a cláusula de desempenho não proibiria (tal como havia sido aprovada em 1995) que partidos pequenos elegessem deputados e que esses congressistas tomassem posse. Só que as siglas pequenas (com menos de 5% dos votos nacionais para deputado federal) teriam apenas 2 minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de TV. Ficariam também com apenas 1% do Fundo Partidário para ratear entre si.

Se essa regra estivesse em vigor na eleição de 2014, apenas 7 partidos teriam ultrapassado a linha de corte: PT, PMDB, PSDB, PSD, PP, PR e PSB.

A transferência de recursos públicos seria reduzida para algumas siglas tradicionais que elegeram bancadas modestas, como PTB, DEM, PDT, PC do B e Pros.

Sem uma cláusula de desempenho mais rígida, a tendência é aumentar a balbúrdia durante as campanhas eleitorais no Brasil. Em 2018, se todos os 28 partidos com representação ao Congresso decidirem lançar candidatos a presidente, os debates eleitorais na TV terão de convidar todos eles –ou seja, os debates teriam 28 debatedores.

Abaixo, a votação que cada legenda acumulou (votos nominais e na legenda) e o percentual sobre o total de votos para a Câmara em todo o Brasil.

Arte
Como se observa na tabela acima, o Blog fez um cálculo para aferir como foi o desempenho de cada legenda de acordo com o que determinava a finada cláusula de desempenho de 1995.

O item mais difícil de ser cumprido é o percentual de 5% dos votos nacionais para deputado federal. Ao longo dos anos, nunca mais do que 8 partidos cumprem essa meta.

As agremiações políticas atingem com mais facilidade a segunda exigência da antiga cláusula de desempenho –a obrigação de ter 2% dos votos para deputado federal em, no mínimo, 9 unidades da Federação (9 Estados ou 8 Estados mais o Distrito Federal).

De acordo com cálculo produzido pelo Blog, neste ano de 2014, houve 16 legendas que tiveram mais de 2% dos votos para deputado federal em pelo menos 9 unidades da Federação.

Quando se aumenta a linha de corte para 3%, o número de partidos que continua a atingir esse percentual cai apenas para 14. Se a exigência sobe para 4%, são 11 as siglas que passam pela cláusula.

Essa facilidade para ter um percentual pequeno de votos para deputado federal dentro de Estados, portanto, não é algo que tenha impacto relevante na vida dos partidos.

Se a intenção for exigir uma presença nacional das legendas, seria então necessário uma futura cláusula de desempenho subir essa régua de corte para 15 ou 20 unidades da Federação na qual cada partido teria de obter, no mínimo, 2% dos votos para deputado federal.

O blog está no Twitter e no Facebook.


Dilma, Marina e Aécio são corresponsáveis por despautérios de Levy Fidelix
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

PT, PSB, PSDB e outros grandes nada fazem para acabar com vale-tudo de nanicos

Cláusula de desempenho limitaria acesso de siglas sem representação a debates

O candidato do PRTB a presidente da República, Levy Fidelix, produziu alguns despautérios homofóbicos no debate promovido pela TV Record no domingo (28.set.2014; reproduzidos ao final deste post).

No minuto seguinte, Levy Fidelix começou a ser malhado por causa da ignorância contida em seus comentários preconceituosos. Menos críticas têm sido ouvidas a respeito da existência de tal cenário: candidatos nanicos sem representação presentes a debates eleitorais para vocalizar suas ideias exóticas.

Não que um candidato de um partido grande não possa também falar absurdos e ser preconceituoso –aliás, é muito comum. Mas aí os mecanismos de cobrança tendem a ser mais eficazes. No caso de um nanico, ele faz o que bem entende e não presta contas a ninguém.

Falta à democracia brasileira uma disciplina maior para tratar de maneira correta os que não têm votos. Nesse aspecto, Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves, juntos com seus respectivos partidos (PT, PSB e PSDB), são grandes responsáveis para que prosperem políticos “a la Levy Fidelix” e siglas com o PRTB.

