“Cunha subestimou os deputados”, diz autor de pergunta sobre conta na Suíça
Fernando Rodrigues
Delegado Waldir (PR-GO) questionou Eduardo Cunha sobre conta no exterior
Pergunta foi reforçada por Clarissa Garotinho (PR-RJ) na CPI da Petrobras
Ex-presidente da Câmara foi ao colegiado voluntariamente em 12.mar.2015
Autor da pergunta que levou Eduardo Cunha a fazer uma afirmação considerada mentirosa na CPI da Petrobras, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) acha que o ex-presidente da Câmara não teria sofrido o processo por quebra de decoro se não tivesse subestimado os deputados. Para ele, a “ousadia” e a “mentira” de Cunha custaram caro.
O peemedebista foi cassado na 2ª feira (12.set.2016) pelo plenário da Câmara com os votos de 450 deputados. Cunha perdeu o direito ao foro privilegiado. Também ficará inelegível até janeiro de 2027 (8 anos contados a partir do fim do mandato).
Então filiado ao PSDB, o deputado Delegado Waldir perguntou em 12 de março de 2015, durante audiência na CPI da Petrobras, se o então presidente da Câmara tinha “alguma conta na Suíça ou em algum paraíso fiscal”. Assista ao vídeo.
A resposta de Cunha foi curta e direta. “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda.”
As informações são da repórter do UOL Gabriela Caesar.
Na mesma audiência, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ) retomou o assunto. “Vossa Excelência pode afirmar nesta CPI que não possui contas no exterior em seu nome ou em offshores de que Vossa Excelência, por ventura, seja sócio?”, perguntou.
Leia as notas taquigráficas daquela sessão. A audiência daquele dia também ouviu José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras.
Em 30 de setembro, o Ministério Público confirmou que investigava contas no exterior ligadas a Cunha e familiares. Duas semanas depois, em 13 de outubro, o Psol e a Rede entraram com uma representação no Conselho de Ética contra o peemedebista. Começou ali o processo que tramitaria por 314 dias na Casa.
Na noite de 2ª feira, 17 meses depois da audiência da CPI da Petrobras, o deputado Delegado Waldir não estava tão confiante. Estimava que Cunha seria cassado, mas com um placar menos expressivo.
“Acho que [Eduardo Cunha] vai ser derrotado. Acredito em mais de 340 votos a favor da cassação e 120 contrários ao parecer”, falou ao Blog. No fim, apenas 10 deputados votaram contra, 9 se abstiveram e 42 estavam ausentes. Na prática, todos os que não votaram pela cassação ajudaram a tentar salvar Cunha.
Depois da votação, em seu gabinete, Clarissa Garotinho analisava o resultado. “Acho que até ele [Eduardo Cunha] se surpreendeu e esperava mais votos”. A deputada diz que, com poucos votos contrários, imaginou que mais colegas pudessem ter optado pela abstenção.
Eis o que disseram Delegado Waldir e Clarissa Garotinho ao Blog na 2ª feira (12.set):
Blog – Quando fez a pergunta, na CPI da Petrobras, já esperava que futuramente Eduardo Cunha pudesse responder a um processo por quebra de decoro?
Delegado Waldir – O [então] presidente [da Câmara] não precisava ter ido à CPI. Ele [Eduardo Cunha] foi à audiência e subestimou os deputados que estavam ali. E eu não estava lá para brincar. Estava lá para fazer o meu trabalho de forma muito dura, firme e consistente. As próprias informações que nós tínhamos na CPI da Petrobras, algumas delas sigilosas, já demonstravam indícios de que várias pessoas estariam envolvidas [em investigações ligadas à estatal], de que o [então] presidente [Eduardo Cunha] estaria envolvido.
Clarissa Garotinho – Naquela época, Eduardo Cunha era muito poderoso dentro da Casa. Não dava para ter uma dimensão de como isso tudo terminaria. É evidente que quebra de decoro sempre pode terminar em um processo de cassação. E no caso dele não foi uma quebra de decoro qualquer. Foi uma quebra de decoro grave sobre contas no exterior que vieram a ser reveladas posteriormente.