Seria necessário aprovar uma cláusula de desempenho que impedisse o acesso facilitado de partidos quase sem voto ao horário eleitoral, ao dinheiro (público) do Fundo Partidário e aos debates entre candidatos em meio eletrônico (rádio e TV).

Para fazer um debate hoje, emissoras de TVs e de rádio estão obrigadas a convidar todos os candidatos de partidos que elegeram deputados federais na última eleição (no caso de 2014, são 7 candidatos a presidente).

Não importa o número de deputados que partido consiga eleger. Pode ter sido 1 ou 100, não faz diferença. Se a sigla tiver candidato a presidente terá também o direito de aparecer no debate para atravancar a discussão falando de aerotrem ou expressar seu preconceito (ao final deste post, a íntegra do que falou Levy Fidelix no domingo).

[é claro que há exceções, com nanicos responsáveis; mas este post trata da parte ruim do sistema].

Houve uma tentativa mal feita nos anos 1990 de reduzir drasticamente o acesso dos nanicos à TV, ao rádio e ao Fundo Partidário. O Supremo Tribunal Federal considerou a medida inconstitucional (já nos anos 2000), pois havia sido introduzida por meio de lei. Teria de ser uma emenda constitucional –há quem considere que o STF errou a mão nessa decisão, mas agora não vem ao caso.

O fato é que os partidos estão há décadas discutindo o tema, mas nunca fazendo nada efetivo. PT, PMDB, PSDB, PSB, DEM e outras legendas tradicionais nunca se esforçaram, de fato, para fazer passar uma emenda constitucional que acabasse com o democratismo que coloca no horário eleitoral gente com quase zero de representação na sociedade.

O que deve ser feito? Simples. Chama-se cláusula de desempenho. Por exemplo, estipular que o partido com menos de 3%, 4% ou 5% dos votos (seria necessário modular qual é o percentual ideal) em nível nacional numa eleição para a Câmara dos Deputados não terá o direito de ter o seu candidato convidado obrigatoriamente para um debate na TV ou no rádio.

Esses partidos menores também não teriam mais o direito de aparecer a cada 6 meses na TV e no rádio, em rede nacional. Isso ocorre hoje, seja ano eleitoral ou não (e quem paga é o contribuinte, pois as emissoras são ressarcidas pelo horário cedido). Por fim, o acesso ao Fundo Partidário ficaria bem mais restrito.

O PRTB de Levy Fidelix, por exemplo, elegeu 2 deputados federais em 2010. Hoje, não tem mais nenhum.

Não é um exagero dizer que o PRTB é quase um partido secreto para a população brasileira. Mas ele teve o seu momento de glória no dia 20.mar.2014: apareceu 5 minutos em rede nacional de TV (das 20h30 às 20h35) e de rádio (das 20h às 20h05). Quem pagou por isso sem saber? Os brasileiros que pagam impostos.

A legenda de Levy Fidelix também já recebeu neste ano de 2014, até setembro, um total de R$ 992.247,50 do Fundo Partidário –dinheiro dos impostos de todos os brasileiros. Em 2013, o PRTB abiscoitou R$ 1.361.924,12.

E não é tudo. Todas as legendas também recebem uma participação proporcional no que a Justiça Eleitoral arrecada de multas dos políticos e das agremiações partidárias –isso mesmo, a Justiça cobra multas e depois devolve o dinheiro para os próprios partidos (incrível). Nesse sistema surrealista, o PRTB de Levy Fidelix ganhou em 2013 um total de R$ 310.249,78 desse reparte das multas redistribuídas pelo TSE.

A pergunta que vem agora é prosaica e muito fácil de ser respondida: quantos dos 202 milhões de brasileiros são a favor de o PRTB receber, anualmente, R$ 1,672 milhão (como ocorreu em 2013) em dinheiro público? Possivelmente, só os dirigentes do PRTB e seus amigos mais próximos.

Outra pergunta: por que os partidos maiores não acabam com essa farra que nada tem a ver com democracia? A resposta vem em duas partes.

Primeiro, porque os partidos nanicos são muito úteis aos grandes. Muitos (não todos, claro) se dispõem a fazer o trabalho sujo em eleições, usando o seu tempo de propaganda para difamar alguém.

A segunda razão é que há muitos nanicos, vamos dizer, ideológicos, que também ficariam sem acesso facilitado ao tempo de TV e de rádio nem ao Fundo Partidário se fosse adotada uma cláusula de desempenho.

Em resumo, uma das razões tem a ver com funcionalidade podre da política (usar siglas nanicas como bocas de aluguel). A outra razão seria, em tese, nobre –não condenar legendas ideológicas a uma vida mais difícil. Essa segunda motivação é uma falsa disjuntiva.

Por mais simpáticos que possam ser alguns nanicos, não faz sentido dar dinheiro público a quem não tem representação na sociedade. Tomem-se algumas siglas trotskistas que há décadas têm batalhado pelas suas causas, mas nunca conseguiram prosperar. Não há como a sociedade brasileira sustentar tal tipo de situação.

Verdade seja dita, Dilma Rousseff e o PT têm falado sobre algum tipo de reforma política em suas propagandas eleitorais deste ano (propondo um esdrúxulo plebiscito para mudar quase tudo). É só cortina de fumaça. Trata-se de uma embromação pregar uma ampla mudança nas regras. Isso nunca acontecerá.

O mais plausível é a adoção de alguma alteração pontual –como uma cláusula de desempenho– que teria efeito saneador depois de duas ou três eleições.

Mas eis uma dúvida legítima que alguns terão: e se um candidato a presidente da República de um partido nanico se tornasse muito popular, disparando nas pesquisas, e não fosse convidado para um debate na TV porque não haveria mais a exigência da lei? Essa é outra falsa questão.

Com várias emissoras de TV no país, será que nenhuma se interessaria em entrevistar ou convidar para um debate um candidato com 25% ou 30% das intenções de voto?

Em 2010, numa iniciativa pioneira, o jornal “Folha de S.Paulo” e o portal UOL realizaram um debate presidencial, transmitido apenas em “streaming”, via internet –o que permite que se convide quantos candidatos os organizadores desejarem. À época (agosto de 2010), só havia 2 candidatos competitivos, Dilma Rousseff (PT), com 41%, e José Serra (PSDB), 33% das intenções de voto. Ainda assim, já estava começando a despontar a candidatura de Marina Silva (então no minúsculo PV), com 10%. Os 3 foram convidados, pois essa era a decisão correta a ser tomada do ponto de vista jornalístico.

É evidente que isso também aconteceria na eventualidade de a cláusula de desempenho entrar em vigor.

A opção que existe é não fazer nada. Nesse caso, a sociedade brasileira terá de se acostumar com cenas grotescas como a de Levy Fidelix, cuja fala de 28.set.2014 sobre união entre pessoas do mesmo sexo vai reproduzida a seguir, para registro histórico:

Levy Fidelix [debate da TV Record, em 28.set.2014]: “…Tenho 62 anos. Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais. Digo mais. Desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. É feio dizer isso, mas não podemos, jamais, gente, eu que sou um pai de família e um avô, deixar que tenhamos esses que aí estão achacando a gente no dia a dia, querendo escorar essa minoria à maioria do povo brasileiro. Como é que pode um pai de família, um avô, ficar aqui escorado? Porque tem medo de perder voto. Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô, que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto. E vamos acabar com essa historinha. Eu via um padre, o santo padre, o papa, expurgar, fez muito bem, do Vaticano um pedófilo. Está certo. Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar, realmente, um bom caminho familiar. Então, Luciana [Genro, candidata do PSOL a presidente em 2014], lamento muito. Que façam um bom proveito que querem fazer e continuar como estão. Mas eu, presidente da República, não vou estimular. Se está na lei, que fique como está. Mas estimular, jamais, a união homoafetiva”.