Nesse processo de cassação de Eduardo Cunha, que já dura quase 1 ano, como avalia a sua própria participação?
Delegado Waldir – Tive a oportunidade de fazer a pergunta na CPI da Petrobras e, depois, participei na votação da CCJ. Vi com muita clareza e é inadmissível um presidente da Casa com indícios de corrupção. Isso denigre a imagem não apenas dele, mas de toda a Câmara, de todos os deputados. Aqueles que estiverem envolvidos num fato de natureza semelhante devem ser cassados. Esse é o meu ponto de vista. Não apenas ele [Eduardo Cunha], mas outros. Corrupção é algo inadmissível para presidente da Câmara, deputado ou qualquer pessoa pública.
Clarissa Garotinho – Eu fui muito ativa e atuante durante todo o período. Primeiro, porque a pergunta foi de minha autoria. Perguntei sobre contas no exterior em nome dele, em nome de offshore. Desde o momento em que ele mentiu naquela CPI e também quando foi pedido a abertura do processo de cassação contra ele, nós endossamos. Na verdade, eu, individualmente. Minha bancada nem sempre concordou com as minhas posições. Individualmente, participei de todos os atos e idas aos ministros do Supremo Federal. Anexei fatos relevantes como outra mentira que ele também pregou na CPI da Petrobras, quando ele disse que o Fernando Baiano [lobista e delator da Operação Lava Jato] nunca esteve na casa dele. Depois, Fernando Baiano, na delação, descreveu a casa [de Eduardo Cunha]. Eu ainda cobrei diversas vezes que fosse colocada em pauta a cassação.
É possível que ocorram mais cassações?
Delegado Waldir – Eu espero que sim. Tenho visto que a Casa tem sido muito tolerante. Acho que pode ser mais dura com aqueles que erram, mas tem sido complacente. Vejo também uma lentidão no STF no julgamento de outros casos de corrupção apontados nas delações premiadas e em outros momentos apontados na própria CPI da Petrobras por vários delatores. O STF e a própria Câmara têm sido complacentes com outros deputados que são acusados de corrupção. Que [a cassação de Eduardo Cunha] sirva de exemplo. Que [os deputados] tomem cuidado e não subestimem as pessoas. Ele [Eduardo Cunha] subestimou os deputados que estavam lá. Ele errou e vieram à tona durante as investigações todas as condutas criminosas praticadas por ele.
Clarissa Garotinho – Não é todo dia que se cassa um deputado. E, para se cassar um deputado, é preciso ter um embasamento. Um deputado é legitimado pela população. A democracia em que a gente vive é representativa. Qualquer deputado chega aqui com voto popular. Não se pode cassar um deputado toda hora. Muitos deputados já foram cassados e Eduardo Cunha foi mais um, com o agravante de ele ter sido o presidente da Casa.
Se não tivesse feito aquela pergunta, Eduardo Cunha seria cassado ainda assim?
Delegado Waldir – Não, não. Foi um momento único. E ele tinha uma rede de proteção. É ainda o processo [de cassação] mais longo. [Eduardo Cunha] é conhecedor do regimento, é um perfeccionista, é um estudioso do regimento. Ele só não foi cassado antes por ter interferido no Conselho de Ética. Pode ver que, dos outros deputados, nenhum foi cassado, nenhum tem processo tramitando aqui na Casa ainda. A ousadia dele [Eduardo Cunha] custou caro. A mentira custou caro.
Clarissa Garotinho – Não seria cassado, é o fato determinante. É claro que a cassação engloba muitos mais fatores do que simplesmente a quebra de decoro. Existe muito mais em torno disso, assim como a Dilma [Rousseff, ex-presidente] não foi cassada só pelas pedaladas. Ela foi cassada por todo um contexto político econômico que o país vive, pela Lava Jato, pelo envolvimento do PT.
A [minha] pergunta foi fundamental porque a partir dali iniciou-se o processo. Sem a pergunta, o processo [de cassação] não teria iniciado porque não teria o embasamento legal. Porém, ao longo do processo, o caso dele se mostrou muito maior e muito mais grave do que simplesmente a mentira na CPI da Petrobras.