(…) Luciana, você já imaginou? O Brasil tem 200 milhões de habitantes. Se começarmos a estimular isso daí, daqui a pouquinho vai reduzir para 100 [milhões]. É… Vai para a [avenida] Paulista e anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem somos maioria. Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los, não ter medo. Dizer que sou pai, mamãe, vovô. E o mais importante é que esses que têm esses problemas realmente seja atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente. Bem longe, mesmo, porque aqui não dá”.

p.s.: note que o nome do dispositivo sugerido é “cláusula de desempenho“. Não tem nada a ver com “cláusula de barreira“. Os partidos poderão todos continuar a existir. Mas só terão acesso farto a dinheiro público, a tempo generoso em rádio e e TV e a participar compulsoriamente de debates depois de passarem de um certo percentual de votos numa eleição. Em resumo: sem apoio dos eleitores, uma agremiação partidária não merece ter destaque.

O blog está no Twitter e no Facebook.


Democracia seria mais justa com cláusula de desempenho
Comentários Comente

Fernando Rodrigues

Regra foi apelidada, erroneamente, de “cláusula de barreira”…

…STF derrubou a regra em 2006.

Leia análise do Blog:

A fragmentação partidária no país é um caso para estudo. Como podem os dois partidos que elegem presidentes sucessivos desde 1994 não ter pelo menos 5% dos votos para prefeito em todos os Estados em 2012?

O PT teve menos de 5% dos votos para prefeito em Alagoas, no Amazonas e em Roraima. O PSDB ficou abaixo desse percentual no Amapá, na Bahia, no Ceará, no Mato Grosso, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e em Sergipe. O Blog publicou o número de votos obtidos por todos os partidos na eleição de 2012 em outro post: nenhum atingiu 5% nos 26 Estados.

Essa situação vai se manter “ad infinitum” exceto se o sistema de premiação dos partidos não for alterado com uma cláusula de desempenho.

A cláusula de desempenho, apelidada (equivocadamente) de “cláusula de barreira”, foi aprovada no Brasil em 1995. Era uma lei dura, mas dava (com justiça) uma década para os partidos se adaptarem. Valeria só a partir da eleição de 2006.

A regra estabelecia que os partidos só teriam amplo acesso ao Fundo Partidário e pleno funcionamento no Congresso (com estruturas para suas Lideranças) se obtivessem, ao menos, 5% dos votos para deputado federal no Brasil e 2% destes votos em, no mínimo, 9 Unidades da Federação.

Em 2006, partidos que dificilmente teriam esse resultado conseguiram que o STF considerasse a regra inconstitucional. O dispositivo foi derrubado. Foi uma página triste da história política brasileira. Ministros do STF acharam que a cláusula iria decretar a morte de algumas agremiações. Por essa razão, a norma estaria ferindo o princípio de livre associação política.

Foi uma decisão apaixonada do STF. E foi um equívoco, pois a cláusula não falava em fechar partidos, mas apenas em tratá-los de acordo com os votos que recebessem nas urnas.

O fato é que, agora, para que exista uma cláusula de desempenho no Brasil será necessário que a medida seja instituída por meio de uma emenda constitucional –ou seja, a chance é perto de zero.

Em 2006, fizeram carga contra a cláusula no Supremo vários partidos pequenos. Entre outros, estavam contra o dispositivo o PPS, o PC do B e o hoje “quase grande” PSB. A “Folha” registrou a sessão do STF no dia do julgamento (7.dez.2006).

É importante registrar sempre que a cláusula apenas tenta ordenar melhor o sistema partidário e nenhum será barrado –daí o erro de chamá-la de “cláusula de barreira”. O dispositivo existe em alguns países –a Alemanha, por exemplo. No caso brasileiro, não era para barrar, mas para medir o desempenho de cada um e dar um tratamento de acordo com o desejo dos eleitores.

História
A situação atual nasceu na volta do país para o sistema democrático, no início dos anos 80. Como a ditadura militar (1964-1985) havia dizimado os partidos, decidiu-se (acertadamente) facilitar a criação de novas siglas.

As regras eram lenientes para que, como talvez dissesse Mao Tsé Tung, florescessem as mil flores. Foi o que ocorreu. Hoje o Brasil tem 30 partidos, mas mais de 80 já foram abertos. O número hoje é 30 porque muitos foram fechados ou se fundiram com outras legendas.

É positivo que existam todos esses partidos. Seria bom se houvesse até muito mais. O que produz uma situação anômala não é o número de agremiações políticas, mas sim a continuação das regras facilitadas depois de 30 anos. Depois de todos esses anos, está claro que os que não tiveram competência (e votos) não merecem continuar recebendo tratamento privilegiado.

A regra atual é antidemocrática. Dá a várias siglas sem apoio da sociedade acesso a algo que é pago com o dinheiro de todos os brasileiros.

Tome-se o caso do PRTB, de Levy Fidelix. Foi criado em 28 de março de 1995. Tem pouquíssimo apoio dos eleitores. Na disputa pela Prefeitura de São Paulo, Fidelix foi candidato e defendeu (como sempre) a implantação de um aerotrem em São Paulo. Recebeu 19.800 votos (0,32%).

Ainda assim, pela lei atual, o PRTB de Levy Fidelix tem o direito de aparecer na TV a cada 6 meses em rede nacional. Transmite também mais vários minutos divididos em propagandas de 30 segundos em rede nacional. Tudo isso é também replicado em nível estadual. Ou seja, o PRTB difunde também o aerotrem separadamente em redes estaduais de TV a cada seis meses.

E quem paga isso? Os brasileiros e o dinheiro de seus impostos. É que as emissoras de TV são autorizadas a abater do imposto devido uma parte (considerável) do que deixam de faturar ao transmitir as propagandas partidárias.

Outro dado alarmante: o PRTB já recebeu neste ano de 2012 a bagatela de R$ 1,261 milhão do Fundo Partidário –um dinheiro estatal que todos os partidos recebem e é pago com os impostos dos contribuintes brasileiros.

Uma ressalva: este Blog defende 100% o direito do PRTB e de outros nanicos existirem. Que floresçam as mil flores. Mas não tem cabimento um partido que foi fundado em 1995 e nunca teve apoio popular continuar a receber dinheiro público na proporção que recebe o PRTB.

Aí é que entraria a cláusula de desempenho: o partido que não ultrapassar um determinado limite de votos em todo o país (e outro limite em um número mínimo de Estados) teria de ficar com acesso limitadíssimo à TV –digamos, um minuto por ano e só. E muito menos dinheiro do Fundo Partidário –talvez o suficiente para contratar um funcionário.

O que aconteceria com a cláusula? A democracia ficaria mais justa no Brasil. Os eleitores teriam à sua frente com bastante visibilidade apenas os partidos que de fato conseguem votos em nível nacional.

A cláusula, se um dia for adotada, também pode (e deve) servir para determinar quem deve obrigatoriamente ser convidado para debates eleitorais em TV. Pouparia os eleitores do espetáculo tragicômico de assistir a um trem fantasma de políticos sem expressão ao lado dos que de fato vão dirigir a cidade, o Estado ou o país.

A cláusula poderá oferecer um quadro com mais clareza aos eleitores. Ficará mais fácil entender quem de fato está no jogo.

Pode ser divertido assistir a malucos nos horários eleitoral e partidário fazendo propostas sem pé nem cabeça. Mas quem paga a conta são todos os brasileiros.

E quem tem depois de cooptar no varejo os votos de deputados e vereadores desses nanicos são os que chegam ao poder, às vezes em tenebrosas transações.

O blog está no Twitter e no Facebook.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>